"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 5 de julho de 2013

"DESMORALIZAÇÃO A JATO"



Uso de aviões da FAB por presidentes da Câmara e do Senado expõe alheamento aos clamores por ética e austeridade na esfera pública

Quando chegavam ao auge as manifestações que se difundiram pelo país, no mês passado, circulou pela internet uma lista de reivindicações com vistas a limitar os privilégios dos congressistas.

Pleiteava-se, entre outras medidas, que deputados e senadores se submetessem às mesmas leis válidas para os cidadãos comuns, que fossem remunerados apenas durante a vigência dos mandatos e que seus planos de aposentadoria seguissem as regras aplicáveis aos trabalhadores do setor privado.

Sem debater o mérito das propostas, não há dúvida de que refletem o desgaste da imagem do Congresso perante a população.

Não obstante, as mais altas lideranças parlamentares do país parecem alheias à percepção generalizada de que os políticos se beneficiam de um regime de sinecuras cujas regras eles próprios se encarregam de formular.

Prova disso é que, em plena temporada de protestos, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), e seu colega da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), solicitaram serviços de jatos da Força Aérea Brasileira (FAB) para deslocamentos com finalidades recreativas.

Calheiros requisitou um avião para viajar com sua mulher, de Maceió (AL) a Porto Seguro (BA), com o objetivo de prestigiar a festa matrimonial da filha do líder do governo no Senado.

Já Henrique Alves requereu a aeronave para levá-lo de Natal (RN) ao Rio --em companhia de sua noiva, de um filho, de amigos e de enteados-- para assistir à partida final da Copa das Confederações.

Registre-se que casos análogos vieram à tona nos últimos anos, envolvendo também autoridades ligadas aos Poderes Executivo e Judiciário.
 
O decreto 4.244/2002, que disciplina o assunto, permite o uso de aviões da FAB por autoridades quando houver "motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência".
 
Calheiros tentou justificar-se considerando que cumpria "um compromisso como presidente do Senado". Alves alegou ter um encontro marcado com o prefeito do Rio --inexistente na agenda oficial divulgada por ambos.
 
O presidente da Câmara decidiu ressarcir a União com R$ 9.700, valor que seria pago pelos convidados caso usassem bilhetes regulares. Tratando-se, porém, de jato fretado, o preço de mercado seria de pelo menos R$ 158 mil.
 
Parafraseando o bordão das manifestações, "não é só pelos 20 centavos". É pela urgência de reabilitar padrões éticos na esfera pública e avaliar a pertinência de seus custos --num país em que o parlamentar já é o segundo mais caro do mundo.

05 de julho de 2013
Editorial da Folha de São Paulo

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