"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 15 de julho de 2013

ABRINDO A CAIXA-PRETA

Por que os prefeitos e governadores revogaram os aumentos concedidos nas tarifas de ônibus e outros modais, sob a pressão das manifestações populares? Será que não tinham confiança nos valores fixados por seus órgãos técnicos?

O TCM do Rio colocou o dedo na ferida ao questionar os relatórios das empresas de ônibus, considerando seus números inconsistentes e sem credibilidade para determinar quanto o município pagará àquelas concessionárias a título de indenização pelas “perdas de receita” em função do bilhete único e das gratuidades.

Isto tudo remete à chamada caixa-preta das tarifas dos transportes, principalmente dos ônibus, processo no qual o poder público ignora quantos passageiros são efetivamente transportados pelas concessionárias. Baseiam-se em informações fornecidas pelas próprias empresas, que não são checadas.

Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

É este desconhecimento dos governos que dá margem para que as empresas fraudem seus clientes, rateando o custo total de sua operação (soma dos custos de combustível, pneus e peças, salários, depreciação e manutenção dos veículos, despesas indiretas etc.) por um número de passageiros menor do que o número real dos que pagam a tarifa. O resultado é uma tarifa superior ao que seria justo, que o governo sequer sabe em quanto é superfaturada, pois desconhece o número real de pagantes.

A partir de 2010, com a bilhetagem eletrônica, as empresas passaram a ser indenizadas pelo valor correspondente ao que deixavam de receber dos passageiros que fizeram mais de uma viagem e pagaram por apenas uma, graças ao sistema do bilhete único, e dos que viajaram de graça beneficiados pela isenção (estudantes, idosos e outros).

Note-se que isto não tem nada de gratuidade, pois, na verdade, as viagens feitas sem cobrança dos passageiros beneficiados vão ser pagas pelo Tesouro Municipal, vale dizer pelo conjunto dos contribuintes da cidade.

O TCM está declarando com todas as letras sua desconfiança de que há fraude também no cálculo do valor a ser indenizado, pois o governo não sabe ao certo o valor que deixou de ser arrecadado pelas empresas por transportar gente sem cobrar. Logo, vem pagando no escuro, com base no que as empresas informam.

A caixa-preta só existe porque os governantes não se interessam por controlar o fluxo real de passageiros nos ônibus e demais modais. Quando tentei fazer este controle em 2001, como secretário estadual de Transportes, instituindo o cartão com chip controlado pelo estado, fui boicotado pelo próprio governador. As empresas de ônibus acabaram emitindo e controlando elas próprias o chamado bilhete único e informam ao governo o que bem entendem.

O TCM pode prestar enorme serviço à sociedade brasileira se obrigar a prefeitura a conhecer e divulgar todos os componentes do cálculo das tarifas e das indenizações devidas pelo transporte de passageiros não pagantes.

Auditar os números, apenas, não vai eliminar o risco de fraude no cálculo das tarifas e das indenizações. O Rio e o Brasil precisam de permanente vigilância para que os usuários não sejam explorados, nem as finanças públicas, oneradas.

15 de julho de 2013
Luiz Alfredo Salomão é ex-secretário estadual de Transportes do Rio.

Um comentário:

  1. Sem falar, que retiraram os cobradores, e os motoristas fazem perigosamente a dupla função, sem abono salarial.

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