"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 10 de novembro de 2012

COMO ERENICE FEZ DA FALÊNCIA UM NEGÓCIO MILIONÁRIO

Reportagem de VEJA desta semana mostra como, mesmo quebrada, empresa dirigida pelo marido de ex-ministra deveria ter perdido a concessão, mas está sendo vendida por uma fortuna

 
AMIGOS NO PODER -  A Unicel, empresa de telefonia dirigida por José Roberto Camargo, marido da ex-ministra Erenice Guerra, deu calote em clientes, acumula dívidas que ultrapassam 150 milhões de reais e agora está prestes a realizar o seu mais ambicioso negócio
AMIGOS NO PODER - A Unicel, empresa de telefonia dirigida por José Roberto Camargo, marido da ex-ministra Erenice Guerra, deu calote em clientes, acumula dívidas que ultrapassam 150 milhões de reais e agora está prestes a realizar o seu mais ambicioso negócio (Fotos: Andre Dusek/AE, Cristiano Mariz e Claudio Gatti)
 
A telefonia, por exigir investimentos bilionários, não é o ramo mais indicado para aventuras. Com exceções. Há pouco mais de dois anos, a revelação das atividades paralelas de Erenice Guerra resultou na derradeira crise política do governo Lula e custou-lhe a poderosa cadeira de chefe da Casa Civil.
Do rosário de ilegalidades que levaram a sua demissão, a mais ousada foi a movimentação paralela para viabilizar a Unicel, pequena empresa de telecomunicações notória apenas por receber inúmeros e inexplicáveis favores do governo.

Sem capacidade financeira, sem capacidade técnica conhecida e sem experiência alguma no ramo, a Unicel conseguiu autorização para operar a telefonia celular em São Paulo - o maior e mais disputado mercado da América Latina.
Em um ambiente dominado por gigantes multinacionais, seu plano tinha tudo para dar errado. E deu. A empresa não conseguiu honrar os compromissos, deu calote em clientes e fornecedores e acumulou uma dívida superior a 150 milhões de reais.
Em Brasília, porém, quem tem amigos no governo pode sempre contar com uma ajuda nos momentos de desespero. A Unicel tem amigos.

Mesmo falida, ela está a ponto de fechar um grande negócio. A empresa será comprada pela Nextel, a multinacional que domina o mercado de telefonia via rádio e se prepara para iniciar operação também na telefonia celular.
A transação só não foi concretizada ainda, porque isso depende de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Os números do negócio são mantidos em segredo, mas no mercado estima-se que as cifras sejam próximas de 500 milhões de reais.

Nas economias de mercado, fusões e aquisições são negócios corriqueiros, mas a transação que envolve a Unicel e a Nextel chama especial atenção. Primeiro porque, a rigor, a Unicel não deveria ter o que vender. Sua concessão para operar só saiu por obra e graça da então ministra Erenice Guerra, que no auge do poder procurou pessoalmente conselheiros e técnicos da Anatel para defender a empresa dirigida por seu marido, José Roberto Camargo.

A concessão saiu, e a Unicel entrou no mercado com o nome de fantasia AEIOU. Em pouco tempo, a AEIOU estava atolada em dívidas e, com apenas 22 000 clientes, sumiu do mapa em 2010, deixando para trás queixas amargas de consumidores e diversos processos na Justiça.
A própria Anatel, a maior credora da empresa falida, publicou um comunicado no qual informava que a Unicel funcionava em “local incerto e não sabido”. Seria o fim da linha para qualquer outra empresa. Não para a Unicel.

Reinaldo Azevedo: Nextel e Unicel, mais uma fábula do mundo real petista

Desde que a Unicel fechou as portas, dormita na Anatel o processo de cassação das concessões conseguidas pela empresa dirigida pelo marido da ex-ministra. Esses processos estão parados há dois anos.
Uma breve consulta à papelada oficial fornece pistas que permitem entender as razões que, em circunstâncias normais, teriam levado à cassação das licenças. Em um desses documentos, datado do ano passado, os técnicos da Anatel destacam que, além da vultosa dívida, a Unicel não utiliza as radiofrequências que foi autorizada a operar - um bem público disputado palmo a palmo em um setor em franca ebulição.
Os técnicos listam uma série de motivos para o cancelamento da autorização.
O parecer foi chancelado pela área jurídica da Anatel, que enviou o caso para apreciação dos conselheiros. Até a semana passada, porém, o processo ainda não tinha sido sequer examinado.

A Unicel, na verdade, existe em lugar certo e sabido. No documento em que solicita autorização para a venda, consta como endereço da empresa uma sala comercial em Brasília onde funciona a Ametista, firma de mineração fundada justamente pelo marido de Erenice Guerra.

Quem se apresenta na Anatel como representante da Unicel é um velho conhecido de todos os personagens da história. Trata-se de Elifas Gurgel, ex-presidente da Anatel e amigo de Erenice e de seu marido. Elifas tem um largo histórico de bons serviços prestados à Unicel. Quando comandou a Anatel, em 2005, foi ele que, contrariando pareceres técnicos que desaconselhavam a concessão, assinou a licença dada à empresa.

Foi Elifas que transitou pelos corredores da Anatel com a missão de protelar ao máximo a cassação das licenças da Unicel. “Essa lentidão acabou dando o tempo de que a empresa precisava para negociar a concessão”, admitiu a VEJA um conselheiro da Anatel que pediu para não ser identificado.

A Unicel ganhou tempo suficiente para definir o seu futuro e a sorte de seus sócios - hoje duas pessoas ligadas a José Roberto Melo, padrinho de casamento da ex-ministra Erenice Guerra. O pedido de autorização de venda da Unicel foi protocolado na mesma semana em que a Anatel aprovou medidas para incentivar a concorrência no setor de telefonia. A Nextel foi uma das beneficiárias.

Procurada, a Anatel explicou que a tramitação dos processos é demorada porque é preciso respeitar o direito à ampla defesa. José Roberto Camargo, marido de Erenice, e Elifas Gurgel, lobista da empresa, não quiseram se manifestar. A Nextel, por sua vez, informou que a aquisição da Unicel atende “unicamente a sua estratégia de evolução tecnológica” e que “as condições negociadas estão dentro de um patamar justo de mercado”.

Erenice Guerra evitou falar sobre o assunto. “Eu nunca fui consultora da Unicel”, limitou-se a dizer. Realmente, consultora ela não foi. O papel da ex-ministra na viabilização da empresa dirigida pelo marido foi bem mais preponderante do que o de uma simples consultoria.

Walter Campana/ ABR
AnfÍbio Elifas Gurgel: como presidente da Anatel, ele autorizou a concessão à Unicel. Agora, como consultor da Unicel, ele ajudou na venda da empresa à Nextel
AnfÍbio - Elifas Gurgel: como presidente da Anatel, ele autorizou a concessão à Unicel. Agora, como consultor da Unicel, ele ajudou na venda da empresa à Nextel
10 de novembro de 2012
Veja

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