"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DILMA NÃO TENTOU PROIBIR LIVRO SOBRE O ASSALTO AO COFRE DE ADEMAR

Acabou de sair, e tão logo li a matéria de Bernardo Melo Franco na Folha de São Paulo de sábado, fui à livraria Travessa do Leblon e comprei o livro O Cofre do Dr. Rui, do jornalista Tom Cardoso, Civilização Brasileira. Excelente, de alto valor histórico, estilo Hemingway, ou seja, uma reportagem dupla; de um lado o assalto ao tesouro do Ademar, num casarão de Santa Teresa, julho de 1969, de outro as ações da guerrilha dividida entre facções, mas destacando a Var-Palmares, na qual atuou a presidente Dilma Rousseff, presa durante três anos e torturada, como ela própria já assinalou.

Ótimo trabalho de Tom Cardoso, inclusive no campo da pesquisa. Primoroso também o texto de Bernardo Melo Franco, neto do embaixador Afonso Arinos Filho. Bisneto do senador Afonso Arinos, chanceler de Jânio Quadros, embaixador de João Goulart na ONU. Figura extraordinária.

Perfeita igualmente a postura da presidente da República. Ao contrário de muitos que andam por aí, não tentou impedir a obra. Deu assim uma lição a Roberto Carlos que conseguiu de forma inconstitucional bloquear uma biografia a seu respeito. Ao contrário das filhas de Garrincha, celeuma com Ruy Castro, a seu respeito. Ao contrário dos herdeiros de Nelson Rodrigues. Ao contrário de herdeiros da artista plástica Lígia Clark. Ao contrário de um dos filhos de Roberto Campos, que proibiu Gilberto Paim de publicar livro sobre seu pai.

Estes exemplos no plano nacional são suficientes para assinalar o absurdo. Digo absurdo, porque o parágrafo 2º do artigo 220 da Constituição Federal diz o seguinte: É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. O direito de resposta é assegurado. Indenização também, se mentira for praticada. Proibição, não. Mas este é outro assunto.

Antes de mais nada: doutor Rui era o codinome que o ex governador Ademar de Barros destinou a Ana Gimol Capriglione, depositária de parte do tesouro que acumulou em vida. Pequena parte, aliás: 2 milhões e 598 mil dólares.

Disseram que havia no cofre documentos comprometedores envolvendo o general Costa e Silva, presidente da República. A versão não se confirmou. Se havia documentos, eles desapareceram. Os dólares, inclusive, viriam a desaparecer numa névoa de mistério, como narrou Tom Cardoso.

Carlos Minc, atual secretário de Meio Ambiente do governo do Rio de Janeiro, um dos personagens de destaque no assalto cinematográfico (rolaram o cofre pela escadaria da mansão) talvez possa esclarecer. Não custa perguntar. Afinal, sobrevivente, ao contrário de outros. É uma testemunha da história moderna.

Mas em matéria de dinheiro, sobretudo papel ao portador, tudo fica mais sensível, mais nervoso, mais enigmático, ao mesmo tempo mais cobiçado.
Tom Cardoso levanta a hipótese, dentro de um estilo de romance policial, de haver uma maldição em torno do tesouro. Talvez. Mas os fatos nada têm com isso. Não se sabe como, tampouco o autor revela, um gerente de agência do Bradesco, procurou os guerrilheiros e se ofereceu para trocar os dólares pela moeda nacional, inclusive pagando acima do mercado. Feito o contato, aí aparece a atual presidente da República, na praça Serzedelo Correa, o gerente diz que a direção do banco autorizou.

Cabe uma interpretação. Recentemente o Canal Brasil exibiu o excelente documentário sobre a morte numa emboscada em São Paulo, do empresário Hering Boilesen, um dos financiadores, talvez o principal, da OBAN, Operação Bandeirantes, caminho que levava ao túnel dos horrores e ao porão da tortura. O documentário mostra diálogos entre generais e empresários buscando recursos privados para sua atuação. Numa outra sequência, Delfim Neto, ministro da Fazenda numa recepção a Boilesen.

No travelling do tempo, a informação (sem imagem) de que um dos financiadores da OBAN era o banqueiro Amador Aguiar, então presidente do Bradesco. Coincidência ou nem tanto, a partir do câmbio ilegal, aliás duplamente ilegal porque produto de roubo, a Var-Palmares desabou. Poucos sobreviventes para contar a história. O livro é fantástico.

Pedro do Coutto

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