"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de maio de 2013

GOLPE À VISTA


Sem Dúvida, os políticos e militares protagonistas  do  contragolpe ,ou golpe  ,de 64  -  que se mobilizaram  em função  de ideologias divergentes  -  devem estar surpreendidos  com os modernos  meios  inventados para dar um golpe. Não é mais necessário o uso da força, das armas, dos  militares. Usam a lei. E se a lei não permite, eles fazem outra que passa a permitir o que eles desejam. Nem a constituição é obstáculo.

Se o  objeto desse desejo é inconstitucional,” eles” o convertem em dispositivo constitucional. Usam e abusam a tal ponto das  emendas constitucionais, que a    Constituição de 1988 - na origem já  uma  colcha de retalhos “cidadã”  - ficou com essa situação  agravada ,a tal ponto de virar  um amontoado de retalhos desconexos. Quando interessa ao Governo, ou aos parlamentares federais dominantes, como num passe de mágica, eles se autoproclamam “poder constituinte derivado”, emendando e remendando a Carta Maior como bem entenderem.

É a sofisticação do golpe. Por tais motivos a Constituição do Brasil é uma das mais extensas e embaralhadas do mundo. Os países que poderiam ser tomados como referência  em   seriedade e estabilidade constitucional, possuem as suas “cartas” há dezenas ou centenas de anos.  E com poucos artigos. Todos respeitados.

Por aqui a “inflação” constitucional se encarrega de colocar matérias que seriam da alçada da legislação inferior, leis ordinárias, decretos e até atos administrativos ordinatórios (portarias, resoluções, etc.), em mandamentos constitucionais. Qualquer “besteira” eles enfiam na constituição.

O Brasil tem uma enorme coleção delas. Após o desligamento de Portugal,por aqui foram escritas diversas constituições, a primeira em 1824,depois 1891,1934 (37) ,1946,1967 (69),e a última em 1988,vigente. Hoje está na moda falar em “cláusula pétrea”, ou seja, aquela cláusula que não poderá ser alterada mediante emenda constitucional.

Mas quase ninguém lembra que essas  anteriores constituições também eram em si mesmas “constituições pétreas”, ou seja, muito mais que simples cláusulas pétreas . Nenhuma delas poderia ser substituída por outra. No entanto  foram. E em quantidade para não  se colocar defeito. Portanto cada nova constituição não passou de um golpe.  

Golpe na anterior. E que tipo de golpe? O  JURÍDICO, evidentemente.

Mas há duas maneiras de golpear uma constituição. Uma, que é a mais usada ,é substituí-la por uma nova. Outra é alterá-la nas cláusulas  pétreas. Nesse último caso, o  CONTRAGOLPE, como reação ao  dito golpe, poderá ser preventivo, anterior ( “a priori”),ou repressivo, posterior (“a posteriori”)  à brutal  investida .

Chegamos, finalmente, à indecente proposta de emenda à constituição-PEC 33/2011. É uma flagrante tentativa de golpe .Um golpe jurídico. Sofisticado. Agride o art.2º da CF. É cláusula pétrea constitucional a separação dos poderes, com harmonia e independência. Ora, no momento em que essa PEC altera radicalmente o equilíbrio entre os poderes, retirando os  mais importantes do Judiciário (STF),preconizados na Constituição “original”, está sendo ferida automaticamente a  separação, a harmonia e a independência do poderes. Está sendo ferida cláusula pétrea. Com essa aprovação ,os poderes ficariam  totalmente desequilibrados.

Somado a essa “monstruosidade” jurídica, os parlamentares, subjugados vergonhosamente pelo Planalto, pretendem com esse malicioso instrumento alterar o “quorum” do STF para deliberação sobre a inconstitucionalidade das leis ;   fazer com que o efeito vinculante das Súmulas do Supremo seja submetido à aprovação do Congresso;  e mais, também deve ser submetido ao Congresso as decisões do Supremo  sobre a INCONSTITUCIONALIDADE das emendas constitucionais-EC.

Em assim sendo, acabariam os Três Poderes. Ficaria só a DITADURA do Poder Executivo, com duas frentes de apoio : o  Legislativo e o Judiciário. E estes ”disfarçados”  para aparentar  que existiriam  ainda os Três Poderes. Na classificação aristotélica, esse poder único entraria na categoria de “tirania”, que é a forma IMPURA, corrompida, da monarquia.

Se vivo fosse, o popular cantor e compositor gaúcho, TEIXEIRINHA ,talvez tivesse se inspirado nessa última proposição da PEC - aquela pela qual se houver divergência entre o Supremo e o Congresso, na declaração de inconstitucionalidade de lei, a proposta  seria submetida à Consulta Popular, que daria  o veredicto final  -  para o fim de compor a sua imortal música  “Coração de Luto”, popularmente conhecida  como “Churrasquinho de Mãe . A letra  começa com “ O  MAIOR GOLPE DO MUNDO...” Talvez o compositor  substituísse  o golpe da perda da sua  mãe, quando era criança, que o enlutou pelo resto da vida, por essa escancarada tentativa de vigarice da PEC. Essa sim mereceria dita afirmação: “o maior golpe do mundo”. 

Tal tentativa  tem dupla face   :  (1) o Congresso não tem habilitação ,nem envergadura intelectual, para decidir sobre constitucionalidade ou inconstitucionalidade de qualquer coisa. Está se apropriando indevidamente de poderes e  conhecimentos  próprios  ao Judiciário. É um “juiz”, que não é juiz, julgando.  (2) Pior ainda é se houver divergência entre esses dois poderes. A matéria vai para  CONSULTA POPULAR, quando se sabe que o povo , como tal, também não é habilitado nessas questões. Ora, quem tem contato com o povo e capacidade para direcioná-lo e manipulá-lo para qualquer lado não é o juiz, e sim o político.

Essa proposta é insensata e golpista. Esse atentado  também se manifesta no fato de não se praticar nenhuma democracia no Brasil .  O que existe é a OCLOCRACIA,trocando em miúdos, uma democracia degenerada, que mais serve para alimentar lacaios,aventureiros ,corruptos e enganadores da massa ingênua, ignara. É lógico que ao colocar  nas mãos desse povo uma decisão exclusivamente de caráter jurisdicional, prevalecerá sempre a vontade dos políticos em detrimento de conclusões  jurídicas próprias à  magistratura.

É manifesta, portanto, a tentativa de golpe. E como se aborta um golpe ? Lógico que  mediante  a antecipação de outro  golpe  (defensivo ) para evitá-lo. E se assim for, esse  golpe  “preventivo” transforma-se em CONTRAGOLPE.  A  legitimidade do contragolpe tem o mesmo fundamento da “legítima defesa” ,na esfera criminal.
Tudo leva a crer que o alto comando dessa ameaça golpista  está na própria Presidência da República. 

Ela tem a seus pés um Congresso inteiramente submisso, claro que em troca de mil favores e “acomodações”. Mas há  outro perigo no terceiro poder, o Judiciário. Ocorre que a sua cúpula é de livre escolha da Presidência da República, num errôneo mecanismo que destrói totalmente a construção de Montesquieu - cujos restos mortais a essa altura devem estar se contorcendo na tumba - qual seja, a existência, com independência, equilíbrio e harmonia, dos Três Poderes.

Urge que a efetivação de um eventual  CONTRAGOLPE  exclua da sua participação os  integrantes dos Poderes que já estão “perdidos”,mais precisamente, o Legislativo e o Executivo. As sociedades  civil e militar poderiam fazer uma aliança. O  Poder Judiciário, por que na sua base  e  maioria ainda mantém os escrúpulos que deve ter um juiz, e que ao mesmo tempo seria a principal vítima desse golpe institucional.  E o Poder Militar, porque a honestidade nesse meio é a regra. Tanto isso é verdade que o patrimônio somado deixado pelos cinco ex-presidentes militares não chega talvez a 1/10  da fortuna acumulada por um só “ex-civil”: O Sr.Lula da Silva. E a origem dela  não é certamente dos salários.                                         

Se  assim ocorresse, o  litígio ficaria  “interessante”. Dois Poderes de um lado (Executivo e Legislativo) e dois do outro (Judiciário e Militar).  

“Empate” técnico, portanto.  Cada um desses dois grupos reuniria pessoas e entidades com valores afins. Eu não tenho dúvida que a parcela decente da sociedade se engajaria  mais para o lado das fileiras dos juízes e militares,” contra” os políticos em geral.

15 de maio de 2013
Sérgio Alves de Oliveira, Sociólogo e Advogado, é Membro Fundador do GESUL-Grupo de Estudos Sul Livre.

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