"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 28 de maio de 2012

PRIORIDADES

Houve um tempo em que o cidadão lutava para pagar seu primeiro carro. Uma vez que tivesse pago seu financiamento, mesmo que em 24 ou 36 meses, seu veículo representava algum valor significativo como entrada na compra do próximo veículo. A grande perda de valor acontecia apenas entre a porta da agência de venda e a rua. Depois disto o carro desvalorizava algo todos os anos, mas mesmo carros de mais de cinco anos tinham um mercado a preços interessantes.

Assim se processava o caminho do consumidor de carro. Com trocas de carro a cada dois anos ele progredia rumo a um carro zero quilômetro sem comprometer o consumo de outros produtos que desejasse, ou então comprava sempre carros de um ou dois anos em bom estado.


O carro era ao mesmo tempo uma realização de suas vaidades, um automassagem do seu ego, e uma espécie de poupança, uma forma de acúmulo de patrimônio, a despeito de ser um patrimônio que gerava despesas.

O alongamento dos prazos para compra de carro, as ofertas especiais e agora a redução significativa do IPI estão acabando com isto. A desvalorização dos veículos usados hoje tende a ser maior até do que a depreciação permitida para veículos (20% ao ano) em ativos de empresas.
Já se pode prever que carros de seis ou sete anos valham cinco por cento do valor do carro equivalente do ano.
Recordo uma conversa que tive no Canadá à época que os veículos Lada estavam para entrar no Brasil.
O meu amigo apareceu no hotel para me buscar pilotando um Niva, o jipinho da Lada, algo como um Fiat 147 bombado com esteróides. Conhecedor dos gostos dele por grandes carros de luxo externei surpresa. Ele explicou que o carro principal da casa continuava a ser um carro de raça, contudo o Niva era o carro para dar as voltinhas, levar os filhos ao treino de beisebol ou futebol e as filhas à aula de dança.

Concluíra que a perda de valor de mercado de um carro americano ou canadense de bom tamanho custava mais de US$ 4,7 mil em três anos. Um Lada custava aproximadamente isto e durava um pouco mais de três anos. Portanto valia a pena comprar o Lada, usá-lo três anos e depois levá-lo ao ferro-velho para destruição.

No caso brasileiro vamos ver mais carros nas ruas. As oficinas de arrabalde vão prosperar, os desmanches idem. A qualidade do ar nas cidades vai decair porque haverá mais carros velhos nas ruas e não temos sistemas eficientes de monitoramento de emissões de gases dos motores nem nas ruas nem durante o exame anual dos veículos quando do emplacamento.

Nossas ruas e estradas não comportam um acréscimo de veículos, portanto as fatalidades já altas em função do descaso existente com obras mal feitas ou aprovadas, mas não executadas, vão aumentar ainda mais.
Mais ainda, hoje importamos gasolina. As refinarias previstas não comportam o acréscimo anual de veículos atual. Novas refinarias já deviam estar construídas agora mesmo, pois a expansão acima da capacidade já é um fato, não uma suposição.

Apesar da redução do IPI ser temporária sempre ficou claro que um pulmão industrial do país, com alto volume de mão de obra não deveria ter impostos diretos tão altos como os impostos para jóias luxuosas, portanto num horizonte de 24 meses não percebo a possibilidade de aumentar para níveis anteriores este IPI. Creio que se está estabelecendo um novo patamar de IPI que será permanente no futuro.

É uma lástima que se ataque o problema do consumo de carros independentemente da construção de estradas, do urbanismo e sem previsões realistas do suprimento de combustíveis, mas é mais deprimente ainda que não se reduza o IPI sobre materiais de higiene, remédios, alimentos essenciais à manutenção de uma população saudável e outros custos que incidem no desenvolvimento humano e na manutenção de qualidade de vida.

Valeria a pena examinar os parâmetros de trabalho do IPEA quando era dirigido por João Paulo dos Reis Velloso. Não havia PACs vistosos. Havia estudos sisudos, nada charmosos, que analisavam o conjunto das necessidades do país e serviam como base para a elaboração de metas para os ministérios. Poderíamos dizer que naqueles tempos o governo tinha um atirador de elite, que usava a arma certa, a munição certa na distância viável para acertar num alvo.

Hoje, por não ter o atirador de elite treinado e por ter o rabo preso com as fábricas de cartuchos o governo usa uma metralhadora, dispara uma rajada de tiros num antílope que poderá fortuitamente ser atingido, possivelmente sem ser mortalmente, e posteriormente deverá se arrastar pela mata em agonia.
Veja as estradas brasileiras agonizantes para constatar essa realidade.

28 de maio de 2012
Ralph J. Hofmann

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