"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

"UMA NORMALIDADE EXÓTICA"

A economia brasileira seria muito mais dinâmica e os serviços públicos, muito mais eficientes, se o governo federal aplicasse à administração o mesmo esforço empenhado em maquiar suas contas, em disfarçar suas mazelas e em demolir os pilares da responsabilidade fiscal.
 
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seus principais auxiliares apressaram-se a responder às críticas e a defender a contabilidade criativa usada para simular o cumprimento da meta fiscal de 2012. "É uma operação absolutamente normal, previsível, usual", disse o secretário do Tesouro, Arno Augustin, numa entrevista ao Estado. "Tudo que foi feito é legítimo e está dentro das normas legais", garantiu o ministro Mantega ao jornal Valor.

A solução encontrada pelo governo incluiu o uso de recursos do Fundo Soberano, operações com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o recebimento antecipado de dividendos de estatais, além do desconto do valor investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Tudo isso pode ser legal, assim como a declaração de guerra, em certas condições. Mas esse arranjo contábil dificilmente seria descrito como "absolutamente normal, previsível e usual" num país com padrões menos exóticos de administração pública.

É uma indisfarçável maquiagem, e a palavra normalidade, nesse caso, só serve para descrever, de modo nada elogioso, usos e costumes do atual governo federal.

Não há como negar: toda aquela complicada operação teria sido desnecessária, mesmo para um governo inclinado à simulação, se a meta fiscal tivesse de fato sido alcançada. Não foi, e isso se explica por uma combinação de fatores.

Foram concedidos cerca de R$ 45 bilhões de incentivos fiscais, o baixo crescimento reduziu a arrecadação, os gastos federais continuaram em crescimento e a contribuição de Estados e municípios foi inferior à necessária.

Mas todos esses problemas haviam sido notados bem antes do fim do ano. Se o governo quisesse, teria tempo para tratar o assunto com clareza e propor uma revisão da meta. O governo preferiu, no entanto, insistir no "cumprimento" da meta, porque isso, segundo Augustin, seria o melhor: tornaria "mais claros os fundamentos do Brasil".

É uma explicação no mínimo incomum. Se houve alguma clareza, nesse caso, foi apenas a da própria simulação. Quanto ao arranjo contábil, foi uma enfática negação de qualquer compromisso com a transparência.

A mesma negação ocorre quando o governo deixa acumular, ano após ano, um enorme volume de restos a pagar, criando uma espécie de orçamento paralelo. O total deixado para 2013 pode ser de uns R$ 200 bilhões, de acordo com a organização Contas Abertas, especializada em finanças públicas. Segundo o ministro, o valor pode ser menor, mas ele se absteve de apresentar outro número.

O crescimento do valor deixado de um ano para outro é normal, disse ele, porque os investimentos aumentam. Em outro país, o argumento poderia ser razoável. No Brasil a história é diferente.

Não se pode realisticamente vincular o empenho de verba num exercício com o início efetivo de um investimento. O valor desembolsado para investimento fica sempre muito abaixo do autorizado e, mesmo assim, a maior parte dos gastos é realizada com restos a pagar.

A acumulação ocorre porque falta competência para a elaboração e a execução de projetos e porque o governo tenta, em cada fim de exercício, preservar recursos para gastar em algum momento. O valor empenhado cresce, mas a competência gerencial se mantém abaixo de medíocre.

Mas falta pelo menos um importante fator para uma avaliação mais ampla do desempenho fiscal de 2012. O governo concedeu cerca de R$ 45 bilhões de incentivos fiscais e, apesar disso, a economia deve ter crescido em torno de 1%. A conclusão é fácil: os benefícios foram dirigidos principalmente ao consumo e ajudaram alguns setores a elevar suas vendas.

A ação fracassou, no entanto, como tentativa de reativar a economia. O governo insistiu numa estratégia errada e os R$ 45 bilhões foram mal usados. Nenhuma maquiagem disfarça esse fiasco.

09 de janeiro de 2013
Editorial do Estadão

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