"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

AMNÉSIA CARNAVALESCA


Nunca fui muito de carnaval. Quem me conhece, provavelmente em descrição mais precisa, diria que sempre fui nada de carnaval.
 
Nunca consegui abandonar temporariamente todas as preocupações, os problemas, as dificuldades, para me dedicar a quatro dias de festa. Amnésia temporária nunca foi uma característica minha. Aliás, amnésia permanente também me falta.

Não que tenha excelente memória. Com muito custo, minha memória aprende a se lembrar. Mas nem com muito esforço, ela aprende a se esquecer. Uma pena. Amnésia temporária tem suas vantagens. O carnaval é uma delas.

Amnésia permanente, entretanto, parece trazer poucos benefícios. A incapacidade de lembrar os problemas faz com que a necessidade de corrigi-los seja esquecida. Condena-os ao esquecimento em um cemitério dos eventos que deveriam ter sido corrigidos, mas que permanecem, como mortos-vivos, esperando a repetição enquanto gritam por solução.

Coletivamente, a amnésia parece demonstrar uma incapacidade de acompanhar apenas um problema de cada vez. Cada novo problema exige a eliminação (da memória, pelo menos) de um problema anterior.


Como são muitos os problemas e todo sistema (até mesmo a amnésia!) precisa de ordem, os problemas são lembrados, discutidos e esquecidos em ordem cronológica. Cada problema novo substitui aquele que, no momento imediatamente anterior, ocupava corações, mentes e memória.

É dessa maneira que parece que as coisas vão se sucedendo, como em um desfile em frente aos olhos, em imagens que brilham das telas, em palavras que pingam dos papeis ou escorrem da boca dos comentaristas. É desta maneira que tudo é falado. Tudo é discutido. E nada é resolvido.

A certeza de que tudo será esquecido quando o próximo evento acontecer serve como justificativa para a inação. E a abundancia de eventos que fornecem assunto inesgotável parece confirmar a conveniência e inevitabilidade da amnésia coletiva.

Talvez este seja um juízo muito severo. Sempre resta a esperança de que, na Quarta-Feira de Cinzas, a inevitável ressaca traga a lembrança e a disposição para encarar e resolver tantos e tão graves desafios que vagam à espera de solução.

Novos, antigos, ou mesmo aqueles que ainda estão por se repetir.

04 de fevereiro de 2013
Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos

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