A mensagem apresentada pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso (post anterior) esconde alguns despropósitos em sua linguagem lhana, sóbria. Comecemos pelo erro — na verdade, pelo truque — de fundo.
Dilma tenta pegar carona no movimento das ruas, como se ele estivesse voltado principalmente contra o Congresso.
Os políticos, no geral, não andam gozando de boa reputação, mas ela também é política. Não tivessem as forças federais de segurança guardado o Planalto no dia do grande confronto de Brasília, e teria sido esse o palácio incendiado, não o do Itamaraty.
As pesquisas de opinião evidenciam que boa parte da população identifica os problemas é com o Poder Executivo mesmo. A população pode não saber direito como são as coisas, mas é informada o bastante para saber que, se existem chantagistas e aproveitadores no Congresso, é porque existe quem paga.
Percebem: Dilma ofereceu como resposta única, até agora, ao transe das ruas a reforma política, cujo conteúdo diz respeito especificamente ao Congresso. Os pontos da reforma que ela propõe, individualmente ou no conjunto, são inócuos para atender às reclamações.
O esforço para fazer o plebiscito é só uma manobra para tentar desviar o foco, a que se soma um oportunismo lamentável: os petistas querem aproveitar o momento para ver se conseguem encabrestar de vez o processo político.
Antes que trate do mérito de cada medida, destaco outros aspectos deletérios no texto. Afirma Dilma:
“A consulta popular é recomendável quando as formas de representação política dão sinais de que precisam ser renovadas.”
É uma besteira. Plebiscito, referendo e emenda de iniciativa popular estão previstos no Artigo 14 da Constituição não porque os senhores constituintes já se sentissem ultrapassados, mas porque lhes pareceu uma forma de ampliar a participação popular no processo constitucional.
Só por isso. O que veio depois, dona Dilma, a dita e suposta “crise de representatividade”, não pode ser causa do que veio antes, não é mesmo? Isso é cascata, bobagem.
A propósito: por que Dilma não propõe um meio de fazer consulta popular para decisões tomadas pelo Executivo, por exemplo? Ainda voltarei ao assunto.
Escreve ainda a governanta:
“Argumentos que buscam imputar ao povo uma impossibilidade de compreensão da melhor forma de representação não podem prevalecer em um Estado Democrático de Direito como o nosso.”
Demagogia barata! Em princípio, desde que disponha das condições e do tempo necessário, todo mundo é capaz de aprender tudo, não é? Até física quântica.
Ninguém está a dizer que existe uma natural incompatibilidade entre a população e, por exemplo, o debate sobre forma de representação (se proporcional, distrital ou distrital misto). O que se afirma é que é preciso tempo.
Suplência no Senado e voto secreto
Não vou, neste post, repetir argumentos contra o financiamento público de campanha ou a favor do voto distrital. Vocês já conhecem boa parte deles. Quero me ater aqui às três outras questões. Eu também sou contra o sistema de suplência do Senado, uma verdadeira aberração.
Mas me digam: o plebiscito vai decidir entre ele e o quê? Eleição para senador é majoritária. Leva o mais votado. Digamos que o eleito renuncie ou se licencie por alguma razão: quem assume? Um dos que tiveram menos votos? Ainda que seja, de fato, uma excrescência o que temos, o que a suplência tem a ver com a corrupção, por exemplo?
O mesmo se diga sobre as coligações. Por si, não são indutoras de lambança. Ademais, a depender do sistema escolhido, o debate perde sentido. Ainda voltarei ao assunto. Encerro fazendo alguns comentários sobre o voto secreto.
Ele pode ser nefasto apenas num caso: na votação sobre a cassação de parlamentares acusados de quebra de decoro. Exceção feita a essa questão, o expediente protege o Parlamento dos superpoderes do Executivo.
Reitero: a única resposta de Dilma aos protestos das ruas é essa tal reforma política que não responde a coisa nenhuma. Passa a impressão de que a única fonte de problema é o Congresso.
Pior: a depender das escolhas feitas, aí, sim, o país caminha para a breca. É o caso do financiamento exclusivamente público de campanha. Se essa estrovenga passa, a disputa eleitoral de verdade será travada na clandestinidade. E não esgotei as minhas reservas, não. Mal comecei.
02 de julho de 2013
Reinaldo Azevedo