Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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Alexis de Tocqueville (1805-1859)
terça-feira, 11 de outubro de 2011
ESQUERDA x DIREITA (Parte 9)
Olá amigos, neste post vamos falar sobre o famoso Consenso de Washington, um conjunto de recomendações para economias em crise da década de 80 que foi transformada pelas esquerdas latino-americanas na “Bíblia do Neoliberalismo”.
O Consenso de Washington
Como vimos nos posts anteriores, a década de 80 ficou conhecida como “a década perdida”, devido às enormes dificuldades enfrentadas pelos países do terceiro mundo, com o aumento dos juros norte-americanos e a conseqüente crise da dívida externa em 1982.
Após uma década de várias tentativas fracassadas de estabilização em diversos países, várias instituições internacionais sediadas em Washington (entre elas o FMI e o BIRD) realizaram um encontro para discutir meios de ajustar tais economias, em 1989.
Foi neste contexto que o economista John Williamson, do International Institute for Economy, apresentou um conjunto de dez recomendações, baseadas nas experiências do Chile e no México, os países que havia conseguido os melhores progressos nos esforços de estabilização de suas economias na América Latina até então.
As esquerdas, portanto, trataram logo de associar tais recomendações a uma suposta “conspiração” do império para subjugar ainda mais as nações latino-americanas. O chamado “Consenso de Washington”, ou simplesmente “CW”, passou a ser visto como a “cartilha no neoliberalismo”, imposta pelo FMI.
Mas, quais foram as tais recomendações? Elas foram realmente seguidas? Elas realmente contribuíram para aumentar a dependência dos latino-americanos aos EUA? E quais os resultados práticos, duas décadas depois?
Para responder estas perguntas, vamos analisar cada uma das dez recomendações e comparar com as trajetórias do Brasil, um exemplo razoavelmente bem sucedido, e da Argentina, país citado sempre pelas esquerdas como exemplo de fracasso das “medidas neoliberais”. Vejamos:
1 – Disciplina fiscal
O desequilíbrio fiscal (gastos maiores que as receitas) sempre estiveram no cerne dos principais problemas dos países latino-americanos, sendo a principal causa da inflação. Portanto, o CW colocava como condição número 1 o ajuste dos gastos às receitas.
O Brasil, depois de várias tentativas de estabilização e ajustes fiscais, conseguiu um grande avanço com a aprovação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impedia que governos e municípios gastassem mais que suas receitas. Infelizmente, no último ano do governo Lula começaram a aparecer pressões de governadores para “flexibilizar” a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Argentina, no entanto, nunca chegou nem próximo de cumprir este requisito básico. Sem uma lei para coibir os gastos excessivos, as províncias argentinas continuaram repassando seus déficits orçamentários para a união, os quais continuaram sendo transformados em mais dívida e mais inflação.
2 – Prioridades nas despesas públicas
Esta recomendação está diretamente relacionada à primeira. Trata-se da definição dos gastos prioritários do Estado, com o objetivo tornar mais eficientes os recursos públicos.
O Brasil até que tentou, mas o aumento da dívida interna, decorrente da incorporação dos “esqueletos” da época da hiperinflação, do repasse das dívidas dos Estados e municípios para a União e das capitalizações dos bancos públicos, aumentou ainda mais os gastos do governo, exigindo o aumento da carga tributária em oito pontos percentuais. Sobrou apenas o discurso da necessidade da redução do Estado para aplicar melhor os recursos em educação, saúde e segurança.
A Argentina passou ainda mais longe que o Brasil neste item.
3 – Reforma tributária
Um dos problemas crônicos dos países latino-americanos. O terceiro item do CW recomendava uma reforma que possibilitasse a expansão da base de arrecadação, evitando a sonegação e a sobrecarga do setor formal da economia.
No Brasil, até hoje nada foi feito.
Na Argentina foi feita uma reforma parcial.
4 – Juros de mercado
O Estado não deve manipular taxas de juros artificialmente. Tais taxas devem acompanhar o equilíbrio da oferta e da procura por dinheiro na economia.
No Brasil, a manipulação da taxa de juros foi (e ainda é) o principal mecanismo de controle da inflação. Isto explica o porquê de continuamos ainda hoje com o título de campeões mundiais de taxas de juros.
Na Argentina, o governo Menem até que tentou liberalizar os juros, mas os desequilíbrios resultantes dos déficits crescentes levou o governo a aumentar as taxas de juros progressivamente.
5 – Câmbio de mercado
Assim como os juros, o câmbio também deve ser definido pelas leis de mercado. Deve estimular as exportações, porém não pode ser um obstáculo às importações.
No Brasil, o cambio flutuante só veio a ser implantado em 1999, após cinco anos de câmbio artificial, instituído no Plano Real.
Na Argentina, a coisa foi muito pior, pois o país passou dez anos seguidos com o valor do peso atrelado artificialmente ao dólar, na proporção 1 x 1.
6 – Política comercial de integração aos fluxos mundiais
Abertura às importações, com o objetivo de fortalecer a competitividade da economia.
No Brasil, a abertura começou com Collor e foi concluída com FHC. E, ao contrário do que as esquerdas previam, a abertura da economia fortaleceu nossa economia (apesar das muitas falências nos primeiros anos), tornando-a competitiva para o mundo globalizado.
Na Argentina, apesar da abertura inicial, aos poucos, o governo foi elevando as tarifas alfandegárias para compensar a perda de competitividade com o câmbio cada ano mais valorizado.
7 – Abertura da economia ao investimento estrangeiro direto
Este é o segundo item mais “neoliberal” da lista. Além de uma importante fonte de recursos, é também um grande indutor de ganhos de produtividade.
No Brasil, apesar do alarmismo das esquerdas apontando este item como “um dos principais instrumentos de dominação estrangeira”, ironicamente foi no governo do PT que o investimento estrangeiro se tornou o principal fator de equilíbrio das contas públicas.
Ou seja, o PT deu mais uma contribuição neste importante item do receituário “neoliberal”, até de uma forma demasiada, pois hoje nossa economia está ainda mais dependente dos recursos externos para equilibrar as contas, já que o governo aumentou os gastos muito além do que deveria. Na era FHC, apesar dos esforços do governo para atrair o capital estrangeiro direto, muito pouco foi conseguido devido ao risco país ainda muito elevado. Sobrou ao governo, a atração de capital especulativo com os altos juros dos títulos brasileiros, capital volátil que sempre fugia quando ocorria qualquer indicio de crise.
Na Argentina, assim como nos itens anteriores, aconteceu num primeiro momento, mas foi sendo inviabilizado gradativamente com a perda de competitividade da economia, decorrente da valorização cambial.
8 – Privatização das estatais ineficientes
Este é sem dúvida o mais “neoliberal” dos itens. Está diretamente relacionado ao item 2 (Definição de prioridades nas despesas públicas). Se o governo não tem dinheiro para investir em estatais ineficientes, que venda então tais empresas e utilize os recursos obtidos para reduzir despesas financeiras.
No Brasil, tornou-se um dos maiores símbolos do governo “entreguista” de FHC. Apesar do pouco dinheiro arrecadado com os leilões, tais empresas transformaram-se nas âncoras da economia brasileira nos anos seguintes.
Na Argentina, também ocorreu.
9 – Desregulação de setores controlados ou cartelizados
Redução da burocracia, flexibilização de leis trabalhistas, combate aos monopólios e criação de agências reguladoras.
No Brasil, não houve nenhuma alteração na legislação trabalhista. Avançamos muito pouco na redução da burocracia, um pouco mais no combate aos monopólios (principalmente o do petróleo). Avançamos mais na criação das agências reguladoras, apesar do aparelhamento destas nos últimos anos do governo do PT.
Na Argentina, as privatizações foram feitas sem nenhum planejamento, o que resultou em novos monopólios privados. Pior: sem agências reguladoras.
10 – Direito de propriedade
Um pré-requisito para o aporte de investimentos estrangeiro é estabilidade de regras e o respeito aos contratos, inclusive o respeito à propriedade intelectual. Além de instituições fortes e independentes, é imprescindível o controle da inflação e estabilidade econômica e política.
No Brasil, mesmo após o fortalecimento das instituições democráticas com o fim do regime militar, a instabilidade econômica não apenas continuou como foi até intensificada nos períodos de hiperinflação. Com o Plano Real, a instabilidade diminuiu, mas permaneceu até 2003, devido às sucessivas crises entre os emergentes e, por último, com a desconfiança do mercado com a eleição de Lula, candidato que passou toda sua militância política combatendo o “neoliberalismo”. Ao implementar o ajuste fiscal de 2003 e surpreender o mercado com a elevação do antes combatido superávit primário e continuar a política econômica do seu antecessor, o governo do PT assegurou este último item do “receituário neoliberal”, criando as condições para o aporte de capital estrangeiro que passou a chegar em grande volume a partir de 2005.
Na Argentina, as sucessivas crises dos anos 90 criaram um ambiente ainda mais instável e incerto, o que afugentou ainda mais os investidores estrangeiros, os quais só retornaram na segunda metade da década de 2000, quando o governo Argentino firmou um acordo com os seus credores para pagar suas dívidas.
Conclusão
Das dez recomendações da “cartilha neoliberal”, o Brasil seguiu apenas sete, sendo que a maioria só foi concluída no final da era FHC (e o último já na era Lula), alguns de forma parcial. Na Argentina, apesar das tentativas, apenas quatro foram seguidos e mesmo assim de forma equivocada.
Como resultado, o Brasil sobreviveu à série de crises dos anos 90 e início dos anos 2000 se tornou um dos mais importantes emergentes. A Argentina, apesar de ter “aderido” às recomendações do CW antes do Brasil, decretou moratória duas vezes. Só a partir de meados da década de 2000 é que conseguiu complementar algumas etapas das recomendações do CW para atrair os abundantes investimentos estrangeiros que migraram dos países desenvolvidos para os emergentes, a partir de 2005.
Ao contrário do que as esquerdas pregavam na década de 90, os países que seguiram o “receituário neoliberal” não se tornaram mais dependentes dos Estados Unidos. Muito pelo contrário, ganharam mais espaço na economia mundial, enquanto que os países centrais estagnaram.
Por fim, a conclusão mais importante. O chamado neoliberalismo não é nenhuma doutrina elaborada pelos liberais com o intuito maquiavélico de subjugar os pobres países periféricos, como pregavam os esquerdistas. É sim uma tentativa de reformar o quadro caótico da economia mundial, vítima de décadas de keynesianismo usado não apenas para protelar crises, mas principalmente para conquistar popularidade por políticos mais preocupados com as próximas eleições do que com as próximas gerações.
Amilton Aquino
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