"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 20 de outubro de 2012

"DIAS DE IRA"

 Com o julgamento do mensalão a caminho da sua fase final no STF, é realmente notável a extrema dificuldade, por parte dos condenados e de quem os apoia, de entender que precisam obedecer ao Código Penal quando estão no governo.
Mudar o nome do cachorro não muda o seu temperamento, como todo mundo sabe; mas o PT e suas brigadas acham que, chamando de “vingança” o que é apenas sua derrota diante da Justiça, podem anular a realidade.
Tudo o que têm a dizer, desde que a casa caiu, é: “Seja lá o que tenha acontecido, a culpa não é nossa; se a Justiça achou o contrário, é porque se aliou aos nossos inimigos”.
Fim da argumentação. Essa tentativa de colocar-se acima da lógica é ao mesmo tempo tolo e inútil.
Não consegue, simplesmente, mudar o que já aconteceu, mesmo com a turbinagem que vem recebendo de três homens que estiveram na linha de frente da política brasileira nos últimos 25 anos: o ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e o presidente do PT na época do mensalão, José Genoino.
Tudo o que conseguiram foi exibir à luz do sol o que cada um tem, de verdade, dentro de si – e o que mostraram não os recomenda, nem como pessoas nem como homens públicos.
O remorso, como se diz, sempre vem na hora errada – aparece depois da tentação, quando não serve mais para evitar o pecado.
No caso do mensalão, para o PT e os seus grão-duques, o remorso não veio nem antes nem depois.
Não há, após tudo o que foi provado na suprema corte da Justiça do país, o menor vestígio de arrependimento: ao contrário, os culpados vivem dias de ira.
Lula, quando a coisa toda estourou, sete anos atrás, pediu desculpas “ao povo brasileiro”.

 
Hoje, com a própria pele salva, faz o papel do indignado número 1 – na verdade considera-se vítima, e acha que é ele, agora, quem deve exigir desculpas.
São vítimas bem estranhas, essas que Lula representa: se estão no governo federal e mandam em quase tudo neste país, como podem se colocar no papel de perseguidos?
O ex-presidente, cada vez mais convencido de que é uma combinação de mártir, profeta e herói de si próprio, diz que sua biografia não será escrita pelos ministro do STF.
Tem razão. A biografia de Lula está sendo escrita por ele mesmo – os anos que a contaminaram, do mensalão à aliança política com Paulo Maluf, um foragido da polícia internacional, são de sua exclusiva responsabilidade.
Um segundo membro a suprema trindade petista, José Genoino, também optou por romper com o bom-senso em sua reação às condenações que recebeu.
Alegou, e alegaram em seu favor, que não poderia ser condenado porque tem uma vida limpa: no seu entender, foi vítima de modo “cruel” por “setores” reacionários” que controlariam “parcelas do Judiciário” e da imprensa.
Mas o que esteve em julgamento não foi a sua honestidade pessoal – foi o fato concreto de ter colocado sua assinatura em documentos destinados a executar uma fraude financeira envolvendo milhões de reais.
Não foram os “reacionários”, nem os jornalistas, que assinaram esses papéis; foi ele mesmo – e se não sabia o que estava fazendo é porque não quis saber.
Num conjunto de dez juízes, levou de 9 a 1. Estariam todos errados?
No seu caso, ficou, também, uma aula de ingratidão, quando comparou os jornalistas de hoje aos torturadores de ontem.
Genoino conheceu muito bem uns e outros, e sabe na própria pele a diferença que existe entre eles; esqueceu, quando veio a adversidade, quem sempre lhe estendeu a mão.
Como é bem sabido, o líder petista escreveu durante longo tempo uma coluna no jornal O Estado de São Paulo. Suas declarações sempre foram publicadas. Foi o político do PT mais respeitado pela imprensa desde que voltou à política.
No STF, além disso, recebeu um tratamento de príncipe: a ministra Carmem Lúcia quase pediu desculpas ao condená-lo.
Por que então o rancor?
Ao terceiro nome da trinca, Jose Dirceu, sobrou, além de uma condenação por 8 a 2, o título de “guerreiro do povo brasileiro”, entoado pela tropa de choque que precisa usar hoje para poder sair à rua.
Que guerra teria sido essa?
Pela democracia certamente não foi. Sua guerra, na verdade, foi com o deputado Roberto Jefferson, que mandou para o espaço o sistema de corrupção montado no governo a partir de 2003.
Ao entrar no jogo bruto com ele, Dirceu se arriscou – e perdeu.
“Sai daí, Zé”, ouviu Jefferson lhe dizer, numa frase que ficará para sempre em sua biografia.
Saiu rápido, e sem um único gesto de Lula para defendê-lo.
Não foi “linchado”, como diz desde sua condenação.
Foi derrotado – só isso.
20 de outubro de 2012
J.R.Guzzo - Veja

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