"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 16 de março de 2012

O SONHO DE TRABALHAR NA CASA GRANDE


Hoje estou curado.

Engrossei o couro. Aprendi que para amar o Brasil é preciso ter alma de mulher de malandro e gostar de apanhar; e que só as lutas que não se pode ganhar é que valem a pena ser lutadas.

Mas nem sempre foi assim.

Seguindo a temporada de concursos públicos que estão acontecendo em todo o Brasil neste momento, as TVs aberta e fechadas da Globo andaram iluminando aspectos desse outro Brasil, nas últimas duas semanas, que fazem a gente pensar.

Outro dia, já não me lembro em qual, assisti a uma longa especial sobe os “concurseiros“.

Trata-se de uma legião de pessoas sem nenhum tipo de qualificação ou vocação especial que, não interessa muito aonde nem para que função, prestam concursos públicos como quem joga na loteria, onde quer que eles sejam oferecidos pelo país afora.


“Um dia eu acabo passando. E aí – tabajara! – meus problemas acabaram. Fico estável e…“.

As entrevistas corriam invariavelmente nessa linha, o que me remetia a um pensamento que, sempre que me assaltava nesses anos todos, jogava-me, entre deprimido e humilhado, para as vizinhanças de uma crise vocacional.

Não sei como anda isso hoje mas, até uns poucos anos atrás, tornar-se funcionário público aparecia no primeiro lugar da lista dos “sonhos de consumo” da juventude brasileira.

Mesmo reconhecendo a possibilidade de haver também aí as famosas exceções que costumam confirmar as regras, não consigo convencer-me de que essa multidão é movida pelo impulso irresistível de servir o povo, especialmente quando olho o vasto retrospecto acumulado nestes quase 40 anos de observação do país da “mamabilidade” institucionalizada.

Vá lá que fosse este o quarto ou o quinto entre os projetos de vida mais sonhados pela juventude brasileira.

Mas o primeiro! É acachapante…


Nascemos para a República e para a Abolição. Vimos lutando ha 137 anos para libertar os brasileiros da escravidão, e não foram poucos os micos que pagamos nem os sapos que engolimos, do primeiro dia até hoje, para levar isso adiante.

E no entanto o que me dizem essas estatísticas? O que me sinalizam os “concurseiros” profissionais, olhados sobre o pano de fundo da eterna coalisão governista que congraça, a esta altura do campeonato, mais de 80% dos nossos representantes em cada Casa do Congresso Nacional?

Que não; que a liberdade não faz parte do sonho do escravo brasileiro. O que ele pede aos santos, disposto a todos os sacrifícios que isso possa custar, é que eles lhe concedam a graça de tornar-se feitor. Ou, quando menos, a de ser aceito para trabalhar na Casa Grande.

Pois é…

Não importa. Vamos em frente. Nós somos poucos mas somos muito!

Um dia ainda chegaremos lá!


16 de março de 2012
vespeiro

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