"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 6 de março de 2012

ANOTAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA

De onde é que vem a lama

Está na entrevista de Sonia Racy com a juíza Eliana Calmon, titular do Conselho Nacional de Justiça, a "corregedoria das corregedorias" do sistema judicial brasileiro, hoje no Estadão:

"(A senhora) anda com segurança?
"


"Não. E eu vou acreditar nessa segurança? Sou mais meu salto de sapato. Gosto de dirigir meu próprio carro. Muitas vezes um juiz quer um segurança para ser diferente. Quer uma mordomia para mostrar aos outros que ele é importante. Quem é autoridade e tem o poder de dar e tirar a liberdade tem que ser simples. Isso tudo termina sendo um pouco de doença profissional, porque quem dá a última palavra sempre fica prepotente. Por isso que digo que nós, da magistratura, tínhamos de investir na formação adequada dos juízes. Precisamos ver essa vaidade como uma doença profissional, onde você tem que se cuidar no dia a dia" (os destaques são meus).

*** *** *** ***

Ela esbarrou na verdade mas não a agarrou.

Não ha formação que anule a corrupção que esse poder (de "dar a última palavra" para "dar ou tirar liberdade") engendra.

É o poder que corrompe (absolutamente quando é absoluto). Assim, se quisermos reduzir a corrupção que emana do Judiciário e contamina o resto do país é preciso reduzir o poder arbitrário dos nossos juízes de dar sentenças diferentes para crimes iguais.

Esse é o grande desvio em que embarca a Europa latina lá atrás, no século 12, e divide a Europa em duas culturas distintas, uma muito mais sujeita à corrupção que a outra.


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Não ha santo que resista ao preço que se lhe oferecerá pelo mais precioso bem da humanidade a quem tiver o poder arbitrário de dar ou tirar a liberdade alheia.

Por isso nos sistemas de Common Law, a origem comum de todos os sistemas de direito da Europa mas que só a Inglaterra preservou depois que a Universidade de Bolonha criou a versão falsificada de "direito romano" que se transformou na base do nosso sistema jurídico, o juiz só cuida de aferir, com o endosso de um juri, as circunstâncias dos casos que lhe são levados e de confirmar se elas são ou não idênticas às do precedente invocado para levar a questão ao tribunal.

Se forem, a sentença automaticamente será idêntica à do caso precedente.

Isso desloca a decisão sobre o destino do acusado do arbítrio de um simples mortal (que sempre se pode comprar) para a prova material da verdade dos fatos que é uma e apenas uma.

E isso esteriliza a nascente de onde, nos sistemas judiciais latinos, mina a corrupção que contamina tudo o mais.

Ou seja, corrupção não é uma questão moral; é muito mais uma questão de qualidade das instituições.

06 de março de 2012
fernaslm

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