"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de maio de 2013

"LULA E OS DOIS PTs"

 



É temerária a perspectiva de que “se passe a menosprezar o exercício da democracia e se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais”. Por outro lado, “você pode fazer o jogo político, pode fazer aliança política, pode fazer coalizão política, mas não precisa estabelecer uma relação promíscua para fazer política”. Um petista desavisado que topasse com essas declarações sobre a política brasileira não hesitaria em atribuí-las à conspiração da “mídia conservadora” para “acabar com o Partido dos Trabalhadores (PT)”. Mas são declarações textuais de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande líder do PT. Constam de mais uma publicação destinada a cultivar o mito petista, o livro 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, que será lançado dia 13.

Quem acompanha com um mínimo de espírito crítico a trajetória política de Lula sabe do absoluto descompromisso do ex-presidente com a coerência. Lula fala o que quer, quando quer, movido por notável intuição político-eleitoral e comprovado senso de oportunidade.
Não tem o menor escrúpulo de desdizer hoje o que afirmou ontem nem de fazer amanhã o que condenou hoje. Assim, Lula declarar que tem medo da “ditadura de um partido sobre os demais” e reprovar a prática de “relação promíscua para fazer política” não chega a ser surpreendente, mas é de um cinismo de fazer corar um monge de pedra.

Que dizer, então, do comentário do “principal protagonista” do PT a respeito do polêmico episódio da divulgação da Carta ao Povo Brasileiro? Essa proclamação, de cunho essencialmente eleitoral, cumpriu em 2002 o objetivo de, poucos meses antes da eleição presidencial, tranquilizar os setores da opinião pública temerosos diante da determinação dos radicais lulopetistas de reverter a política econômico-financeira “neoliberal” com que o governo FHC lograra acabar com a inflação, promover a estabilidade e retomar o crescimento social e econômico.

Eleito, Lula realmente manteve os fundamentos econômicos “neoliberais”, que permitiram a vigorosa ampliação dos programas sociais iniciados por seu antecessor. E agora, num surto de sinceridade, se dá ao desfrute de fazer blague com aqueles acontecimentos: “Eu era radicalmente contra a carta porque ela dizia coisas que eu não queria falar, mas hoje eu reconheço que ela foi extremamente importante”. Teria sido mais verdadeiro se dissesse “útil”.

De qualquer modo, ao longo das 20 páginas em que o organizador do livro, coadjuvado por outro fiel seguidor do ex-presidente, se empenha em levantar a bola para o entrevistado, Lula faz também uma análise do PT atual a que certamente só se permitiu porque se considera soberano, com direito ao luxo de dizer a mais pura verdade: o Partido dos Trabalhadores está dividido hoje em dois grupos – “o eleitoreiro, parlamentar, o PT dos dirigentes”, e o partido “da base, igualzinho ao que era em 1980″.

O que Lula não chega a admitir é que, dentro da “democracia petista” – que, de resto, não é muito diferente daquela praticada pelos outros partidos -, quem manda de fato são os “dirigentes”, hoje obcecados em perpetuar-se no poder. A base, “igualzinha ao que era em 1980″, continua, é claro, defendendo as mesmas propostas radicais que fizeram Lula ser derrotado em três pleitos sucessivos. E para os “dirigentes” é muito importante que mantenha esse discurso, para que o PT possa continuar ostentando a aura de partido popular.

É isso que explica, por exemplo, a presença do disciplinado Rui Falcão no comando formal da legenda. De vez em quando Falcão reúne a tropa, solta algumas palavras de ordem radicais, vocifera contra a “direita”, os “neoliberais”, a “mídia golpista” e vão todos para casa jubilosos de sua militância “revolucionária”.

Enquanto isso, a nomenklatura petista, refestelada nos altos gabinetes do partido e do governo, cultiva relações cada vez mais promíscuas com as lideranças políticas que combateu durante mais de 20 anos e conspira, nos bastidores do Congresso, para sufocar forças políticas que possam emergir na contramão de seus interesses eleitorais em 2014.

07 de maio de 2013
Editorial do Estadão

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