"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

NA MORAL?

 

Pois não é que dia desses me peguei assistindo o programa “Na moral”? Por Deus. Estava ali, deitado, zapeando, e me deparo com Pedro Bial entrevistando convidados. Como peguei o bonde andando, presumo que a pauta fosse sobre arranjos de convívio sexual. Um terreno complicado, onde há de tudo. E havia, mesmo, um pouco de quase tudo.



A personagem central da primeira entrevista que assisti era uma senhora muito dadivosa que se alternava entre dois cônjuges. Ora com um, ora com outro. Levava a vida assim, contando com o consentimento de ambos, por sinal, presentes à entrevista.
Um dos homens, mesmo sem ser chamado às falas a respeito, fez seu comercialzinho aduzindo que, pessoalmente, não descartava relacionar-se, também, com outros do mesmo sexo, desde que fossem interessantes.

Enquanto assistia aquilo, fiquei pensando que, muito em breve, com a multiplicação de tais casos, o Supremo Tribunal Federal será chamado a sacramentá-los. E o fará, numa sessão em que o Congresso, lá do outro lado da praça, ouvirá doutas repreensões por silenciar ante assunto de tamanha relevância e interesse social.
Assim, face à omissão legislativa, em nome dos princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana, o STF tomará em suas mãos a deliberação sobre os aspectos jurídicos desses enroscos sexuais.

São coisas que existem desde que o mundo é mundo. Já são tema para novela. Novidade é a colher torta do Estado se metendo no meio. Aliás, já existem advogados da tese. E em Tupã, interior do São Paulo, li outro dia, um conluio desse tipo foi formalizado em cartório.

Seguiu-se uma entrevista sobre suingue (eis aí mais uma, STF!). No caso, o marido levava a esposa para assistir seu desempenho com outras mulheres em festas de casais liberais. Surpreendentemente, ele não admitia a recíproca por ser muito ciumento… Noutro bloco, com som e imagem distorcidos, o Bial ouviu mulheres e homens, casados regularmente, que mantinham relações extraconjugais clandestinas valendo-se, para tanto, de sites de relacionamento.

Por fim, a produção do programa arranjou-lhe um petisco adicional, uma extravagância, coisa inaudita, beirando ao escândalo – tira as crianças da sala, meu bem!: um casal formado por homem e mulher (o esclarecimento é politicamente corretíssimo), que viviam seu matrimônio há 42 anos. Quarenta e dois anos? E nunca pularam a cerca? Nunca, segundo informaram.

Do jeito que a coisa anda, tratou-se, obviamente de um programa banal, tratando tais temas como se banalidades fossem. Nada de novo em qualquer das situações focadas. Coisas melhores e piores são exibidas todos os dias. E ninguém tem nada que ver com a intimidade alheia. O completo absurdo, o motivo pelo qual escrevo, veio pouco depois, no encerramento do programa.

O apresentador encarou a câmera, fez um discurso resumindo cada uma das situações que apresentara e sublinhou o surpreendente feito do casal casado, fiel, a caminho das bodas de ouro. E arrematou com uma pergunta que, apesar de dirigida aos telespectadores, fustigou a aparentemente insólita situação vivida por ambos: “Que tal ser fiel ao desejo?”

Ao fechar o programa com essa interrogação, o apresentador proclamou sua opção contra o casamento, contra a fidelidade conjugal, e optou pela degradação do humano. Fidelidade ao desejo, conforme proposto pelo jornalista, se expressa numa vida desregrada, sobre a qual não se impõem os freios da razão e do amor.

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