"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 13 de junho de 2013

RISCO-BRASIL SOBE QUASE 40% E VOLTA AO FOCO DOS INVESTIDORES



Indicador começou a avançar em maio, diante da crise de confiança na economia brasileira
 
A recente crise nos mercados, causada pela deterioração na expectativa dos investidores internacionais em relação ao país, trouxe o risco-Brasil de volta ao foco dos investidores. O índice subiu 37% de 1º de maio até agora, de 170 para 233 pontos, voltando ao patamar de setembro de 2011.
 
O risco-Brasil, como é conhecido o Emerging Markets Bond Index Brazil (Embi+ Br), já foi um dos indicadores mais acompanhados da economia no país. Ele mostra a diferença entre os juros pagos pelos títulos americanos e brasileiros, ou seja, quanto mais alto, pior, porque mostra que os investidores estão desconfiados da capacidade do governo de pagar suas dívidas. Os Estados Unidos são considerados risco zero de calote.
 
Em 2002, o indicador chegou perto de 2.500 pontos centesimais, diante do nervosismo causado pela então provável eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Mas, nos útimos anos, perdeu importância, com o bom desempenho da economia brasileira.
 
Já os Credit Default Swaps (CDS), outro indicador que mostra desconfiança de investidores estrangeiros, também subiram. Os CDS, geralmente negociados no mercado de renda fixa, são uma espécie de seguro contra calote contratado por investidores. Os papéis com vencimento em cinco anos subiram 70 pontos (de 1 de maio a 11 de junho), saindo de 109,9 para 178,7 pontos centesimais, avanço de 62%. Já os de 10 anos passaram no mesmo período de 153 para 233 pontos, alta de 52%.
 
Este patamar foi visto pela última vez também em setembro de 2011, quando se aprofundaram as incertezas quanto à expansão da economia dos EUA e da Europa, aponta Daniel Cunha, economista da XP Investimentos.
 
— Tanto os agentes do mercado financeiro como os agentes da economia real que precisam tomar decisões relevantes olhando para prazos mais longos nunca pararam de olhar estes índices, mas agora estão observando esta escalada com atenção — afirma Daniel. — Trata-se de um aumento bastante expressivo, no qual tanto o movimento quanto o atual nível já podem ser enquadrados em um contexto de forte aversão ao risco, ou em outras palavras, crise de confiança — analisa.
 
— Como a expectativa é de contração da liquidez internacional, há desequilibrios momentâneos que atravessamos agora. O Embi+ e CDS são constatações dessas movimentações dos agentes — reitera Álvaro Bandeira, economista-chefe da gestora Órama.
 
A economia brasileira cresceu apenas 0,6% no primeiro trimestre, frente ao último trimestre de 2012, bem menos do que governo e economistas previam. A atual expectativa, a mais positiva, é de que o país terá expansão em torno de 2% este ano. O consumo das famílias e do governo ficou estagnado e os investimentos ainda não decolaram. Se tudo ficar sob controle, a inflação termina o ano por volta de 5,8%. O mau humor do mercado externo em relação ao Brasil já trouxe consequências, com a reavaliação das perspectivas das notas de riscos de crédito.
 
— Parte dessa alta é explicada por fatores domésticos. Vemos mudanças da política econômica do Brasil e clara intervenção do Estado na economia, com menor comprometimento do governo com as metas de inflação, deixando incerto o regime cambial — diz Rodolfo Oliveira, economista da Tendências Consultoria. — A volta dos mercados internacionais em busca dos papeis americanos também explica parte deste movimento.
 
Por conta deste cenário, a Standard & Poor’s foi a primeira agência de classificação de risco a reduzir a perspectiva positiva da nota de crédito do Brasil, que saiu de “estável” para “negativa”. Há cinco anos, a mesma agência, em abril de 2008, também havia sido a primeira a dar ao país grau de investimento. “É o primeiro passo na direção do rebaixamento da nota de crédito do país, que pode ocorrer nos próximos dois anos”, informou em documento a S&P.
 
— Como a nota de crédito foi colocada em perspectiva negativa por uma agência internacional de risco de crédito, é possível que as demais internacionais sigam o mesmo caminho — conta Alex Agostini, economista-chefe da consultoria Austin Ratings.
 
Reacomodação do mercado global
 
Outros países também vêem seu risco crescer na esteira da saída de dólares de seus mercados em direção aos Estados Unidos. O mercado, de forma global, está se ajustando a um cenário mais benigno para Estados Unidos e menos favorável para a China, que tende a ser pouco benéfico para economias emergentes, principalmente as dependentes de commodities, como o Brasil.
 
— É interessante ressaltar que o movimento que se vê no país não está se mostrando isolado, observando o mesmo cenário de abertura do prêmio de risco vindos de outras economias como o México, Colômbia, Chile e Peru — diz Daniel Cunha.
 
Nesse ajuste de tendência global, os emergentes se encontram em um momento bastante frágil. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, já indicou que está prestes a encerrar seus programas de estímulos à economia, o que significa deixar de despejar mensalmente no mercado US$ 85 bilhões em títulos.
 
— O Brasil recebeu muito investimento nos anos anteriores, então agora é hora de colocar o lucro no bolso e retornar para os EUA num movimento conhecido como “flight to quality” (voo para a qualidade) — reitera Agostini.
 
Histórico de saltos
 
É comum que em tempos de crise o risco-país sofra oscilações. Em janeiro de 1999, quando houve a primeira desvalorização do real frente ao dólar, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o Embi+ oscilou em quatro dígitos até o fim do mês de março, mas foi na iminência do primeiro governo do PT que o mercado verificou o maior salto do indicador.
 
Durante a corrida eleitoral de 2002, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva estava na dianteira das pesquisas eleitorais, começou a mais alta escalada do indicador em 3 de junho, aos 1.001 pontos, com pico dia 27 de setembro (aos 2.436), finalizando o nível de quatro dígitos apenas em abril de 2003, quatro meses após sua posse, 143% depois.
 
Em outubro de 2008, quando eclodiu a crise financeira nos Estados Unidos, o risco estava em níveis bem mais baixos (na ordem de 300 pontos), mas registrou forte oscilação: partiu de 337 pontos no dia 1 de outubro para pico de 688 pontos em menos de 23 dias, avanço de 104%.
 
Essas variações de percepção de risco têm impacto no câmbio e no fluxo de capitais. No atual momento, aponta Rodolfo Oliveira da Tendências Consultoria, e expectativa é que ainda ocorra oscilações nos indicadores de risco-país.
 
— Deve continuar havendo volatilidade, principalmente porque é um movimento internacional. Os emergentes vão continuar vendo desvalorização de suas moedas — diz.
 
— Temos vários ajustes estruturais severos para realizar na nossa economia para que essa volte para um equilíbrio mais saudável no médio prazo e a mudança de conjuntura externa vai elevar as dificuldades de realizar estes ajustes — analisa Daniel Cunha.

13 de junho de 2013
Sergio Vieira -  Globo

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