"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 6 de março de 2012

CLIMA DE REVOLTA SE APROXIMA DA ARÁBIA SAUDITA

Reino do Golfo ainda não foi atingido pela Primavera Árabe, mas protestos contra a família real têm se tornado cada vez mais intensos

Clientes chegam ao supermercado 24 horas no centro de Riad, a capital da Arábia Saudita, logo antes da meia-noite, mas poucos fazem compras. Pequenos grupos de mulheres passeiam pelos corredores trocando olhares. Não há interesse algum nos itens nas prateleiras. No estacionamento, eles continuam a flertar até a chegada da polícia. A socialização entre os sexos é reprimida na Arábia Saudita, mas também é algo impossível de ser proibido. “Conversamos online, mas se quisermos nos encontrar cara a cara, temos que vir até aqui”, diz um homem no início da casa dos 20 anos.

As maiores cidades do reino estão repletas de fricção social e ações furtivas como essa. A maior parte delas não tem fins políticos, mas indica um descontentamento crescente e oculto. O crescimento da riqueza aumentou também as aspirações e a consciência política dos 25 milhões de habitantes do país. Alguns protestam contra a corrupção, ecoando as reclamações dos manifestantes do Egito e da Tunísia, enquanto outros desafiam regras sociais impostas há 50 anos, quando o país ainda era pobre e rural.

Até agora a Arábia Saudita conseguiu sobreviver ilesa à Primavera Árabe. Um “dia da fúria” em março do ano passado não teve grandes consequências devido à falta de organização dos grupos de oposição. Ainda assim, os problemas que assolam os países vizinhos são um alerta para os sauditas.

Até mesmo alguns membros da família real têm essa leitura. “A Primavera Árabe mudou as expectativas das pessoas, e o governo precisa evoluir”, diz o príncipe Abdulaziz bin Sattam, um veterano do clã que comanda o país. “O problema já foi compreendido, mas a solução ainda não está definida. Temos os recursos, mas temos que apresentar resultados no serviço público, na educação, na saúde, no combate ao desemprego e no sistema de justiça”. A família real tende a encarar o descontentamento como um problema econômico, acreditando que a população gostaria de uma porção maior da riqueza do petróleo. Eles estão parcialmente certos, mas as raras pesquisas de opinião mostram que o desemprego e a inflação são as principais preocupações públicas.

A religião está por trás de boa parte dos conflitos do país. A volátil, porém rica em petróleo, Província Oriental, lar de boa parte da minoria xiita do país, foi palco de vários incidentes violentos em 2011. Dois homens morreram e vários ficaram feridos quando a polícia abriu fogo contra manifestantes em fevereiro. Em Qatif, a capital da província, os muros da rua principal estão cobertos de pichações insultando membros da família real e perguntando “onde está o dinheiro do petróleo?”

O governo acusa o Irã de financiar os protestos, uma afirmação que os líderes xiitas rebatem como sendo bastante conveniente para excluí-los da política. “A versão oficial é sempre essa”, diz o líder xiita Tawfiq al-Saif. “Isso só mostra como eles não conseguem abordar o problema principal”. A retórica dos dois lados está se tornando cada vez mais venenosa. Hassan al-Saffar, um clérigo xiita, criticou a família real por minimizar os massacres na Síria, oprimir seu próprio povo, e dar apoio à repressão no Bahrein. Enquanto isso, o ministro do Interior classificou os protestos como “novo terrorismo” e prometeu responder com mão-de-ferro. Há um cheiro de primavera no ar.

06 de março de 2012
Fontes:The Economist - Out of the comfort zone

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