"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de maio de 2013

MENSALÃO RECOLOCA STF EM RISCO

 

O noticiário em torno dos desdobramentos jurídicos da condenação dos mensaleiros pelo Supremo transcorreu até agora em torno do alcance dos embargos, “infringentes” e/ou “declaratórios”, impetrados pela defesa.

Termos herméticos, esses instrumentos jurídicos têm, na verdade, um alcance bastante amplo, por colocar em questão a própria imagem da mais alta Corte do país e do Poder Judiciário, revigorada pela demonstração de profissionalismo e independência — como estabelece a Constituição —, ao condenar poderosos atuantes na estrutura política que manda nos últimos onze anos em Brasília.

A defesa tem todo o direito de usar o arsenal que o emaranhado de leis da Justiça brasileira oferece. Ousadia pelo menos não falta a ela e clientes, pois até já foi defendido o afastamento do ministro Joaquim Barbosa da relatoria do processo, nesta fase final, pelo fato de ele ter assumido a presidência da Corte. Exemplo acabado de jus sperniandi, na fronteira da provocação.

 


 

A decisão, anunciada segunda-feira por Joaquim Barbosa, de rejeitar embargos infringentes de Delúbio Soares, ex-caixa do PT, condenado a oito anos e 11 meses de prisão, abre esta rodada final do julgamento do mensalão. Dela a Corte pode sair desmoralizada se passar a ideia de que tudo não passou de uma encenação para, no final, livrar mensaleiros de maiores punições.

Barbosa foi firme ao rejeitar o recurso que pede para o réu ser novamente julgado. Caso contrário, será uma derrota para o Ministério Público, o relator e todos que votaram por alguma condenação num julgamento minucioso, técnico, tendo sido garantido amplo direito de defesa.

O caminho dos embargos infringentes será explorado por mensaleiros que obtiveram pelo menos quatro votos a favor em qualquer condenação. Entre eles, as figuras estreladas de José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha. Delúbio foi apenas o primeiro.

Joaquim Barbosa se alinha àqueles que consideram não existir mais a possibilidade de embargos infringentes, embora constem do regimento interno da Corte, de 1990.

Sucede que a lei 8.038, posterior, deixou de prever este tipo de recurso ao tribunal. É possível, apenas, o “embargo declaratório”, para tirar dúvidas de interpretação do acórdão, mesmo assim a depender de aceitação do Pleno.

O Ministério Público Federal (Procuradoria-Geral da República) já se colocou contrário à admissibilidade deste recurso, embora os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski tenham afirmado que mesmo os embargos de declaração podem levar à alteração de penas.

Caberá ao Pleno do STF decidir se acolhe a ideia de anular julgamentos. É imprescindível haver a consciência do que isso significará num processo que ajudou a consolidar o desenho republicano da democracia brasileira, com a devida independência entre poderes e a Constituição acima dos interesses político-partidários ou quaisquer outros.

15 de maio de 2013
 O Globo, Editorial

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