"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de dezembro de 2012

LUIZ HILDEBRANDO: "O MAIOR RISCO DO BRASIL É O LULISMO".

Referência em parasitologia, o cientista Luiz Hildebrando lança um livro com suas ideias políticas. Ex-militante comunista, ele faz críticas ao PT


CIDADÃO O parasitólogo Luiz Hildebrando. “Será que um especialista em malária não pode ter opiniões políticas e expressá-las?” (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)


Luiz Hildebrando Pereira da Silva, de 84 anos, é um dos maiores cientistas do Brasil, autor de mais de 150 estudos sobre malária e doenças infecciosas.
Sua carreira foi truncada pelas ideias políticas: comunista, foi demitido do cargo de professor da Universidade de São Paulo no golpe de 1964. Refez a carreira em Paris, onde se aposentou como diretor do renomado Instituto Pasteur.

De volta ao Brasil, dirige desde 1998 o Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais de Rondônia. Luiz Hildebrando acaba de reunir suas reflexões sobre oito décadas de vida e política no recém-lançado Crônicas subversivas de um cientista (Vieira & Lent, 477 págs., R$ 68).
Ele critica políticas públicas como o Bolsa Família e acha que o “consumismo das classes populares” é um mal para o país.

ÉPOCA – Por que o senhor, um especialista em malária, resolveu escrever sobre suas opiniões políticas?

 Luiz Hildebrando Pereira da Silva –
Será que um especialista em malária não deve ter opiniões políticas e expressá-las? Não apenas tenho esse direito como devo exercê-lo, como todo cidadão num regime democrático.

ÉPOCA – Ser chamado de comunista já foi palavrão. Hoje, parece que todos os comunistas desapareceram. O governo é de esquerda, mas nenhum político se diz comunista.

 Luiz Hildebrando –
Pois é, mas todos são comunistas. O governo está cheio deles. Não me identifico com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), uma organização que tem uma oscilação tremenda em termos de ideias e propostas. Não me identifico com regimes que se autointitulam comunistas. China e Coreia do Norte são tudo, menos comunistas. Eu me identifico com o comunismo que defende os grandes ideais do Iluminismo: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Defendo a eliminação da propriedade privada dos meios de produção. Acho que devemos acabar com o consumismo, essa marcha desesperada que pode levar o planeta ao abismo.

ÉPOCA – O comunismo é um dos sistemas mais cruéis que se conhecem. As ditaduras soviética e chinesa mataram ao redor de 100 milhões de pessoas. Mesmo assim, o senhor se diz comunista?


 Luiz Hildebrando –
Apesar da malograda experiência do socialismo na União Soviética e no Leste Europeu, com os lamentáveis excessos de autoritarismo e violência, devemos reconhecer a importância que o movimento comunista teve para a humanidade. Ele volta a se expressar nas revoltas que ocorrem hoje na Europa com a nova crise do capitalismo. O comunismo como projeto é um sistema ideal. A degringolada do “socialismo real” no fim do século XX não destruiu a proposição original, que continua desejável.

ÉPOCA – Sua posição ideológica lhe trouxe dissabores?

 Luiz Hildebrando –
Em 1950, fui expulso do Curso de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) por “não apresentar as qualidades morais necessárias ao oficialato” (risos). Com o suicídio do Getúlio, em 1954, começou o governo do Café Filho, que era de direita. Nomearam um integralista para o Ministério da Saúde. Eu estava na Paraíba, trabalhando no Serviço Nacional de Malária. Fui demitido. Em 1956, fui contratado como professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Fui demitido com o golpe de 1964. Fui para a França e retornei em 1968, para trabalhar na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Em 1969, com o Ato Institucional no 5, fui demitido e voltei a Paris. Nunca vivi para o partido. De dia, trabalhava como médico e pesquisador. Só ia às reuniões políticas à noite. Hoje, após tantos anos, cheguei a considerar que estaria na hora de virar social-democrata ou coisa parecida. Acabei desistindo. Vou continuar comunista. Já estou acostumado.
É importante existir uma direita moderna para discutir o futuro do país com a esquerda, defendendo ideias como a meritocracia
 
ÉPOCA – Como o senhor vê as mudanças do Brasil dos últimos 60 anos?

 Luiz Hildebrando –
O Brasil mudou muito. Não como eu gostaria, mas mudou para melhor. Ainda não temos uma elite política que pense o país no longo prazo. O governo continua resolvendo os desafios do dia a dia. A liderança mais expressiva do país é o (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva), que se concentrou no combate à miséria. Mas soluções como o Bolsa Família são de curto prazo. Não dá para continuar assim. É insustentável. A redução da pobreza criou o problema do consumismo das classes populares, que acreditam ser essa a finalidade da existência. É um sistema caricatural do americano.

ÉPOCA – Como o senhor vê o futuro político do país?

 Luiz Hildebrando –
Existe um movimento forte para o Lula ser candidato às eleições presidenciais de 2014. O grande risco que corremos é o lulismo. Lula é muito vaidoso. Ele poderia ser levado a crer que deveria voltar à Presidência e se tornar um grande líder populista do tipo Hugo Chávez, o presidente da Venezuela. A possibilidade do lulismo era um risco real, que agora espero ter ficado para trás graças à posição do Judiciário nas condenações do mensalão.

ÉPOCA – O que o senhor acha do governo Dilma Rousseff?

 Luiz Hildebrando –
O Partido dos Trabalhadores é muito corporativista, e os sindicalistas estavam aparelhando o Estado. A consequência foram os prejuízos na Petrobras e na Embrapa, por exemplo. A Dilma é uma dona de casa, uma boa gerente. Não é uma estadista. Ela está tentando profissionalizar a hierarquia estatal, substituindo o corporativismo pela meritocracia. Mas não assumiu a vanguarda das mudanças políticas e fiscais vitais no longo prazo nem tratou da melhoria do ensino público. Por enquanto, a única medida do governo foi o estabelecimento das cotas universitárias. Elas trazem melhora momentânea na desigualdade, mas não resolvem.

ÉPOCA – Além de um estadista e de educação melhor, o que mais falta ao país em sua opinião?

 Luiz Hildebrando –
No Brasil não há partidos de direita. Hoje, todo mundo é de esquerda, como é que pode? É importante existir uma direita moderna e atuante para polarizar e discutir o futuro do país com a esquerda. Precisamos de uma direita que defenda o que deve ser defendido, como o direito à propriedade, a importância da meritocracia e a defesa das minorias tradicionais. A meritocracia no Brasil ainda é confundida com o corporativismo. Acho que essa direita virá da fusão do PSDB com o DEM. Uma oposição de fato é importante para impedir que Lula caia na tentação de fazer, no Brasil, o que Chávez fez na Venezuela.

ÉPOCA – Quem o senhor enxerga como um futuro estadista?

 Luiz Hildebrando –
É cedo para afirmar, mas a melhor aposta seria o Eduardo Campos, o governador de Pernambuco. Ele é um político jovem e bem formado. Vem de uma família de esquerda. Faz uma política pragmática, voltada para a solução dos problemas. E é do Nordeste – região que pode ganhar maior representatividade com um nome no Planalto.

ÉPOCA – Quem mais?

 Luiz Hildebrando –
Não vejo ninguém. Não surgiu ainda. O Aécio Neves é da esquerda festiva. A maior parte da esquerda ainda está vivendo a democracia como se fosse uma festa. A maioria dos políticos ainda não vê a democracia como um regime político em que o que se impõe é o debate de ideias visando à solução dos objetivos estratégicos do país, como na Europa.

ÉPOCA – Por que o senhor decidiu trocar as margens do Rio Sena, em Paris, pelas margens do Madeira, em Rondônia?

 Luiz Hildebrando –
Depois de trabalhar 35 anos no Instituto Pasteur, onde chefiava o Departamento de Biologia Molecular, eu me aposentei em 1997. Tinha 68 anos. A França é diferente do Brasil. Lá, quando um professor se aposenta, não pode manter sua sala na universidade nem orientar estudantes. Tem de ir para casa. Poderia ter me contentado com aquela aposentadoria confortável, mas ainda tinha muito a fazer. Tive a sorte de ser convidado a montar um serviço de pesquisa de malária em Porto Velho. Estou lá há 15 anos. Passo oito meses por ano no Brasil e quatro em Paris, onde ficou minha família. Planejava parar em 2013, mas não vai dar. Tenho muitos projetos em andamento.

08 de dezembro de 2012
PETER MOON

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