"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

NO PALCO, UM TOM HANKS DESAGRADÁVEL

Conhecido por personagens edificantes, ator estreia na Broadway como jornalista polêmico, em peça escrita pela amiga Nora Ephron
 

Tom Hanks no Broadhurst Theatre, onde encena “Lucy guy”
Foto: Piotr Redlinski/The New York TimesTom Hanks no Broadhurst Theatre, onde encena “Lucy guy”Piotr Redlinski/The New York Times

NOVA YORK - Tom Hanks fala palavrões. E é muito animador ouvi-los dele, o homem que definiu o que é decência ao longo de três décadas em Hollywood, com suas atuações em “Splash — uma sereia em minha vida”, “Forrest Gump: o contador de histórias”, “Apollo 13” e “Toy Story”. Se, na tela, Hanks agrada às vovós, em pessoa ele é muito mais solto e imprevisível — como bem lembrou sua velha amiga Nora Ephron, muitos anos atrás, quando enviou a ele o roteiro de uma cinebiografia, “Lucky guy”. De cara, o ator detestou o seu personagem, Mike McAlary, colunista investigativo dos tabloides de Nova York nos anos 1980 e 1990.

— Disse a Nora que McAlary parecia um verdadeiro idiota — conta Hanks, usando uma expressão bem mais picante e exata que idiota, já que a força do jornalista vinha de sua determinação em ser o maior, o pior e o mais legítimo f.d.p. que já foi atrás de tiras corruptos.

Só alguns anos depois, ao esbarrar em Nora durante a divulgação do filme “Larry Crowne — O amor está de volta”, Hanks reviu sua opinião. Ele era coautor, estrela e diretor do longa, que foi fracasso de crítica e de público. A diretora, por sua vez, representava para ele dias mais felizes, em colaborações como “Sintonia de amor” (1993) e “Mensagem para você” (1998).

Será que as plateias vão aceitá-lo?

Eles voltaram a conversar sobre “Lucky guy” — ela transformara o roteiro numa peça, da qual Hugh Jackman chegara a fazer uma leitura —, e o ator pediu para ver a versão mais recente do texto. Dessa vez, ele se viu atraído não só pela fanfarronice de McAlary, mas por sua ânsia em se tornar merecedor da própria celebridade.

— Olhe, o título é “Cara de sorte”. É sobre alguém que é quase merecedor do que conquistou. E eu entendo isso — diz Hanks, durante entrevista no palco do Broadhurst Theatre, onde a peça, sua estreia na Broadway, está para começar (na próxima sexta-feira) uma temporada de 15 semanas. — Ainda me sinto às vezes como se quisesse ser tão bom quanto esse ou aquele ator. Vejo o trabalho deles e fico achando que nunca vou chegar lá. Gostaria muito de chegar.

Mas será que as plateias vão aceitá-lo como um cara desagradável? Tom Hanks ainda é um ator genial, que tende a lidar com a pressão sendo palhaço. Mas ele também se atirou num papel que exige ausência de vaidade, dizem seu diretor e atores amigos. Ele tem um bigode grisalho, como McAlary, e está tentando preservar as arestas do personagem.

— Toda vez que você sai para fazer algo novo, acaba envolvido em uma reinvenção, e todo ator que diz o contrário está apenas tentando diminuir as expectativas — conta Hanks, que estudou para ser ator de teatro nos anos 1970, mas rapidamente se mudou para a TV e, depois, para o cinema.

Até chegar à Broadway, o astro de Hollywood fez um caminho tortuoso — mas também tocante. McAlary, que ganhou um prêmio Pulitzer em 1998 por seus textos sobre a violência cometida por policiais conta o imigrante haitiano Abner Louima, morreu pouco depois, naquele mesmo ano, de câncer no cólon, aos 41 anos. Logo depois, Nora Ephron, ex-repórter do “New York Post”, que muito estimava os tabloides, começou a pesquisar a vida do jornalista e passou anos reescrevendo o roteiro, chegando a dar a ele o título de “Histórias sobre McAlary”.

Uma vez que Hanks embarcou no projeto, Nora passou a se encontrar semanalmente com o diretor da peça, o ganhador do Tony George C. Wolfe (de “Anjos na América”), para afiar o dispositivo central da trama — outros jornalistas contando os causos de McAlary e discutindo por causa deles — até que o foco no personagem fosse ajustado. Enquanto isso, porém, a diretora estava lutando contra a leucemia. Para a surpresa dos amigos e dos colaboradores, ela morreu em junho do ano passado, aos 71 anos.

— Era estranho para mim vê-la trabalhando tão rápido — diz Wolfe. — Não tinha a menor ideia do cronograma invisível que Nora estava seguindo. Depois que ela morreu, ficamos ainda mais determinados a montar a peça.

Sem Nora, George C. Wolfe e Tom Hanks se tornaram os carregadores do bastão de “Lucky guy”. O ator leu muitos dos artigos de McAlary e entrevistou alguns de seus velhos amigos, terminando por concordar com um ponto que a diretora defendia.

— Ela dizia que o cara era bom quando cobria o assunto que conhecia, os tiras e escândalos relativos a eles. Em outros casos, ele claramente patinava — diz Hanks que, ao perceber essas imperfeições, evitou transformar McAlary em um dos seus clássicos personagens edificantes.

Talvez o maior desafio para o ator sejam as cenas do jornalista com sua mulher, Alice, que ele deixou sozinha várias noites em casa para correr atrás de alguma dica para reportagem ou ir beber com os colegas.

— Será que o público vai comprar um Tom Hanks que trata sua mulher tão mal? — pergunta-se Maura Tierney, atriz que interpreta Alice. — É fundamental para a peça que o público aceite Tom como um cara desagradável, e acho que ele está conseguindo. Ele realmente pôs a vaidade de lado.

— Não tenho medo, porque acho que teremos uma produção muito boa — assegura Hanks. — Mas temo que seja eu o responsável por um mau resultado. Veja só, eu tenho uma considerável quantidade de filmes e projetos que não deram certo! Mas toda noite, quando volto para casa, ouço a voz nítida de Nora. E é quando eu fico mais animado com a peça.

25 de fevereiro de 2013
Patrick Healy, do New York Times - O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário