"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

PORTA DOS FUNDOS


Já é um absurdo que deputados condenados pelo Supremo Tribunal Federal continuem exercendo seus mandatos como se nada tivesse acontecido. Há vários casos desses na Câmara em Brasília. Absurdo maior, no entanto, é dar posse a um suplente condenado pela última instância do Judiciário por corrupção ativa e formação de quadrilha. A posse do ex-presidente do PT José Genoino é absolutamente legal, pois o processo ainda não transitou em julgado, mas é totalmente aética e revela, ao mesmo tempo, a falta de compromisso do PT e da própria Câmara com o exercício da política no sentido mais alto, definido como a busca do bem comum, priorizando interesses particulares e corporativos.

No julgamento do mensalão, o ministro Celso de Mello deu o tom histórico ao definir a dimensão da decisão, que sacramentou com seu voto, pela cassação dos mandatos dos parlamentares condenados no processo como consequência da perda de direitos políticos.Essa perda dos mandatos parlamentares está diretamente ligada à gravidade dos crimes cometidos contra o Estado, e mais uma vez ficou ressaltado o sentido de todo o julgamento: a defesa das instituições democráticas. Celso de Mello chamou a atenção para o fato de que as decisões do colegiado são sempre do Supremo, não havendo vencidos nem vencedores. A votação de 5 a 4 pela interpretação da cassação automática passa a ser a da Corte que tem a última palavra em termos constitucionais e, como lembrou Rui Barbosa, pode até mesmo “errar por último”.

Por isso mesmo, alertou em seu voto, seria “inadmissível o comportamento de quem, demonstrando não possuir necessário senso de institucionalidade, proclama que não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário que, incumbido pela Assembleia Constituinte de atuar como guardião da ordem constitucional, tem o monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição”.

O ministro tocou no ponto certo quando advertiu que “reações corporativas ou suscetibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de solidariedade não podem justificar afirmação politicamente irresponsável e juridicamente inaceitável”. Diante da condenação de seus principais representantes no julgamento do mensalão, o PT decidiu politizar a última decisão, em torno dos mandatos legislativos dos condenados, para retaliar o Supremo Tribunal Federal, criando uma crise entre os poderes onde não existia disputa política, mas de interpretação do texto constitucional.

A posição do presidente da Câmara, deputado petista Marco Maia, de considerar que cabe ao Legislativo a última palavra em caso de cassação de mandatos, tem respaldo em interpretações jurídicas, tanto que, mesmo que os nove ministros tenham votado pela perda dos direitos políticos dos condenados, quatro deles consideraram que caberia à Câmara a decisão final quanto à perda de mandato.

Mas, diante da decisão da maioria da Corte, não há, dentro de uma democracia, justificativa para anunciar que ela não será acatada. Tivemos durante os quatro meses e 15 dias em que durou o julgamento do mensalão aulas frequentes de democracia, e nada mais adequado que ele terminasse com mais esse debate sobre direitos e deveres dos poderes constituídos, deixando bem claro o papel de peso e contrapeso que cada um deles tem para o equilíbrio das instituições.

A posse de Genoino é mais um lance dessa disputa de alas petistas contra a dura realidade que estão enfrentando, e apenas cria mais um embaraço à já constrangedora situação da Câmara. As ameaças de Maia são apenas retóricas, pois não caberá a ele, e nem mesmo ao PT, a decisão sobre o assunto. O deputado Henrique Alves, do PMDB, deve ser eleito para presidir a Câmara e é ele que terá pela frente a tarefa de convencer seus pares de que a última palavra nesse caso é do Supremo.

A posse do réu condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha é uma tola tentativa de retomar a história do ex-guerrilheiro José Genoíno, que, como já defini aqui, se transformou em um perverso formulador da História ao se dizer vítima de novos torturadores da imprensa, que em vez de pau de arara usariam a caneta para lhe infligir sofrimentos.

Transformar a liberdade de expressão e de informação em instrumentos de tortura mostra bem a alma tortuosa desse político equivocado, metido em bandidagens para impor um projeto político “popular” ao país. Assim como entrou pela porta dos fundos da Câmara para tomar posse de um mandato que moralmente já perdeu, Genoino sairá pela porta dos fundos da História direto para a cadeia.


04 de janeiro de 2013
Merval Pereira

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