"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"BRASILEIRO É PRECONCEITUOSO, O ESPELHO INCOMODA."

ENTREVISTA: GLÓRIA PEREZ
Marlene Bergamo/Folhapress
A autora em sua casa, no Rio
A autora em sua casa, no Rio
Para Gloria Perez, autora de "Salve Jorge", as críticas à novela revelam preconceito. Em entrevista à coluna, ela diz que não dá para comparar o Complexo do Alemão com o Divino, de "Avenida Brasil". A seguir os principais trechos da conversa.
Folha - O que você acha das comparação de "Salve Jorge" e "Avenida Brasil?

Gloria Perez - Uma bobagem. Comparar o Complexo do Alemão com o Divino é uma insanidade. Não se compara subúrbio com favela. Vida de subúrbio é cadeira na calçada, venda do vizinho. A carta chega à sua casa. Na favela, carteiro não sobe. É isso que retrato.
"Avenida Brasil" também retratou a classe C?
Lá era um subúrbio idealizado. É uma ficção. "Salve Jorge" é a favela real. Por isso, menos palatável. São enfoques e propostas completamente diferentes.
E as críticas à protagonista?
É preconceito con­tra as meninas dessa origem. Elas vivem isso no cotidiano. Não são periguetes. Na favela, essa maneira de vestir não está atrelada a um comportamento como no asfalto. Elas tiveram acesso ao mercado, ao crédito. Agora, estão podendo comprar e construir seu próprio estilo.
O que acha de Nanda Costa?
Nanda é uma atriz intensa, cheia de nuances. É a Morena que imaginei. A garota do subúrbio é palatável, está sempre nas novelas. A da favela, não. Morena é exata­mente uma menina do Alemão. Isso assusta. Quem representa esse estranhamento é dona Áurea [Suzana Faini], a mãe do Théo [Rodrigo Lombardi]. Brasileiro é pre­conceituoso. Dona Áurea expressa algo bem característico nosso: "Com meu filho, não". Compreendo as reações. O espelho in­comoda.
Ela estaria um tom acima?
Morena não tem que baixar o tom. Ela se criou no meio de tiro­teio. Na favela tudo é luta. Ela está sempre alerta para se defender. Quando sai de casa pode vir uma bala de cada lado, da polícia ou do traficante. Quando vai para o asfalto é sempre olhada com desconfiança, como se fizesse parte da bandidagem. Ela precisa ter marra para sobreviver.
O que mais Morena espelha?
Ela não abaixa a cabeça. O preconceito não a faz se sentir menor. Ela não tem culpa de ter crescido num espaço que o Estado não ocupou e deixou entregue ao comando do crime. Ela diz: "Não importa de onde a pessoa venha, importa aonde ela chega". Acho bonito esse orgulho de ser o que é.
Mostra também a vaidade?
No começo, eu li que a Morena estava arrumada demais para uma garota do morro. Mas lá é assim. Vi no Twitter de uma moradora da favela um comentário rebatendo as críticas: "A gente já não tem nada, querem também que não tenha unha nem cabelo?". São centenas de cabeleireiros no Alemão. A vaidade é uma forma de sair daquele mundo. A aparência é o passaporte para um emprego melhor, uma aceitação maior para além dos limites da favela. Então, Elas investem nisso.
Não é só sofrimento?
O cinema brasileiro sempre explorou o mundo da favela como algo triste. Só era ale­gre no Carnaval. Depois é "lata d'água na cabeça". Mas as mulheres da favela não são assim. Nem gostam de ser vistas assim.
 
29 de novembro de 2012
Mônica Bergamo - Folha de São Paulo

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