"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 10 de junho de 2013

A VOLTA DO NEOBOBISMO


A velha esquerda muito acusou o presidente Fernando Henrique de neoliberal. Numa das vezes, em 1997, FHC reagiu. “Só quem não tem nada na cabeça é que fica repetindo que o governo é neoliberal isso é neobobismo.” Agora, o neobobismo ressurge para fanfarronar as administrações do PT, no livro 10 anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma organizado por Emir Sader (Editora Boitempo).

O neoliberalismo, corrente nascida nos anos 1930, se opunha à intervenção estatal adotada na Europa e nos Estados Unidos para enfrentar a Grande Depressão. Nos anos 1970 defendia a reforma do estado intervencionista ao qual atribuía a perda de dinamismo e o surto inflacionário de então nos países ricos. A esquerda passou a usar o termo em tom pejorativo.

Na América Latina, os mesmos problemas decorriam também das políticas de substituição de importações, que ficaram insustentáveis com as crises do petróleo (1973 e 1979) mas foram mantidas mediante elevação da dívida externa. O modelo ruiu de vez com a moratória mexicana de 1982, que fez secar a fonte de recursos do exterior. A inflação evoluiu para hiperinflação em muitos países.


No Brasil, chegara a hora de rever o modelo, que havia legado uma industrialização ineficiente e uma inaceitável concentração de renda. As bases do modelo eram o fechamento da economia o desregramento orçamentário, a tolerância com a inflação, a concessão de subsídios e favores fiscais a certos segmentos, e a escolha de vencedores pela burocracia.

Era preciso superar a hiperinflação, abrir a economia, redefinir o papel do estado, privatizar estatais ineficientes — inclusive para assegurar o acesso da população a serviços básicos como o das telecomunicações — e construir moderna regulação econômica e de defesa da concorrência. A redistribuição de renda viria com o fim da corrosão inflacionária da renda dos trabalhadores e com programas sociais focalizados nos mais pobres. A universalização do ensino fundamental e novos investimentos em educação eram parte da grande empreitada.

Tais mudanças ciclópicas — "neoliberais" para a velha esquerda — atingiram o auge com FHC. A velha esquerda nunca entendeu a realidade. Manteve suas convicções estatistas mesmo depois da queda do Muro de Berlim. Não percebeu que o fracasso da substituição de importações e também do comunismo tinha a mesma origem, isto é a ausência de incentivos à inovação.

O governo Lula foi o maior herdeiro dessas transformações. O crescimento foi impulsionado pelos correspondentes ganhos de produtividade e pela emergência da China como nosso principal parceiro comercial. Havia, ainda, disponibilidade de mão de obra para incorporar ao processo produtivo. Foi possível, por tudo isso, ampliar os programas sociais, agora unificados no Bolsa Família. Mas o êxito dificilmente viria se o presidente não houvesse abandonado as ideias erradas do PT sobre política econômica.


Isso aconteceu com sua Carta ao Povo Brasileiro (2002). O objetivo era afastar temores de uma ruptura desastrosa, caso o PT ganhasse as eleições presidenciais. Lula jurou cumprir contratos e se comprometeu com o superávit primário do setor público, um dos ícones do que a esquerda via como neoliberalismo. No governo, manteve as privatizações, ampliou o superávit primário e reforçou a autonomia operacional do Banco Central. Lula também seria um neoliberal? Infelizmente, ele abandonou as reformas, o que em grande parte explica a recente queda da produtividade.

Quem mudou rumos foi a presidente Dilma. Ela por certo agrada a neobobos com a ação política sobre o Banco Central, a reinstituição do controle de preços, o protecionismo e outras políticas típicas da era do intervencionismo excessivo e da substituição de importações. Colhe inflação alta e PIB baixo.

O artigo de Sader no livro é uma ode à alienação. Numa de suas pérolas, afirma que a Carta ao Povo Brasileiro contribuiu para a crise política iniciada em 2005, a do mensalão. A origem do maior escândalo político da história seriam a continuidade da política econômica e a oposição, “dirigida por uma mídia privada e refugiada nas denúncias de corrupção contra o governo”. Neobobismo puro.
10 de junho de 2013
mailson da nobrega, Veja

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