"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 5 de julho de 2013

QUEM DÁ BOLA É O VOTO

Não, senhores, vocês entenderam tudo errado. Ou fingiram que entenderam tudo errado.

O povo não foi às ruas incendiar ônibus, queimar cabines de pedágio, depredar lojas e nem cantar o Hino Nacional porque queria o voto distrital misto ou porque não pode viver sem o voto em lista ou porque quer cláusulas de barreira para que partidos políticos tenham existência legal.

A conversa da presidente da República, ao propor primeiro uma impossível Constituinte exclusiva e depois um plebiscito para uma reforma política é para boi dormir.

A conversa é uma desconversa para fugir daquilo que realmente interessa.

Todo mundo sabe que uma efetiva reforma política é necessária e saudável para limpar os vícios políticos do país e sabe também que o Congresso nunca fará isso por sua própria iniciativa porque ninguém legisla contra seus próprios interesses, assim como ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo num processo criminal.

A presidente aproveitou o barulho das ruas para fazer um gesto que significava fingir uma tomada de iniciativa e rolou a bola para o Congresso, que está fazendo um pouco de cera antes de mandá-la para escanteio.

O Congresso sai do seu torpor milenar e começa a discutir projetos que estavam embolorando nas gavetas e o Executivo finge que toma as rédeas da iniciativa política reunindo seu gigantesco e inoperante ministério como se cancelar uma folga de fim de semana para discutir o sexo dos anjos tivesse alguma utilidade para desencalhar o carro de bois atolado no brejo da inoperância.

A sensibilidade da classe política é tão extraordinariamente míope que não percebeu ainda que quando a opinião pública apoia plebiscitos e reformas políticas, não está pensando em sutilezas como financiamento público ou privado de campanhas ou em votos de lista.


O povo quer alguma espécie de reforma política que impeça que o presidente da Câmara vá ao jogo de futebol num avião oficial com montes de amigos ou que o presidente do Senado use avião oficial para ir a um casamento.

Há um abismo conceitual intransponível entre o que os políticos pensam e o que está latente no inconsciente coletivo. E há um abismo maior ainda entre o que a presidente tenta dizer que quer e aquilo que o Congresso lhe permitirá fazer. A base aliada é fiel, antes de mais nada, a seus próprios interesses.

A incipiente e jovem democracia brasileira precisa, sim, de mecanismos que a aperfeiçoem.

O problema é que todos, Executivo e Legislativo, estão mais preocupados, neste momento, em mecanismos que afastem as pedras do caminho do único rumo que lhes interessa: o que leva à reeleição.

Hoje, quem dá a bola é o voto.

05 de julho de 2013
Sandro Vaia é jornalista.

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