"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 6 de abril de 2013

CARRAPATOS

 



Pulam, pulam, gesticulam e mexem as patinhas e as antenas. Dissimulados¸ são capazes de ficar muito tempo sem comer, alguns deles até quase um ano. Chegam magrinhos e sugam, sugam, até virar tipo bolinhas gordinhas.
São arraigados, e o jeito é cortar pela raiz, mas sempre é difícil. Têm várias espécies, inclusive o carrapato-estrela, picadas particularmente dolorosas.
Agora ainda por cima vem aparecendo um tipo novo: o carrapato tinhoso, que adora o calor das luzes das câmeras de tevê e se recusa a largar o corpo que infecta, desafiando as tentativas de exorcismo

Já matou a charada? Por que é que fui pensar e lembrar logo nesses serzinhos tão horrorosos, repugnantes e infectantes? Pois não que é só ouvir falar em (In) Feliciano, grudado justamente onde não poderia estar, ou nessa turma do Mensalão e companhia, ou no conjunto desmoronando da obra do país: lembro de como esses carrapatos estão disseminados, sugando o que podem e nem devolvendo o caroço.

Aterrorizante. Esses bichos, na verdade pragas, têm características muito comuns a grupos políticos de poder e pressão, entre elas a de ser completamente chupins, ou vira-bostas, como o pássaro que disfarça e deixa os seus ovos no ninho do tico-tico, que os cria inadvertidamente.
Vivem às custas dos outros, os bichos; já os do gênero humano vivem da boa-fé, da ignorância, e da grande capacidade e abertura dos outros humanos para ser enganados quando sufocados por maciças propagandas coloridas e com artistas.

Mas não é só na política que esse universo paralelo pode aparecer. E nem foi só por isso que me lembrei desses parasitas que se atarracam. O nome desses insetos, aranhinhas, ácaros, para mim todos muito parecidos – carrapatos, percevejos, cupins, pulgas e demais minimonstros – viram palavras, excelentes descrições, inclusive passionais, emocionais. Muitas tristes demais.

Quantas vezes não nos envolvemos com pessoas-carrapato? Tão inseguras que grudam até nas nossas roupas, às vezes até nos cercam de tal forma que nos isolam? Note que são diferentes das pessoas vampiro, essas tiram e sugam a energia. Os carrapatos simplesmente não desgrudam.

É preciso estar atento e forte. Porque tem também o pensamento-carrapato, e é bom lembrar que o carrapato é bicho que não por menos costuma ser chamado de chato. Você começa a pensar numa coisa, aquilo vai crescendo, ficando mais dramático, tomando um vulto incontrolável, insano. Você sacode a cabeça, tenta mudar a rota, afastá-lo, e não consegue.
Acontece muito quando a gente pensa que está doente, ou se sente ciúmes ou tem alguma cisma com a pessoa amada.

Mas, infelizmente, penso que o pensamento carrapato pode também ter uma forma ainda mais violenta e é quando se transforma também em uma das principais causas da depressão, um círculo vicioso, um redemoinho seco. Pode levar uma pessoa à loucura, à esquizofrenia, ou à procura da morte. Ao suicídio, esse tema tão pouco discutido mais abertamente, tão tabu.

Sou extremamente sensível a esse assunto desde que quando muito jovem, menos de 15 anos, perdi um amigo, garoto também, que meteu uma bala na cabeça. Surpreendi-me com a sua busca da morte – e era alguém que tinha tudo, pensava eu, especialmente tudo, inclusive beleza e riqueza. Depois, passados os anos, alguns outros casos bem perto, gente que buscou de mangueira de chuveiro a janelas, e em todos eles identifico hoje – que sei mais das coisas da vida – que houve o pensamento-carrapato.

Nessa semana a morte da estilista Clô Orozco me perturbou muito, e eu nem a conhecia. Mas sempre sabia dela, e sempre com informações sociais positivas. De repente, horas depois de sua morte, os mesmos lugares dessas informações mudavam o discurso, e falavam da verdade de uma mulher em crise, numa mulher triste, com problemas econômicos e um terrível desânimo. Falavam de mais um alguém com pensamento carrapato e que até já havia tentado se matar duas vezes, sugada de suas esperanças.

Aparências enganam mesmo. Os carrapatos estão em todos os lugares. Viraram pragas da vida urbana. Pior: também viraram representantes dos Três Poderes.

06 de abril de 2013
Marli Gonçalves é jornalista

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