"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 22 de maio de 2012

A LOUCURA DE CADA DIA!


A maioria destes pacientes não tinha nome, nem família, e muito menos documentações, apenas números e apelidos engraçados. E ficavam internados por lá a perder de vista, juntados em vários pavilhões onde cada um chegava a ter 700 ou 800 pacientes, numa vida sub humana.
Não tinham  comida, vestuário, instalações sanitárias, cobertas adequadas e até as camas foram substituídas por fardos de capim, no qual muitas vezes, morriam asfixiados uns sobre os outros, fugindo do frio.
Remédios? O mais barato: eletrochoque.
Barbacena abrigou esta vergonha durante décadas, enriqueceu muitos, sumiu com outros tantos, e se tornou conhecida com esta maldita fama de “terra dos loucos”. 

Assim cresci com este estigma que sempre me incomodou muito. Um dia fomos visitados por um psiquiatra italiano, de nome Franco Basaglia (*), que veio acompanhado por um repórter fotógrafo, do Jornal Estado de Minas, com o único interesse de conhecer esta instituição. Fizeram centenas de fotos que imediatamente foram publicadas no jornal Estado de Minas, ganhando muita notoriedade em todo país e dizem, até no mundo.

Da matéria para as desospitalizações do Hospital Colônia e dos outros, foi um pulo. Políticos,
médicos, profissionais da saúde mental, familiares de loucos, enfim, a discussão abriu as portas dos ditos hospícios, acabando com os paradigmas da loucura, libertando seus pacientes, que se viram obrigados, pela primeira vez, a conviverem com suas famílias.

 Isso causou um reboliço social muito grande na cidade.
A loucura passou a ter nome, sobrenome, dinheiro ou não, sexo, religião, enfim passou a ter cara, porque a loucura não nos escolhe. Ela chega e poucos tem a sorte de saber fazer dela uma aliada para a felicidade.

Os problemas na cidade começaram daí. Muita gente passou a ser personagem de sua própria vida. Encontrávamos figuras esquisitíssimas nas ruas, e num misto de medo e admiração secreta, a cada dia aprendíamos mais a conviver com a loucura de cada um.
Passados muitos anos, hoje fazemos na cidade o Festival da Loucura, onde me parece só existir outro em Trieste, cidade na Itália que também tem muitos


hospitais psiquiátricos. Aqui na cidade fazemos uma edição com shows variados de arte pura e nativa. Música de todo tipo onde apresentamos os nossos artistas loucos, com muito orgulho, tentando nos misturar por um fim de semana na loucura coletiva, que fazem desta cidade um local especial para se viver por uma vida.

Portanto se quiserem conhecer minha cidade, nossa Barbacena Querida, saibam que encontramos aqui, na loucura de todo dia, em cada um de nós, um ser humano comum.

(*) Franco Basaglia (1924/80). Psiquiatra e neurologista italiano. Fundador da concepção moderna sobre a saúde mental, reformador da disciplina psiquiátrica na Itália. Inspirador da Lei 180, conhecida por “Lei Basaglia”, que introduziu uma importante revisão no sistema dos hospitais psiquiátricos do país.

Ruth Esteves
22 de maio de 2012
(*) Fotomontagem: Um interno do Hospital Colônia e Franco Basaglia

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