"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 16 de março de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

UM ESTRONDO ESPETACULAR

Na tarde fria de dezembro de 1973, um estrondo espetacular abriu o ventre da Gran Via, a avenida central de Madrid, e jogou para os ares o automóvel oficial do chefe do governo da Espanha, almirante Carrero Blanco. O carro voou e caiu na varanda do segundo andar de um colégio de freiras.

Morreram o almirante, o motorista e os dois seguranças. Em 77, vi na prisão a menina magra e bonita que subiu no poste, vestida de eletricista e, com absoluta precisão, ligou o fio que detonou a bomba embaixo do asfalto.

Naquele dia, começou a morrer a quase eterna ditadura de Franco, “caudilho de España por la gracia de Dios” desde a derrubada da República em 1936. À noite, nos cafés de Madrid, os espanhóis, com sua alma admiravelmente anarquista, já contavam a chegada do almirante ao céu.

Católico, Carrero Blanco foi direto. São Pedro o esperava na porta e se surpreendeu ao vê-lo chegar com uma auréola de santo sobre a cabeça:

- Almirante, não sabia que a Igreja já lhe havia dado a auréola de santo.

- Não é auréola não, São Pedro. É o volante do carro.

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ESPANHA

Franco, já velho mas lúcido, viu que não dava mais para sustentar a ditadura fechada. Dois grupos vinham há muito travando dura batalha para ter o comando da institucionalização do regime: o partido (“Movimento Falangista”), e a “Opus Dei”. Em 66, o Movimento liderou um princípio de liberalização com a Lei Orgânica do Estado, a da Imprensa e a Sindical.

Mas em 69 a Opus Dei, com seus poderosos tecnocratas dirigindo a renascente economia, definiu a nomeação do príncipe Juan Carlos como sucessor de Franco (depois da morte), afastou o governo do Movimento e entregou a chefia ao almirante Carrero Blanco, que em quatro anos prendeu 500 líderes sindicais, ocupou permanentemente as Universidades e pôs o Tribunal da Ordem Pública para tentar impedir qualquer movimento social.

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FRANCO

Morto Carrero, o regime entrou em crise. O novo chefe do governo, Arias Navarro, propôs um Estatuto das Associações Políticas, que os franquistas radicais sabotaram. As esquerdas (Partidos Comunista e Socialista) se rearticularam com as Comissões Operárias, comunistas, e a UGT (União Gerral dos Trabalhadores), socialista. Em 75 morre Franco e a Espanha vive.

Juan Carlos assume como rei da Espanha e é uma magnífica surpresa. Enquadra as Forças Armadas, franquistas, mantém Arias Navarro chefe do governo, encarregado de comandar a abertura, cria a Comissão da Reforma. As centrais sindicais e as lideranças partidárias vão saindo da ilegalidade.

As pressões sociais e políticas aumentam: greve geral com cinco mortos e uns cem feridos. Em julho de 76, cai Arias Navarro e o jovem rei nomeia chefe do governo o jovem secretário-geral do Movimento, Adolfo Suarez, uma revelação de estadista. Encontra Santiago Carrillo e Felipe Gonzalez, líderes dos partidos Comunista e Socialista, ainda clandestinos.

Nasce a AP(Aliança Popular) dos franquistas, dirigida por Fraga Iribarne. Suarez legaliza os partidos e convoca a Constituinte para junho de 77.

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SUAREZ

Em dezembro, cheguei a Madrid, a Espanha era a festa da liberdade.

Seis meses de frenética campanha, com 40 anos de atraso. Suarez funda a UCD (União do Centro Democrático) e em 15 de junho ganha a Constituinte : UCD 34,8%, PSOE (Partido Socialista) 29,9%, PCE (Partido Comunista) 9,3%, AP (Aliança Popular) 8,4%. Em julho, tomam posse.

Vitorioso na eleição, antes de a Constituinte começar, Suarez propõe e reúne o Pacto de Moncloa. Não era um cambalacho nem nenhum mensalão ou centrão para comprar partidos.

Era um grande acordo nacional, entre partidos, centrais operárias e empresários. Cada partido, cada central sindical, cada organização patronal, presentes com suas identidades, programas e posições.

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MONCLOA

Os comunistas com suas CCOO, os socialistas com sua UGT, e a OCD e a AP com as entidades empresariais. Três meses de reuniões. E no dia 25 de outubro assinaram os Pactos de Moncloa. A síntese era: durante um ano (prorrogável) o governo não aumentaria os impostos, os empresários não subiriam os preços, os trabalhadores não pediriam aumento de salários.

Em outubro, Câmara e Senado consideraram “positivos” os pactos. Em novembro, a Constituinte começou a discutir a Constituição. Em 31 de outubro de 78, Câmara e Senado aprovaram a nova Constituição. Em 81, uma crise na UCD leva Suarez a demitir-se do partido e do governo.

Em 82, os socialistas de Felipe Gonzalez ganharam as eleições e o governo. Só saíram 12 anos depois.

Agora, a Espanha atravessa grave crise econômica e social, mas será salva pela democracia.

Sebastião Nery
16 de março de 2012

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