"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

Há alegria sempre que um réu é absolvido, presumindo-se ser inocente. O problema na absolvição de Duda Mendonça pelo Supremo Tribunal Federal é o reverso da medalha. A contradição. Porque se não foi considerado culpado por receber 10 milhões de reais do PT num paraíso fiscal, em conta por ele aberta, como punir Marcos Valério por haver enviado o dinheiro?
O publicitário poderia até não saber da origem fajuta dos recursos, mesmo tornando-se difícil a presunção.
Não prevaleceu a hipótese por falta de provas. Tudo bem, mas como justificar um pagamento lá fora por serviços prestados aqui dentro, a não ser pela intenção de sonegação fiscal? Impostos e multas só foram pagos depois de denunciada a operação.


Julgamento contraditório

Numa palavra, dois pesos e duas medidas na decisão quase unânime da mais alta corte nacional de justiça, de absolver um e condenar outro. Marcos Valério já estava arcabuzado por muitas falcatruas.
Mais uma, menos uma, tanto faz para o cálculo de sua longa pena de prisão a ser cumprida, mas a verdade é que Duda e sua sócia viram-se beneficiados.
Fica para o esquecimento perguntar de quem foi a proposta de remessa dos recursos para um paraíso fiscal. Pode ter sido de um ou de outro. Ou de ambos, o que parece mais provável.

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O POVO UNIDO ESTÁ SENDO VENCIDO


A referência vai para Portugal, onde a multidão cantou o refrão internacional de que “o povo unido jamais será vencido”. Porque está sendo, fragorosamente, pela Alemanha, 67 anos depois de encerrada a Segunda Guerra com a derrota dos alemães. Berlim manda na economia européia e exigiu de Lisboa, para continuar mantendo o fluxo de euros, que aumentasse impostos, reduzisse salários, promovesse demissões em massa no serviço público e cortasse investimentos sociais. O governo português cedeu, ou talvez nem tivesse resistido, conservador que é.

O resultado aí está: o povo saiu às ruas da capital lusa num protesto para ninguém botar defeito. Porque é, o povo, o grande e maior prejudicado pela sucessão de erros na condução da economia no país de nossos avós.
Durante décadas adotaram a política neoliberal de favorecer os bancos e o sistema financeiro, endividando-se e hipotecando o próprio futuro.
Foi a Alemanha que cresceu, por conta de regras por ela impostas agora sem tanques e sem o nacional-socialismo. Na hora da conta, vai para quem? Para o cidadão comum português. Mil motivos para protestar ele tem, mas nenhum sinal de que será atendido.

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BATEU NA TRAVE

Quase que o Carlinhos Cachoeira saiu da cadeia. Ganhou um habeas-corpus, mas como tinha outras acusações, permanecerá onde está. Indaga-se até quando, porque, pelo jeito, alguma hora conseguirá. Seria importante que fosse logo condenado em definitivo, mas quem tem recursos para contratar os melhores advogados do país consegue protelar qualquer julgamento. E até escapulir, se tiver paciência.

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SEM REFORMA?

Ganha corpo na Esplanada dos Ministérios a impressão de que Dilma Rousseff não promoverá reformas ministeriais por conta do resultado das eleições municipais. Não existem vagas, ainda que a presidente da República detenha por todo o seu mandato a prerrogativa de trocar quem quiser. Reforma ampla, mesmo, só quando chegar o tempo de desincompatibilização dos ministros que disputarão eleições em 2014, quer dizer, em abril daquele ano.

Sua palavra é diferente da minha


RIO – 31 de março de 1964, meia-noite. O Palácio das Laranjeiras era um pesadelo. As tropas de Mourão Filho avançavam de Minas e Jango não sabia o que fazer. Chegam o governador Seixas Dória de Sergipe e o ministro Osvaldo Lima Filho, da Agricultura. Jango se tranca com os dois:
- Seixas, preciso de um favor teu.
Quero que pegues amanhã bem cedo um avião da FAB e sigas para o Nordeste colhendo assinaturas em um manifesto dos governador
es que tu redigirás, em apoio a mim. Acabei de falar com o Lomanto pelo telefone. Ele me leu um manifesto de que gostei muito e já mandou para os jornais de Salvador, que publicarão amanhã. Passa na Bahia, articula-te com ele e vai procurar os outros.

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SEIXAS

Seixas conhecia sua gente. Estava incrédulo:

- O senhor já conhece a posição dos outros?

- Todos me telefonaram hipotecando solidariedade integral.

- E o Virgílio?

- Virgilio não tem problema. É meu compadre duas vezes.

- E o Petrônio?

- Petrônio é firme. É um homem de esquerda, tem me estimulado.

Manhã cedo de 1º de abril, Seixas embarcou no avião da FAB. O governador Lomanto Júnior, da Bahia, que tinha combinado ir recebê-lo no aeroporto, lá não estava. No Palácio da Aclamação, cara de pânico, assombrado, Lomanto chamou Seixas a um canto:

- A situação virou, Seixas. Jango fugiu para Brasília, Arraes está preso, perdemos a parada. Eu tinha feito um manifesto de apoio a Jango ontem à noite, que o “Jornal da Bahia”, que é matutino, chegou a publicar.

Mas já assinei outro hoje de manhã e mandei para “A Tarde”, que é vespertino, divulgar. E a televisão e as rádios também. Este segundo está bom, como eles querem. Vou te dar uma cópia, para você chegar em Sergipe e lançar lá, que é batata. Aliás, foi redigido no comando da Região. Você pode ficar tranquilo. É só assinar, está seguro”.

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LOMANTO

Seixas estava perplexo :

- Sim, Lomanto, mas eu não vou fazer uma coisa desta, não. Vou para Aracajú, vou lançar um manifesto, mas dizendo exatamente o que eu pensava até ontem. Quer dizer, o que eu e você pensávamos até ontem.

- Você está dizendo, no meu Palácio, que eu não tenho palavra?

- Não. Não estou dizendo que você não tem palavra. O que eu estou dizendo, Lomanto, é que você agora tem uma palavra diferente da minha.

Seixas foi para Aracaju, leu o manifesto, saiu do Palácio preso, foi mandado para Fernando de Noronha, onde já estava Miguel Arraes e depois chegaram Djalma Maranhão, prefeito de Natal, e Mario Lima, deputado socialista e presidente do sindicato dos Petroleiros da Bahia.
Lomanto foi ao “Jornal da Bahia”, recolheu o resto da edição, mandou queimar o primeiro manifesto e voltou para o Palácio tranquilo.

17 de outubro de 2012
Sebastião Nery

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