"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 8 de maio de 2013

DE R.QUINTELA @ EDU PARA JUIZ BREDA @JUS


Meritíssimo juiz Maurício Breda, da 8ª Vara Criminal de Alagoas, o senhor preside o juri dos quatro policiais acusados de terem facilitado o assassinato de Paulo César Farias, protomártir do mensalão, dono do Brasil durante o governo de Fernando Collor de Mello.

Ele foi uma fusão de José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério. Em 1996, encontraram-no na cama de sua casa de praia com um tiro no pulmão, ao lado da namorada, que tinha uma bala no peito.
Eu fui um tira brabo. Aos nove anos, fui para a rua ver a cabeça do Lampião, que estava numa lata de querosene.

 

Anos depois, casei-me com a filha do Lucena Maranhão, comandante da tropa que caçou o bando. Tive mais tempo de polícia do que o senhor de vida.

Fui secretário de Segurança e de Justiça de Alagoas e morri aos 82 anos, no ano passado. Tudo o que eu tinha era a casa onde vivia e o túmulo para onde fui.

Os bandidos me odeiam. São uns bobos, porque eu os odiei mais. Corria que eu mandava matar latrocidas e estupradores. Quando me perguntaram se era verdade, respondi: “Não gosto dessa gente”.

O doutor Joaquim Barbosa tem razão, a justiça dos ricos é outra. Em Alagoas o filho de um governador deu um tiro num PM e acabou solto. Depois matou um vigilante e foi absolvido.
Escrevo-lhe para dar um testemunho sem valor para os autos. Faço-o agora porque, estando aqui, desobriguei-me do compromisso que me foi imposto no dia da descoberta do crime, quando recebi um recado do governador, mandando que não desse entrevistas.

Ademais, conversei há pouco com o PC Farias e a Suzana. Eles me contaram o que houve, mas o senhor sabe que estou preso a outro sigilo.

Doutor Breda, naquele dia eu estava numa festa de aniversário e me chamaram ao local do crime. O PC estava descoberto, com um braço para fora da cama. A Suzana estava encolhida. Quando retiraram os cadáveres ele estava rígido, ela não.

A versão divulgada deu conta de que ela o matou e depois suicidou-se. Para que houvesse essa diferença na rigidez, a diferença entre as duas mortes seria de pelo menos uma hora. Como PC não foi atingido no sistema nervoso central, deveria ter se movido. O colchão onde estavam foi queimado horas depois. Por quê?

Pois bem, com o que vi, recomendei que chamassem peritos de fora, pois a polícia alagoana não tinha qualificação para um caso desse tipo. Por exemplo: não tínhamos microscópio comparador para analisar as balas. Quando saí da casa disse isso à imprensa.

A autoridade competente ouviu-me, afastou-se e foi conversar com a família de PC. Voltou avisando que os novos peritos não seriam necessários.

Pouco depois, veio o recado do governador, mandando que eu calasse a boca. Calei-me. Só usei a palavra “armação” numa conversa posterior, em confiança.
Seus réus são do júri, mas eles sabem o que houve naquela manhã.

Perdoe-me a interferência inútil, coisa de velho meganha. Despeço-me respeitosamente porque vou almoçar com o cangaceiro Corisco e Carlos Lamarca. Eles ficaram amigos depois que eu lhes contei que morreram na mesma região, na caatinga baiana.
Respeitosamente,
Rubens Quintela.
 
08 de maio de 2013
Elio Gaspari é jornalista.
O Globo

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