"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de julho de 2013

OS ALICERCES DO ÓDIO

           
          Artigos - Cultura        

turba
Abriram as portas do zoológico anticristão. A turba raivosa e espumante está nas ruas. Parece que foram abertas as jaulas do zoológico em que se encontravam os seres mais depravados e problemáticos.

É um show de horrores como poucas vezes se viu fora das redes sociais. Estão lá para destilar todo o ódio que têm pelo Papa Francisco; é um “ícone” que representa tudo que eles odeiam. Teve até uma dessas organizações clamando por salvo-conduto para praticar suas imbecilidades (se eu fosse polido neste caso, o criminoso seria eu ao dar respeito a quem não merece).
O que torna tais manifestações possíveis?
 
Como bem disse o psicanalista Carl Gustav Jung na obra Presente e Futuro, a partir do momento que começaram a falar em abstratos genéricos (e científicos) e ignoraram o indivíduo concreto, não só se deixou de perceber a ação dos agentes pessoais como as pessoas passaram a não mais acreditar na própria ação, deixando isso para o Estado e para as grandes instituições, isto é, estamos falando do advento das massas. Não à toa, em um regime socialista (e, por conseguinte, estatizante) como o que vivemos hoje, as associações e instituições têm cada vez mais servido como prosélitos do grande Leviatã.
 
Nas palavras do espanhol Jose Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, temos o homem-massa, que, sinteticamente dizendo, é aquele que jamais se perguntou qual a sua serventia.
Encaixa-se perfeitamente com a análise jungiana, já que, se o sujeito sacrificou sua individualidade, é evidente que ele jamais vai se perguntar qual sua razão de ser, transformando-se assim, no homem-massa. Usando as palavras de Jung, “a consciência do homem hoje está de tal forma colada aos objetos exteriores que só consegue responsabilizar os objetos como se deles dependesse a decisão”.
 
Para complicar ainda mais essa desastrosa equação moderna, adicione a hipertrofia dos ideais do igualitarismo, secularismo e utilitarismo, que já viraram sentimentos, pois, como escreveu Gustave Le Bon,

“as ideias não podem exercer ação real nas almas das pessoas até que, como consequência de um processo muito lento de elaboração, elas desçam das regiões móveis do pensamento para as regiões estáveis e inconscientes dos sentimentos as quais as razões das nossas ações são elaboradas. Elas então se tornam elementos do caráter e podem influenciar a conduta. O caráter é formado em parte por uma estratificação das ideias inconscientes” [2].

Em suma, segundo Le Bon, uma ideia não exerce influência enquanto ela não for transformada em sentimento.

 
O primeiro sentimento, o igualitarismo, não deixa de ser “primo-irmão” da inveja dos dons espirituais alheios (no catolicismo esse é daqueles que se chamam “pecados contra o Espírito Santo”); portanto, para que ninguém se sobressaia, passa-se a foice para que qualquer proeminência seja anulada: é a sistematização da miséria e o império daqueles que possuem a foice.
 
O segundo – o secularismo –, nas palavras de David Stove, “condena os votos matrimoniais, assim como todos os outros votos de fidelidade, juramentos e promessas, pois são tidos como relíquias supersticiosas”. [3]
 
Acerca do último – o utilitarismo –, cito a resposta de Roger Scruton dada na entrevista concedida para a revista Vila Nova:

“Todas as coisas mais importantes da vida são inúteis: amor, amizade, devoção, paz – essas são coisas que apreciamos pelo que são e não pelo uso que podemos fazer delas. Sim, nós precisamos de coisas inúteis uma vez que precisamos aprender como encontrar valores intrínsecos. E então o mundo tem um significado para nós e não apenas uma utilidade.”


Tendo por fim visto o advento de uma sociedade de massas que assimilou ideais (ou sentimentos) que, no final das contas – ensinados da forma que foram, isto é, como fins e não como meios – serviram ao anticristianismo desde 1789, passa a ser tarefa menos trabalhosa entendermos tamanha manifestação de ódio e burrice – sim, pois como disse Jung, “a soma de um milhão de zeros não chega a gerar um”.

26 de julho de 2013
 Leonildo Trombela Júnior

Notas:
 
[1] Por exemplo, enquanto a ocupante da cadeira máxima do Executivo recebe o Papa em pomposa cerimônia, lá fora estão os militantes despejando todo seu ódio e cometendo o crime de vilipêndio religioso.
[2] Gustave Le Bon. A psicologia da evolução dos povos. Livro IV, Cap. I
[3] David Stove. On Enlightenment. Cap. 6
[4] Carl Gustav Jung. Presente e Futuro – §545


Publicado no site da revista Vila Nova.
Leonildo Trombela Júnior é jornalista e tradutor.

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