"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 22 de julho de 2013

"CORTE MINGUANTE"

As contas públicas vão mal e os apuros do governo ficarão evidentes, mais uma vez, quando o Executivo mandar ao Congresso, hoje, o relatório de execução orçamentária do terceiro trimestre. O documento conterá as novas projeções oficiais de crescimento econômico, da arrecadação e dos gastos e, naturalmente, do superávit primário, isto é, da economia planejada para o pagamento dos juros da dívida pública.
 
Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi ao Palácio do Planalto para examinar com a presidente Dilma Rousseff as possibilidades de corte do gasto federal. Diante da arrecadação minguante, só um ajuste rigoroso poderia evitar um resultado fiscal muito inferior àquele prometido até o mês passado. Mas as promessas de cortes também minguaram nas últimas semanas, enquanto se intensificavam em Brasília as discussões sobre a contenção de gastos aceitável numa crise como a deste ano.
 
O governo prometeu inicialmente um superávit primário equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2013. Isso deveria corresponder a cerca de R$ 155 bilhões. As autoridades anunciaram depois a intenção de abater até R$ 45 bilhões da meta.
 
Esse valor foi em pouco tempo elevado a R$ 65,2 bilhões. A redução, nesse caso, equivaleria à soma das desonerações tributárias previstas para o ano e dos valores aplicados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso reduziria o resultado primário a 2,3% do PIB.
 
Essa porcentagem foi reafirmada como resposta às manifestações de rua, num esforço do governo para mostrar compromisso com a austeridade. A presidente Dilma Rousseff chegou a propor aos governadores um pacto de responsabilidade fiscal, como se o governo da União estivesse em condições de dar o exemplo e de cobrar o envolvimento de todos num espetáculo de seriedade. Essa atitude foi também uma tentativa de compensar o desgaste provocado por declarações do secretário do Tesouro, Arno Augustin, sobre novos padrões de política orçamentária.
 
A nova orientação, segundo ele, seria ajustar a execução fiscal ao ciclo econômico, com mais economia nos períodos de bonança e mais gastos nas fases de vacas magras. Como a tradição, no setor público, tem sido muito mais de gasto que de economia, essas declarações foram interpretadas como um anúncio de relaxamento geral da política. O pacto de responsabilidade proposto pela presidente deveria ser uma reafirmação dos compromissos de austeridade - de fato, jamais cumpridos pelo governo há muitos anos.
 
Para cumprir a meta fiscal, mesmo com o desconto de R$ 65,2 bilhões, o governo deveria, segundo as avaliações correntes, cortar alguns gastos. Começaram a circular números possíveis, com base em declarações tanto públicas quanto reservadas de autoridades federais.
 
Falou-se inicialmente num corte de cerca de R$ 20 bilhões. Seria mais realista interpretar essa promessa como anúncio de um contingenciamento, isto é, de uma contenção de gasto sujeita à evolução da receita do governo. Se a arrecadação fosse mais satisfatória do que se havia previsto, o dinheiro seria liberado.
 
Nunca se levou muito a sério essa promessa de austeridade. Afinal, o governo já estava providenciando a antecipação de dividendos de bancos e empresas sob controle da União. Além disso, já se previa o ingresso de R$ 15 bilhões como bônus de uma licitação de área do pré-sal. O corte de gasto acabaria sendo em boa parte uma encenação de austeridade.
 
Mas a história continuou. Em pouco tempo o corte estimado foi reduzido a R$ 15 bilhões e, logo em seguida, a algo abaixo desse valor. A conversa mudou de novo nos últimos dias. Diante da evidente fraqueza da economia, até no mercado financeiro analistas começaram a admitir a ideia de se chegar ao fim do ano sem nenhum corte de gasto. Para o governo, será um alívio abandonar o assunto neste ano. Mas a economia pouco ganhará com isso, por causa da baixa qualidade da gastança federal.
 
E no próximo ano? Em 2014 haverá eleição. Mais prático será deixar o assunto para depois.

22 de julho de 2013
Editorial do Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário