"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de dezembro de 2012

CADA SER HUMANO É UM CAMINHANTE PELAS ESTRADAS DA VIDA


Tenho especial fascínio por caminhos da roça que sobem a montanha e desaparecem na curva da mata. Ou caminhos cobertos de folhas de outono, em tardes mortiças, pelos quais andava nos meus tempos de estudante nos Alpes da Alemanha. Os caminhos estão dentro de nós. Por vezes, são tortuosos, cansativos e difíceis de percorrer.

O caminho constitui um dos arquétipos ancestrais da psique humana. O ser humano guarda a memória de todo o caminho perseguido pelos 13,7 bilhões de anos do processo de evolução. Por causa dessa memória, o caminho humano apresenta-se tão complexo e, por vezes, indecifrável.

No caminho de cada pessoa, há milhões de caminhos passados e andados por infindáveis gerações. A tarefa de cada um é prolongar esse caminho e fazer o seu caminho de tal forma que aprofunde o caminho recebido, endireite o torto e legue aos futuros caminhantes um caminho enriquecido com sua pisada.

O caminho é o meio pelo qual se alcança a meta. Sem caminho, nos sentimos perdidos. Mergulhamos na escuridão e na confusão.

Cada ser humano é um caminhante pelas estradas da vida. Não recebemos a existência pronta. Devemos construí-la. E para isso importa rasgar o caminho, a partir e para além dos caminhos andados que nos antecederam. Mesmo assim, o nosso caminho pessoal e particular nunca é dado uma vez por todas. Tem que ser construído com criatividade e destemor. Como diz o poeta espanhol António Machado: "Caminhante, não há caminho, se faz caminho caminhando".

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O CAMINHO DO JUSTO


Efetivamente, estamos sempre a caminho de nós mesmos. Fundamentalmente, ou nos realizamos ou nos perdemos. Por isso, há basicamente dois caminhos, como diz o primeiro salmo da Bíblia: o caminho do justo ou o caminho do ímpio, o caminho da luz ou o caminho das trevas, o caminho do egoísmo ou o caminho da solidariedade, o caminho do amor ou o caminho da indiferença, o caminho da paz ou o caminho do conflito.

Mas prestemos atenção: há sempre a coexistência dos dois caminhos e o entrecruzamento entre eles. No bom caminho se esconde também o mau. No mau, o bom. Esse é o nosso drama, que pode se transformar em crise e até em tragédia.

Como é difícil separar totalmente o bom do mau caminho, somos obrigados a fazer uma opção fundamental por um deles, o bom, embora nos custe renúncias e até nos traga desvantagens; mas, pelo menos, nos dá a paz da consciência e a percepção de fazermos o certo.

Mas a opção fundamental confere qualidade ética ao caminho humano. Se optamos pelo bom caminho, não serão pequenos passos equivocados ou tropeços que irão destruir o caminho e seu rumo. O que conta realmente, frente à consciência e diante dAquele que a todos julga com justiça, é essa opção fundamental.

Por essa razão, a tendência dominante na teologia moral cristã é substituir a linguagem de pecado venial ou mortal por outra mais adequada à unidade do caminho humano: fidelidade ou infidelidade à opção fundamental. Não se há de isolar atos e julgá-los desconectados da opção fundamental. Trata-se de captar a atitude básica e o projeto de fundo que se traduz em atos e que unifica a direção da vida.

Não há escapatória: temos que escolher que caminho construir e como seguir por ele. Mas nunca andamos sós. Multidões caminham conosco, solidárias no mesmo destino, acompanhadas por Alguém chamado "Emanuel, Deus conosco".

08 de dezembro de 2012
Leonardo Boff

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