"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

AFRONTA À CONSTITUIÇÃO


O direito à livre expressão, consagrado na Constituição, tem sido ignorado em sucessivas decisões de juízes de primeira instância, tomadas principalmente contra veículos de comunicação.
Mesmo posteriormente reformadas em tribunais superiores, essas sentenças causam prejuízo à imprensa e, em especial, à sociedade, que se vê privada dos instrumentos para formar sua opinião sobre os problemas do País e sobre a atuação das autoridades.
Longe de serem casos isolados ou anedóticos, trata-se de um sintoma de enfraquecimento da democracia.

Uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) constatou que, no ano passado, houve 11 decisões judiciais que determinaram censura à imprensa. Em cinco anos, foram nada menos que 57 casos.

A banalização do uso de instrumentos judiciais para impedir a livre circulação de ideias e informações levou Carlos Ayres Britto a criar em novembro passado, às vésperas de se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça.

A intenção é ter um centro de documentação e de dados para observar e debater as ações da Justiça contra jornalistas.
O Fórum não terá poder para impedir o exercício da censura, mas pretende verificar se os processos judiciais estão de acordo com a decisão do Supremo de revogar, em 2008, a Lei de Imprensa e, com ela, todos os instrumentos que permitiam calar os jornais e os jornalistas.

Até agora, a entidade não fez nenhuma reunião nem seus integrantes foram escolhidos - haverá representantes do Judiciário e dos veículos de comunicação. A urgência de alguma ação contra esses atentados a cláusulas constitucionais pétreas é, no entanto, evidente.

Não contentes em determinar a supressão de informações e de opiniões, o que já é, em si, uma violência, alguns juízes parecem dispostos a também estabelecer os procedimentos editoriais que devem ser seguidos pelos veículos dali em diante.

A juíza Ana Cláudia Rodrigues de Faria Soares, da 6.ª Vara Cível de Vitória (ES), obrigou o jornal digital Século Diário a excluir três reportagens e dois editoriais a respeito do promotor de Justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenkner, suspeito de irregularidades.

Em sua decisão, a magistrada disse que estava "assegurado aos réus o direito de expressão", mas, caso resolvessem publicar algo sobre o promotor, deveriam observar "as seguintes recomendações": se fossem criticá-lo, teriam de evitar "adjetivações pejorativas ou opiniões desfavoráveis que extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica"; deveriam "limitar-se a narrar os fatos"; e teriam de "proceder com imparcialidade e isenção".
Trata-se de uma evidente afronta ao direito de opinião.

Um episódio semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, teve de eliminar de seu site uma reportagem, às vésperas da eleição no ano passado, sobre uma investigação do Ministério Público acerca de suposta compra de votos.

O pedido de censura foi feito pela coligação eleitoral suspeita. Em seu despacho, a juíza Lilian Ritter considerou que, "em tese", a reportagem seria "caluniosa e inverídica", embora se tratasse de um trabalho jornalístico a respeito de um processo real.

Há casos, também, em que a decisão judicial é seguida de violência. Foi o que aconteceu com o Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul. Em agosto de 2012, a juíza Elisabeth Baisch, da 36.ª Zona Eleitoral, proibiu o diário de circular caso estivesse publicando uma pesquisa de intenção de voto para prefeito de Campo Grande.

A Associação Brasileira de Imprensa noticiou que o Correio chegou a ser invadido por policiais dispostos a verificar, página por página, se o jornal trazia a tal pesquisa.

À violência somam-se situações kafkianas, como a censura aos veículos do Grupo Estado, que edita este jornal, impedidos desde julho de 2009 de publicar informações sobre o processo a que responde um filho do senador José Sarney.

Que outra explicação podem ter casos como esses, senão o de que há juízes com cacoete autoritário, que ignoram o que vem a ser interesse público?

04 de fevereiro de 2013
Editorial
Transcrito de O Estado de S. Paulo, em 3/2/2013

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