"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 19 de junho de 2013

O QUE SE QUER É MUDANÇA

  
 
A voz que emana das ruas merece, acima de tudo, respeito. Ainda que não se saiba de forma exata quais são suas reivindicações mais amplas é extremamente saudável que os cidadãos tenham voltado a demonstrar sua capacidade de se indignar. O grito das multidões está mostrando que, mais que o conforto monetário, o brasileiro preza valores. De tudo, parece ser possível tirar um recado indubitável: o que se quer é mudança.

A voz que emana das ruas merece, acima de tudo, respeito. Ainda que não se saiba de forma exata quais são suas reivindicações mais amplas – que transcendem, e muito, a mera revisão de reajustes de passagens de ônibus – é extremamente saudável que os brasileiros tenham voltado a demonstrar sua capacidade de se indignar. De tudo, parece ser possível tirar um recado indubitável: o que se quer é mudança.

Há tempos se ouve e se lê que o brasileiro está satisfeito com o emprego que lhe é oferecido, com a prestação do financiamento que não lhe aperta o bolso, com a sensação de bem-estar que o dinheiro compra. Há tempos se diz que, tudo mais constante, o brasileiro não busca nada além disso; basta-lhe a sombra e a água fresca que a carteira pode garantir.

O grito das ruas diz outra coisa. Revela uma gente cansada de ver que as mazelas do país se aprofundam, que o vale-tudo é transformado em prática corriqueira, que a corrupção, a esperteza e o malfeito são aceitos e impostos como regra do jogo. O brasileiro está mostrando que, mais que o conforto monetário, preza valores, quer que a dignidade, a seriedade e o respeito prevaleçam. Isso não tem preço.

Há anos, somos tratados como um país de consumidores, não um país de cidadãos com direitos a serem respeitados e deveres a serem cumpridos. Há anos, a dignidade foi resumida a carnês de financiamento, a acesso a shoppings centers. Viramos um país que se contenta em consumir o presente sem construir e investir no futuro. A isso, as ruas dizem "não”.

As pessoas parecem ter se enchido do marketing cor-de-rosa, da publicidade enganosa, da propaganda mentirosa que mostra um Brasil que só existe em anúncios de margarina. Resolveram se indignar e mostrar que o país que elas querem não é este; o Brasil do futuro é outro, diferente e não cabe na camisa de força na qual o discurso oficial quer aprisioná-lo.

A voz dos manifestantes mostra que os que resolveram ocupar as ruas não aceitam mais ver a corrupção tratada com naturalidade pelos seus governantes. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada hoje, esta era a razão manifestada por 38% das 65 mil pessoas que protestaram anteontem em São Paulo.

São pessoas que buscam demonstrar que não toleram ver o dinheiro pago em impostos sendo desperdiçado em más gestões, usado para beneficiar amigos do rei e da rainha, torrado em estádios – já são R$ 28 bilhões e serão bem mais – enquanto escolas apodrecem e postos de saúde e creches continuam só na promessa.

Este grosso caldo de rejeição e insatisfação encontrou na alta disseminada dos preços um catalisador poderoso. Um povo que se amedrontou com o monstro da hiperinflação e que lutou muito por reconquistar a estabilidade de sua moeda não aceita ver a carestia voltar a pôr em risco o conforto do seu presente e o direito de planejar o seu futuro.

Além de respeito, é necessário ter humildade ao tentar entender a mensagem das manifestações. Seus protagonistas parecem querer deixar claro que prescindem de tradutores, de intérpretes. Querem ter sua voz ouvida. É bom que seja assim, respeitado o sagrado estado democrático de direito e rejeitadas as ações violentas, como as vistas ontem em algumas capitais do país.

É repulsivo que alguns busquem apropriar-se de movimento tão espontâneo e autêntico. Como tenta fazer, por exemplo, o PT e governo federal em sua estratégia de metamorfosear-se e irmanar-se às manifestações como se não fosse também alvo dos que protestam.

Como quem se inspirou em Lampedusa e seu "O leopardo”, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que seu governo também quer a mesma mudança que emana das ruas. Só se for para que tudo fique como está. Segundo O Estado de S.Paulo, até o anúncio de novos programas para beneficiar a juventude já está em estudo pelo governo petista, talvez na crença obtusa de que o grito da moçada será calado com migalhas e ilusionismos.

O PT e seus líderes querem tratar a voz aguda das multidões de maneira oportunista. Provavelmente, creem que é possível manejar a insatisfação por meio de reuniões de seus "estrategistas”. Revelam não ter compreendido nada e, pior ainda, demonstram que continuam a crer que com sua esperteza são capazes de transformar a massa em matéria-prima para suas manobras. Juntam-se a cegueira e a surdez.

A pauta dos manifestantes pode ser por demais ampla, difusa e às vezes até confusa. Mas baseia-se em insatisfações que se referem a fatos reais, a problemas cotidianos, a dificuldades diárias. Quando o povo, enfim, se manifesta por si próprio, cabe a quem governa, a quem tem o poder de decidir e intervir no futuro do país respeitá-lo, ouvi-lo e agir. É o primeiro passo para que mudanças verdadeiras aconteçam.
 
19 de junho de 2013
Instituto Teotônio Vilela

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