"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 2 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

O ANJO E O FOGUETE

BUDAPESTE – No alto do pedestal enorme, de mármore branco, a mulher de bronze, soprada pelo vento, levanta para os céus a pena da paz. Mas aquela mulher não ia ser uma mulher, ia ser um anjo. E a pena não ia ser uma pena, Ia ser um foguete. Era um memorial ao jovem piloto, filho do ditador fascista aliado de Hitler, que morreu na Segunda Guerra.

Mas o ditador fascista fugiu em 1944, em 45 os nazistas perderam a guerra e os soviéticos entraram no país e precisavam de um monumento. O escultor, que tinha terminado seu trabalho, deu um jeito rápido: tirou as asas do anjo, pôs nele seios imensos, trocou o foguete por uma pena e, embaixo instalou, de pé, com uma tocha na mão, um soldado russo.

Em 1990, quando a Hungria se libertou dos soviéticos, arrancou o soldado russo do pé da estátua e deixou lá em cima, no mármore branco, soprada pelo vento, a mulher que ia ser anjo com a pena que ia ser foguete.

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HUNGRIA

“Sic transit gloria mundi” (assim passa a glória do mundo) reza a Igreja. Assim passa a historia das nações. Andando pelas ruas milenares de Budapeste, vou vendo, nas catedrais, monumentos, estátuas, a história em pedra e bronze de um povo que, desde o ano 1000, construiu seu rosto à custa de guerra e paz, lutas e revoluções, trocas de impérios e sistemas políticos, muito sangue e muita dor.

O hino nacional (do poeta Forense Kolesey) diz que “este povo já pagou por seu passado e seu futuro”. Mesmo assim o cancioneiro popular gaba-se de que “fora da Hungria não há vida e, se há, não é como esta”.

A coroa sobre o escudo nacional é uma novela de mil anos. Quando, no primeiro dia do primeiro milênio (ano 1001), a Europa se apavorava com a ameaça do fim do mundo e do Anticristo, o papa Silvestre mandou uma coroa real para Santo Estevão coroar-se “rei apostólico”. Ai nasceu a Hungria, reunindo as sete tribos magiares que, no ano 896 antes de Cristo, saíram das margens do Volga para as margens do Danúbio.

A coroa passou por aventuras incríveis. Talvez nenhuma obra de arte no mundo tenha sofrido tantas vicissitudes históricas, escondida em tantos países, palácios, castelos, fortalezas. Até que, no fim da última guerra, com a chegada das tropas soviéticas, a coroa foi parar nas mãos do exército americano e, em 78, o presidente Carter devolveu à Hungria.

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BUDA E PEST

Buda e Pest são duas cidades que só se juntaram em 1872, ligadas por belas pontes sobre o Danúbio, muitas vezes destruídas e reconstruídas. Antes de 1848, só havia uma ponte de madeira. Cada manhã e cada entardecer era levantada para deixar os barcos passarem. No inverno, era desmontada para que as correntes geladas não a destruíssem.

Em 1820, o conde Istvan ficou uma semana em Peste esperando que o rio congelasse, para poder ir ao enterro do pai, em Buda. Tentou construir uma ponte de pedra, não deu certo. Foi ã Inglaterra, viu pontes de ferro, construiu a ponte movediça (pronta em 1848)e passou a cobrar pedágio. Os nobres, que não pagavam taxas nem imposto, acharam uma indignidade. Viajavam dois dias, rio acima, só para não se rebaixarem a pagar pedágio.

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MIL ANOS

Ao longo de mil anos, muita água rolou por baixo e por cima da Hungria. Em 1240, os tártaros invadiram e devastaram Buda e Pest. O Castelo de Buda é de 1243 (imigrantes alemães, italianos e judeus foram trazidos para aumentar a população). Em 1458, o rei Corvinas fez das duas cidades centros da cultura, da arquitetura e da impressão de livros.

Em 1514, uma rebelião de sem-terras, liderada por Gyorgy Dozsa, foi brutalmente reprimida e a escravidão implantada. Em 1541, Buda e Peste foram ocupadas pelos turcos, só expulsos em 1686. Em 1848-49, a revolução e a guerra da independência, lideradas pelo jornalista, nobre e pobre Kossut, e pelo poeta Sandor Petofi, expulsaram o império austríaco,

Em 1919, Bela Kun proclamou a República Soviética, que durou 133 dias e o almirante Horthy tomou o poder, matou milhares, aliou-se a Hitler e ficou até 1944. Os soviéticos chegaram em 1945, entregaram o Governo aos comunistas e voltaram em 25 de outubro de 56, assassinando milhares e fuzilando Imry Nagi (como quase vi e veremos amanhã, terça, dia 3 de abril).

02 de abril de 2012
Sebastião Nery

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