"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

BRASIL REAL x BRASIL MARAVILHA DOS FARSANTES

       VERSO E REVERSO OU : Um país de vulneráveis






O mais recente es­tudo do gover­no sobre a mo­bilidade econô­mica e social no Brasil, divul­gado pela Secretaria de Assun­tos Estratégicos (SAE), infor­ma que 52% da população inte­gra hoje a classe média, contra 38% em 2002.

Além disso, a SAE diz que, dos 36 milhões de brasileiros que entraram nessa classe, 75% são negros, propor­cionando um "equilíbrio ra­cial" no estrato:
agora, 51% dos que compõem a classe média são negros. Para a SAE, esses importantes resultados estão relacionados de forma direta com a redução da desigualdade de renda, inegavelmente um dos grandes legados da admi­nistração petista.
No entanto, outro estudo recente, do Ban­co Mundial (Bird), ajuda a ma­tizar um pouco o entusiasmo com tais números e a mostrar que talvez ainda seja cedo para dizer que o Brasil se tornou, de fato, um país de classe média. Quando muito, é um país de "renda média", isto é, com ren­da relativamente mais bem dis­tribuída, mas não o suficiente para determinar uma efetiva mudança de classe social.

Para o Bird, é de classe mé­dia quem ganha de US$ 10 a US$ 50 por dia. Por esse crité­rio, 32% dos brasileiros fazem parte desse segmento.
A maio­ria da população estaria locali­zada em dois grupos inferio­res:
38% são considerados "Vul­neráveis" - que saíram da po­breza, mas correm risco acen­tuado de voltar a essa condi­ção
- e 28% são qualificados co­mo pobres.

Os "vulneráveis" ganham de US$ 4 a US$ 10 por dia; já os pobres recebem me­nos de US$ 4, a chamada "li­nha de pobreza moderada".


Pe­los critérios do governo brasi­leiro, a classe média é formada por aqueles que ganham de US$ 6 a XJS$ 26 por dia, um conceito que inclui os "Vulnerá­veis" citados pelo Bird. Na pes­quisa do Banco Mundial, quem ganha US$ 6 por dia - que é o "piso" da classe média pelos cálculos do governo - tem cer­ca de 30% de possibilidade de voltar a ser pobre.

O Bird entende que é funda­mental levar em conta a chama­da "segurança econômica" pa­ra definir uma classe social. Is­so significa que, caso se queira uma definição "robusta e me­nos arbitrária", não se pode in­cluir na classe média aqueles que correm considerável risco de voltarem a ser pobres em al­gum momento.
Entende-se por segurança econômica a es­tabilidade e a "resistência a choques", isto é, a crises con­junturais. Para o Bird, o nível máximo de insegurança supor­tável por uma família de classe média é uma probabilidade de 10% de cair na pobreza em cin­co anos, e não de 30%, como dá a entender o critério adota­do pelo governo.

A discrepân­cia é gritante, mas não é ape­nas esse o problema.

Na opinião do Bird, a classe média brasileira apresenta-se quase toda ela vulnerável, no longo prazo, porque está se en­dividando demais, graças ao fá­cil acesso ao crédito proporcio­nado por medidas pontuais do governo, e investindo pouco na acumulação de bens, que po­deriam garantir a segurança econômica em caso de turbu­lência.

Além disso, o levanta­mento mostra que a chamada "mobilidade intergeracional", isto é, a melhoria da qualidade de vida dos filhos em relação à dos pais, é muito limitada no Brasil e no restante da América Latina.

Não há perspectiva de que os jovens consigam obter resultados pessoais desvincula­dos dos problemas inerentes à sua origem familiar e econômi­ca. O problema central, desta­ca o Bird, é a péssima qualida­de do ensino público, que freia o movimento ascendente des­sa parcela da população, limi­tando suas oportunidades de trabalho e de renda.

No geral, os avanços verifica­dos nos últimos tempos são for­midáveis. A desigualdade na América Latina experimentou fantástica redução em curto es­paço de tempo:

de 2003 a 2009, a classe média cresceu 50% na região. No entanto, o estudo do Bird mostra que a desejável transformação do Brasil num país de classe média, tal como se apresenta no festivo discur­so do governo federal, não vai se dar por simples voluntaris­mo estatístico.

Tal mudança no perfil do País só ocorrerá de fa­to e se tornará sustentável se fo­rem enfrentadas urgentemente as graves deficiências dos servi­ços públicos brasileiros, a co­meçar pela educação.
Um país de vulneráveis

O Estado de S. Paulo
13 de dezembro de 2012

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