"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 3 de junho de 2013

"INTERVENCIONISMO DO GOVERNO, QUE MUDA REGRAS NO MEIO DO CAMINHO, REDUZ A CREDIBILIDADE"

‘Os investidores estão muito mais desconfiados’


Elena Landau, economista

Para Elena Landau, o intervencionismo do governo, que muda regras no meio do caminho, reduz a credibilidade
A ingerência política do governo Dilma Rousseff, com medidas pontuais para atender a interesses da hora, é a causa dos desequilíbrios no setor elétrico e também da desconfiança dos investidores para participar de outras concessões, como as de rodovias e ferrovias. A avaliação é da tucana Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90.
"Essa política intervencionista do governo brasileiro hoje não funciona. É uma política antiga, que já foi experimentada nos anos 70, e não dá certo, com escolha de vencedores, desoneração pontual, economia fechada", diz a economista e advogada carioca, de 55 anos, que atualmente trabalha no escritório de advocacia Sérgio Bermudes. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Desde a aprovação da Medida Provisória 579, que tratou da renovação das concessões do setor elétrico, o governo vem promovendo uma série de mudanças regulatórias. Essas mudanças foram na direção certa ou oausaram mais insegurança?
A MP 579 tinha um objetivo incontestável: reduzir o custo de energia. A forma como a MP foi preparada, colocada para a sociedade e para os agentes do setor, anulou esse objetivo, pois foi feita de cima para baixo. Isso mostrou claramente uma falta de planejamento para o setor elétrico. Para se ter investimento de longo prazo, é preciso regras claras e estáveis. Quando tiver mudança nas regras, ela precisa ser feita de forma transparente. O que aconteceu com o setor elétrico é a tônica do que acontece com a infraestrutura deste governo, que fica tentando resolver questões pontuais ao invés de ter um pensamento de longo prazo. Os investidores estão muito mais desconfiados.
Uma crítica de investidores é que há um viés mais político nas ações do governo para o setor elétrico. Essa crítica é injustificada ou há uma ingerência política demasiada no setor?
Que há uma ingerência política no setor, não há dúvida. É através da Eletrobrás que essa ingerência é percebida. Voltando à MP 579, ela claramente traz prejuízos para as empresas que aderiram à renovação de concessão. Quando algumas empresas não assinaram (a renovação da concessão), faltou energia para as distribuidoras. Some-se a isso o péssimo planejamento e você tem todo esse desequilíbrio setorial Além disso, as distribuidoras da Eletrobrás não sofrem da Aneel o mesmo rigor na fiscalização que as distribuidoras privadas, porque, se sofressem, já estariam com pedido de intervenção decretado.
A privatização das estatais elétricas durante o governo FHC aconteceu antes da criação das agências regulatórias. Com a privatização, não houve redução das tarifas prometidas nem melhora nos serviços. Como a sra compara o modelo de privatização de FHC com o atual de concessões para o setor elétrico?
Vou discordar. A privatização no governo Fernando Henrique, além da busca de qualidade e de investimentos fez parte de um programa de estabilização, que demandava o controle das contas públicas. Hoje, temos um modelo no qual não só o governo é intervencionista como não acredita em controle das contas públicas. No governo Fernando Henrique, um dos objetivos (da privatização) era arrecadar recursos para o Tesouro. Então o preço da venda do ativo era fundamental e isso, obviamente, determina o piso tarifário inicial .No caso das rodovias, durante governo Lula, o preço do pedágio foi colocado lá em baixo porque não havia preocupação com a questão fiscal. Por outro lado, o pedágio que o governo Lula oferece não remunera o capital. Na privatização do governo Fernando Henrique, os índices de qualidade melhoraram muito. As tarifas não caíram porque nos últimos dez anos aumentaram os encargos sobre as tarifas, o que não quer dizer que a remuneração das distribuidoras que foram privatizadas aumentou.
As concessões de rodovias e ferrovias não saíram do papel. 0 problema está nas condições oferecidas peio governo ou nas exigências dos investidores?
É um pouco de cada coisa. Primeiro, não se pode fazer as coisas de forma picadinha. Se você quer modificar o modal de transportes, é preciso ter um modelo. O investidor que entrou nos aeroportos em 2012 teve umas condições e o que vai entrar neste ano tem outra condição. Ao mesmo tempo em que o governo aumenta a margem dos investidores nas  ferrovias novas, as antigas sofreram uma redução do preço-teto tarifário de uma hora para outra. O que ocorre com as ferrovias antigas afeta o apetite de novo investidores.
Recentemente, o governo elevou a taxa de retorno para concessões de rodovias, Essa taxa será suficiente para atrair maior demanda para os leilões, e 0 que seria uma taxa atrativa?
Uma taxa atrativa de retorno depende de setor para setor porque depende do risco setorial e de mercado. No setor elétrico, ofereceu-se uma taxa de retorno que foi sendo reduzida ao longo do tempo conforme o risco foi diminuindo. O que é ruim dessa postura do ministro (Mantega) é que se mudou de 5% para 7%, amanhã pode mudar de 7% para 8%. O investidor vai avaliar, a sua taxa de retorno em relação ao risco dele e ele vai olhar para trás. Quem me garante que eu entro hoje para fazer uma rodovia por 30 anos e o governo me oferece 7%, mas de repente ele faz o que fez com o setor elétrico e com as ferrovias que, de uma hora para outra, ele muda esse retorno em nome do interesse público. Qual é o interesse público do governo ao fazer coisas localizadas? Aumentar a competitividade brasileira e baixar a inflação.
 E como a sra. vê a modelagem de financiamento de infraestrutura e a participação do BNDES?
A participação do BNDES na infraestmtura não há o que questionar. O problema do BNDES hoje é receber recursos do Tesouro sem que isso esteja contabilizado no Orçament., São mais de R$ 300 bilhões com impacto fiscal seríssimo. E esses R$ 300 bilhões vão para aqueles que o BNDES elege e com subsídios embutidos de R$ 8 bilhões por ano. O problema é que, se o BNDES entra em outras áreas, ele expulsa o mercado de capitais privado. Cada vez mais o Brasil vai depender do BNDES, que dá taxas subsidiadas.
03 de junho de 2013
Fábio Alves - O Estado de S. Paulo

"A CPMF ERA UM IMPOSTO JUSTO"


Ladislau Dowbor-Professor titular do departamento de pós-graduação da PUC

O intelectual Ladislau Dowbor, nasceu na França em 1941 e vive no Brasil desde 1951. Formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Atualmente é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração. Continua com o trabalho de consultoria para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema “S” (Sebrae e outros).  

Atua como Conselheiro no Instituto Polis, CENPEC, IDEC, Instituto Paulo Freire e outras instituições.  
A sua área principal de atuação é o ensino e organização de sistemas de planejamento. Nos anos 1970, foi professor de finanças públicas na Universidade de Coimbra.

A convite do ministro Vasco Cabral, tornou-se coordenador técnico do Ministério de Planejamento da Guiné-Bissau (1977-81).

Foi consultor do Secretário Geral da ONU, na área de Assuntos Políticos Especiais (1980-81). Dirigiu vários projetos de organização de sistemas de gestão econômica, na qualidade de Assessor Técnico Principal de projetos das Nações Unidas, em particular na Guiné Equatorial e na Nicarágua.

É consultor de vários governos, particularmente para a organização de sistemas descentralizados de gestão econômica e social (Costa Rica, Equador, África do Sul).
No período 1989-92 foi Secretário de Negócios Extraordinários da Prefeitura de São Paulo, respondendo em particular pelas áreas de meio ambiente e de relações internacionais.
É autor e co-autor de cerca de 40 livros, e de numerosos artigos.

Destacam-se os livros “Formação do Terceiro Mundo”, Brasiliense, 15 edições; “O que é capital?”, Brasiliense, 10 edições; “Aspectos econômicos da Educação”, Ática, 2 edições; “Introdução ao Planejamento Municipal”, Brasiliense.

O seu livro sobre “Formação do Capitalismo no Brasil”, publicado em diversos países, conta com a versão brasileira atualizada pela Brasiliense, em 2010. Em 1994 publicou “O que é Poder Local?” pela Brasiliense; “Informática e os Novos Espaços do Conhecimento”, São Paulo em Perspectiva, SEADE, bem como Descentralização e Governabilidade, na Revista do Serviço Público, ENAP, Brasília, Jan/Jul 1994, também publicado na Latin American Perspectives, California, Jan. 1998. Urban Children in Distress: practical guidelines for local action pela revista Development: Journal of the Society for International Development, 1996:I, Oxford, Cambridge 1996.

Em 1996 publicou Da Globalização ao Poder Local: a Nova Hierarquia dos Espaços na coletânea “A Reinvenção do Futuro”, editada pela Cortez. Em 1998 foram publicados “Os Desafios da Globalização”, coletânea organizada com Octavio Ianni, Paulo Rezende e outros, e “A Reprodução Social, estudo de sistemas de gestão social”, ambos pela Vozes.
Em 2001 lançou “O Mosaico Partido: a economia além das equações”, publicado na França, Espanha e nos Estados Unidos. Publicou também a coletânea “Desafios da Comunicação” (org.) e “Democracia Econômica” (2008), pela Editora Vozes.

Ultimamente tem trabalhado no desenvolvimento de sistemas descentralizados de gestão, particularmente no quadro de administrações municipais, envolvendo sistemas de informação gerencial, políticas municipais de emprego, políticas integradas para criança de risco e gestão ambiental.

Nessa entrevista concedida com exclusividade ao portal Panorama Mercantil, ele faz duras críticas a mídia global, dizendo que ela, atua na desinformação dos processos relativos à economia, fazendo isso para o seu próprio interesse comercial.

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Panorama Mercantil-
Professor, o senhor domina vários campos de estudo, vamos começar por um que achamos fundamental: Como podemos mudar a educação no Brasil que hoje perante a outros lugares do mundo está na “UTI”?

Ladislau Dowbor-Eu trabalho hoje com uma visão mais ampla do que a educação, que lembra sempre sala de aula, e prefiro o conceito de gestão do conhecimento. Hoje fazem parte deste universo os sistemas de formação e requalificação nas empresas, os sistemas de formação profissional inicial e de atualização, os cursos online de formação fora das escolas (MOOC – Mass Online Open Courses), dois quais só o Coursera tem hoje 3 milhões de participantes, os sistemas de acesso online domiciliar e móvel, os sistemas de apoio técnico a empresas como o fazem o Sebrae e outros, inúmeros cursos das organizações das sociedade civil (ONGs ou OSCs) e assim por diante. Trata-se do adensamento geral do acesso à cultura, ciência, pesquisa e extensão. É muito mais do que a sala de aula. O maior atraso no Brasil está na generalização do acesso aberto à banda larga, na linha das cidades digitais que se espalham pelo mundo. A educação no Brasil não está na UTI, mas precisa romper a visão estreita de apenas aumentar horas de estudo. A Finlândia tem um professor para cada seis alunos, Shanghai na China para cada 10, o Brasil para 25. O projeto Piraí digital já mostrou no Brasil o potencial de um acesso aberto online sem fio para dinamizar o conjunto dos processos de gestão do conhecimento, inclusive na sala de aula. Meu livrinho, Tecnologias do Conhecimento, só para ilustrar, está disponível gratuitamente online, na linha do Creative Commons e não do copyright. Os oligopólios do livro didático e das telefônicas fazem o possível para travar.
 
Panorama-
O senhor afirma que apoiar movimentos sociais não é distribuir benesses. Mas de certa forma, essa distribuição de benesses não tem acontecido sistematicamente ao logo do tempo no país?

Dowbor-O sentido que dou a esta frase é o mesmo que dá Amartya Sen (economista indiano), e que aparece no documento básico para a América Latina, chamado La Hora de la Igualdad, disponível online na Comissão Econômica para a América Latina (a versão em português, abreviada, A Hora da Igualdade, também está disponível online). O sentido real é que o apoio aos movimentos sociais tem permitido o desenvolvimento de um conjunto de atividades da área social, favorecendo o acesso à cultura, à educação, à saúde, habitação e outros. Em outros termos, não constitui uma distribuição de benesses, constitui um investimento nas pessoas. Os movimentos sociais são sistematicamente criminalizados no Brasil, faz parte de uma ofensiva. A Pastoral da Criança, para dar um exemplo, conseguiu 50% de redução da mortalidade infantil nas regiões onde trabalha, com um custo de R$ 1,70 por criança por mês. As organizações da sociedade civil, por sua capilaridade e inserção nos bairros e regiões mais pobres, constituem um poderoso vetor de melhoria da produtividade das políticas sociais. Na visão da CEPAL, os países que se desenvolveram não esperaram o bolo crescer para redistribuir, pelo contrário, fizeram políticas sociais, ou seja, investiram nas pessoas, o que por sua vez dinamizou o crescimento e o desenvolvimento mais equilibrado. Quanto ao Bolsa Família e outros mecanismos para tirar as pessoas da miséria, além de uma obrigação ética, trata-se de bom senso econômico: sai muito mais barato tirar as pessoas da miséria do que arcar com as consequências. E os setores produtivos tradicionais, com a crise mundial, hoje entendem que é muito positivo ter um mercado interno forte para compensar o que se perde em mercados externos.
 
Panorama-
Muita gente diz que o empreendedorismo pode salvar o Brasil, outras dizem que o empreendedorismo só traz mais individualidade para uma sociedade que precisa ser mais uniforme. Que visão o senhor tem sobre esse tema?

Dowbor-São simplificações ideológicas que não resolvem. Temos no Brasil um setor informal que representa 40% da PEA (População Economicamente Ativa), ou seja uma grande subutilização da mão de obra. A média dos outros países da América Latina é da ordem de 50%, o Brasil baixou os números na última década. A formalização no setor informal, por exemplo através do sistema de microempreendedor individual, é muito positiva. Um micro comerciante para de ser achacado por fiscais, passa a ter acesso ao microcrédito, pode comprar mais mercadoria e assim por diante. Mas temos um imenso potencial ao gerar um sistema de apoio à agricultura familiar, como se faz na Europa: serviços de apoio tecnológico, de comercialização, de aluguel de máquinas, de primeira transformação, microcrédito e capacitação tornam a agricultura familiar extremamente produtiva, e no Brasil trata-se de quase 5 milhões de unidades produtoras, que já asseguram 70% dos nossos alimentos. Por outro lado, a generalização do acesso à banda larga internet resolve o grande problema do pequeno agricultor que é o isolamento. Hoje até pequenos produtores rurais do Quênia negociam as safras e transferem dinheiro via smartphones e softwares apropriados, escapando dos atravessadores. Finalmente, os processos produtivos são cada vez mais densos em conhecimento. A matéria prima se esgota, mas o uso do conhecimento não reduz o seu estoque. Isto está gerando processo colaborativos em rede em inúmeros setores, particularmente no conjunto dos sistemas intensivos em conhecimento. Mas até o pequeno agricultor hoje está precisando de inseminação artificial, tecnologias de combate a pragas, análise de solo e semelhantes. Pequenos produtores de mel e de caju do Piauí estão de vento em popa. O Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que era de 2,5 bilhões de reais em 2002, está agora na faixa de 18 bilhões. É outra era.
 
Panorama-
A economia nacional deve crescer esse ano apenas 1,3% e a indústria deve ter -2,5%. Esse números não são terríves, para um país com um potencial tão grande como o nosso?

Dowbor-Não são terríveis. O PIB é uma conta que tem de ser ultrapassada, o que interessa é a qualidade de vida das pessoas. Temos um desemprego inferior a 5%, a renda dos trabalhadores aumenta, tiramos 40 milhões de pessoas da miséria, o desmatamento da Amazônia que atingiu 28 mil km2 em 2002 está na faixa de 4,5 mil km2 – ainda um desastre mas um imenso avanço – falar que os números são terríveis convence apenas a Veja. No plano das contas, temos de fazer o seguimento de um conjunto de áreas sociais, ambientais e econômicas, em particular os indicadores de qualidade de vida. Na Inglaterra adotaram o Happy Planet Index, nos Estados Unidos temos os Calvert-Henderson Quality of Life Indicators, outros optaram pelo FIB, Felicidade Interna Bruta, mas o essencial é que um sociedade complexa como a de hoje não pode resumir as suas contas a um único número. Facilita a vida de jornalistas, mas não tem sentido. Agora no substantivo, a fragilidade do PIB no Brasil tem a ver com o cartel dos Bancos e os juros para pessoa física e jurídica, o dreno dos recursos via dívida pública, os investimentos em infraestruturas (inicialmente desviam recursos do consumo,e se materializam em maior produtividade sistêmica apenas após a conclusão), as remessas de lucros das empresas transnacionais dos países do Norte que buscam tapar os seus buracos nas matrizes (o gigante mundial Santander tem 25% dos seus lucros vindos do Brasil), os paraísos fiscais (no relatório do TJN a participação do Brasil é da ordem de 520 bilhões de dólares no estoque de dinheiro de evasão fiscal, corrupção, lavagem de dinheiro de drogas e outros), o próprio perfil do capital de IDE (Investimentos Diretos Externos) que em vez de investir compram empresas já existentes, os próprios entraves estruturais herdados como por exemplo os sistemas de mobilidade urbana centrados no transporte individual que geram sobre-custos e reduzem a produtividade sistêmica. Tudo isto é conhecido, e exige um forte apoio política para avançar. A mídia não ajuda a criar esta dinâmica, apenas denunciando o “pibinho”. A boa gestão da economia exige saber o quê se produz, para quem, com que custos ambientais, com que sustentabilidade de longo prazo. Um marceneiro que decide abrir a sua própria marcenaria vai ter de adiar a compra do carrinho para pagar as máquinas. Em casa vão chiar com o pibinho. Mas amanhã produzirá melhor.
 
Panorama-
Muitos empresários dizem sempre que o sistema trabalhista brasileiro é paternalista e muito burocrático. O senhor concorda com essa afirmação?

Dowbor-A lógica é diferente. Um empresário que olha o quanto paga sobre a folha diz que poderia empregar mais com um sistema de menos direitos sociais. Mas na última década houve uma sistemática melhoria dos salários, expansão dos direitos sociais, hoje até da empregada doméstica. O resultado é que muito mais gente está consumindo. Isto permite que as empresas passem a trabalhar com escala mais elevada, ganhando menos por unidade mas com melhor resultado na massa maior de produto. O raciocínio no nível individual é correto: quem usa trabalho sem carteira tem uma vantagem comparada, ocupa mais espaço no mercado. Mas em termos sistêmicos o prejuízo é para todos os outros. O nivelamento das regras do jogo, uma cultura empresarial mais civilizada é o que precisamos. Agora do lado burocrático sim temos imensos progressos a atingir, desde a simplificação e racionalização do sistema tributário, até a simplificação da abertura e fechamento das empresas, e evidentemente a transformação do sistema financeiro comercial que cobra juros absurdos e trava o investimento. A empresa brasileira terá de pagar 40% ao ano para um banco instalado no Brasil, enquanto a concorrente estrangeira capta o recurso a 5% ao ano lá fora.
 
Panorama-
Por que as reformas tanto tributária como política, estão demorando tanto para sair do papel?

Dowbor-Estamos esperando Godot (peça do dramaturgo irlandês Samuel Beckett. A expressão é usada quando quer se indicar algo impossível de acontecer). Todos acham e sabem que é preciso mudar, e nada muda, pois ficam todos agarrados no sistema existente, cada um achou o seu nicho de sobrevivência, ainda que sabendo que a mudança sistêmica é inevitável. Os eixos são conhecidos, centrados na redução relativa da tributação do trabalho, redução do imposto indireto que atinge proporcionalmente mais os mais pobres, aumento das alíquotas do IR sobre os mais ricos (no nível dos EUA ou da Europa), criação de um ITR (Imposto Territorial Rural) que tenha pés e cabeça, um imposto sobre a fortuna e sobre herança que reduzam a concentração da riqueza domiciliar acumulada. E naturalmente, está na hora de nos articularmos com uma série de países que estão decididos a repatriar os cerca de 20 trilhões de dólares (segundo o Economist) que estão vivendo sonegados em Delaware e Miami nos Estados Unidos, na praça de Londres, nas Ilhas Virgens britânicas e outros. Quase um terço do PIB mundial.
 
Panorama-
O financiamento público de campanhas, é a melhor saída para o combate da corrupção no país?

Dowbor-A reforma política tem o seu talão de Aquiles no financiamento das campanhas. Alceu Castilho, no seu livro O Partido da Terra, mostra que a Friboi bancou a campanha de 41 deputados federais, dos quais 40 votaram contra o Código Florestal. Quem paga manda. Tem circulado muito um artigo recente meu sobre a compra das eleições, está disponível online em http://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html/. Desde 1997, quando se liberou o financiamento corporativo das campanhas, o custo para ser eleito explodiu, atingindo 2,2 bilhões de reais na última eleição municipal. Os políticos ficam na mão das corporações. Temos a bancada das empreiteiras, a bancada ruralista, a bancada da grande mídia, dos grandes bancos, das montadoras, e ficamos à procura da bancada do cidadão. Na Polônia é vedado o financiamento corporativo, apenas pessoas físicas podem contribuir, até o montante de cerca de 4 mil dólares. No Canadá é definido o teto de quanto se pode gastar para cada nível de cargo. Há soluções de diversos tipos. O que é inviável, é manter o sistema atual, em que pagamos muito pelo processoeleitoral (as empresas incluem nisto nos custos de promoção e propaganda, que nós pagamos) e pagamos muito mais ainda pela deformação das políticas (os viadutos para mais carros em São Paulo etc.). É questão de bom senso. O interessante é que no Brasil você pode comprar um deputado através da contribuição de campanha, é legal. Mas comprar voto é ilegal. Cooptar um deputado pelas emendas parlamentares é novamente legal, mas você comprar o voto individual para um projeto é rigorosamente ilegal. Vale comprar um político por quatro anos, é rigorosamente legal, e o preço é de atacado.
 
Panorama-
Segundo a presidente Dilma Rousseff, a economia em 2013 teria mais competitividade do que em 2012. Passados 3 meses e meio de 2013, já dá para se ter uma ideia se isso se concretizará de fato?

Dowbor-A construção de ferrovias, portos, ou de hidroelétricas são projetos de maturação tipicamente de 15 anos. Eu entendo a Dilma dizer que o PIB melhora daqui a pouco, os jornalistas só olham por este buraquinho da fechadura e a pressão é grande. Mas nada muda em três meses e meio. E as coisas que mudam neste tipo de tempo não têm importância. O que precisamos olhar são as dinâmicas estruturais: o Pronaf, o Prouni (Programa Universidade para Todos), as ferrovias, os estaleiros navais, os 40 milhões que saem da miséria, o luz para todos, o aumento do salário mínimo, o aumento do emprego. A produtividade é o resultado de um conjunto de iniciativas convergentes, e a lógica destes investimentos é que tem de ser acompanhada.
 
Panorama-
O falecido banqueiro Olavo Setúbal do Itaú, dizia que o capitalismo não é justo mais eficiente. Essa visão é correta?

Dowbor-Falar em eficiência nos bancos comerciais no Brasil é até curioso. Ordem de grandeza 60% de juros para pessoa jurídica, 110% para pessoa física, 160% no cheque especial, 238% no giro no cartão, assim até freira fica eficiente. Quando você vende um produto, no crediário, cobrando 100%, você está reduzindo a capacidade de compra do cliente pela metade. Isto trava a economia, mas rende barbaridade para o intermediário financeiro, o cobrador de pedágio. O pobre, que não tem como pagar à vista, perde a metade da sua capacidade de compra. A economia esfria. E dizem “estamos facilitando…”. A pergunta não é se é eficiente, e sim eficiente para quem. A raposa é uma gestora eficiente de galinheiros, do seu ponto de vista, naturalmente.
 
Panorama-
As publicações britânicas “The Economist” e “Financial Times”, tem feito duras críticas sobre a condução da política econômica no Brasil. O senhor disse que nem leva isso em consideração já que se trata de interesses de grupos empresariais. Quais as principais distorções entre o que realmente acontece e o que é publicado por esses dois veículos?

Dowbor-Ambas publicações são competentes, e defendem com competência os seus interesses. Não estão preocupados com alguma “verdade”, e sim com a sua verdade, ou seja, os seus interesses. O Economist sempre defendeu os especuladores financeiros. Com a crise mundial de 2008, não sabia bem como sair da posição incômoda, não ousava mais chamar de “investors” os pilantras que tanto defendia. Resolveu a questão com elegância, passou a chamar os investidores institucionais, hedge funds e outros centros de malandragem – neste momento todos com processos na Justiça por fraude, manipulação da Libor e Euribor, lavagem de dinheiro, dupla contabilidade e gestão de dinheiro ilegal – de “speculative investors”. A Alemanha está se saindo melhor da crise não só porque tem uma indústria eficiente, mas porque o grosso das poupanças alemã, cerca de 60% estão locadas em caixas de poupança locais, assegurando que cada pequena cidade tenha como financiar projetos locais de desenvolvimento, em vez de navegar na especulação mundial. Em 2007, o Economist dizia que esta opção era um sinal de atraso, e que aplicar nos grandes grupos seria mais produtivo. Mais produtivo para quem? A Polônia é o país que melhor enfrentou a crise entre os países europeus, segundo o próprio Economist. Guardou o seu sistema anterior com 472 bancos cooperativos, em que os associados garantem que o dinheiro sirva para financiar o que é necessário e não intermediários. Balcerowicz, um dos economistas proeminentes na Polônia, comenta com bom humor que a Polônia foi salva por seu atraso no sistema bancário. Há pouco tempo ainda. e evidentemente antes da crise, o FMI assegurava calmamente que a globalização é um sistema que permite que o dinheiro flua para onde melhor servirá o desenvolvimento. Tutti buona gente.
 
Panorama-
O assunto economia é falado como se deveria pelos grandes orgãos de imprensa do nosso país?

Dowbor-A grande mídia deforma sistematicamente a compreensão dos processos econômicos. Não é por ignorância dos jornalistas, há muita gente competente, mas pela pauta política comandada pelos quatro grupos que gerem a informação no país. Por exemplo, o fato de não informar adequadamente sobre o escândalo dos juros ao consumidor final (veja-se ANEFAC para pesquisa mensal de juros realmente existentes) é simplesmente vergonhoso, A Veja, por exemplo, com o fim da CPMF, colocou na capa um leão com chapeuzinho de papai Noel, dizendo que o Leão estava devolvendo 80 bilhões para a população, quando se tratava dos bancos pararem de pagar sobre movimentações financeiras. Para a população era uma diferença simbólica, mas para os profissionais de movimentações financeiras, os bancos, era um ônus real. E era dinheiro que ia para a saúde, ou seja, o imposto tecnicamente mais performante e mais justo foi o único abolido. Sobretudo porque os bancos detestavam o rastreamento de movimentações que a CPMF permitia. Enfim, o FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o País, criado pelo jornalista Sérgio Porto o Stanislaw Ponte Preta) da grande mídia ainda está por ser escrito. O resultado é uma população desinformada sobre as opções econômicas. A convite do Akatu participei do lançamento de uma cartilha para as pessoas aprenderem a se proteger dos intermediários financeiros. Uma ONG ser obrigada a imprimir folhetos para proteger a população, francamente…,É interessante pensar que uma pessoa pode fazer todo o ciclo escolar sem nunca ter tido uma única lição sobre como funciona o dinheiro, mecanismo principal das dinâmicas econômicas.
 
Panorama-
Hoje a taxa Selic está em 7,5% ao ano, muito analistas dizem que o ideal seria que essa taxa fosse de 5% ao ano. E para o senhor, existe uma taxa ideal?

Dowbor-A taxa Selic foi um instrumento impressionante de transferência de recursos públicos para rentistas, pessoas que vivem de renda financeira, em vez de investir e produzir. Em 2002 a taxa Selic estava em 24,5%.Tinha chegado a 46%. O cidadão põe a sua poupança no banco, que lhe paga quando muito 8% ao ano. O banco coloca este dinheiro em títulos públicos, remunerados pela Selic a 24,5%. O governo paga isto com os impostos pagos pelo cidadão, que de um bolso deposita no banco que lhe paga 8%, enquanto de outro bolso tira 24,5% para dar ao governo para que este remunere o banco pelo prazer de ter o seu dinheiro. Centenas de bilhões de reais de dinheiro público foram (e estão sendo, ainda que com taxa incomparavelmente menor) assim transferidos para intermediários financeiros. A taxa Selic não tem efeito significativo sobre a inflação, esta constitui um pretexto. O que é significativo é o juro ao tomador final. Na realidade, este juro ao tomador final é tão elevado, que contribui para a elevação dos custos de produção. É fator de custos elevados, e portanto de inflação. Mas ao ler a mídia, a confusão que é gerada entre a taxa Selic e os juros ao tomador final (os que são apresentados por exemplo na pesquisa mensal mencionada da ANEFAC), simplesmente evita que a população entenda a dinâmica. A taxa Selic, descontando a inflação, é hoje bem mais razoável, uma vitória deste governo. Mas pode baixar mais sim, apesar dos gritos dos rentistas que agitam o espectro da inflação a cada 0,25% de queda da Selic.
 
Panorama-
No ano passado o senhor disse a seguinte frase:”Não basta elegermos prefeitos e políticos de um modo geral, a própria política deve ser um instrumento, de controle e articulação dos próprios sistemas econômicos”. Como fazer isso acontecer , já que sabemos como é a dura realidade da política nacional?

Dowbor-O conceito é o que descrevi no meu último livro, Democracia Econômica, http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/12-DemoEco1.doc ; Temos avançado muito na linha da transparência do setor público, tanto graças à informatização como graças à lei da Transparência de Maio de 2012. Mas na área privada a transparência estagna. Foi preciso uma pesquisa internacional em bancos receptores em diversos países (pesquisa mencionada de James Henry, que foi economista chefe da McKinsey) e o vazamento Offshore Leaks para que se soubesse que o dinheiro brasileiro em paraísos fiscais é da ordem de um quarto do PIB. Dinheiro honesto não precisa se esconder. E deve sim pagar impostos devidos. O conceito de Democracia Econômica está vinculado a esta visão, de que a gestão do país não vai melhorar com apenas participação político-eleitoral, ou seja, quando resumimos a nossa participação cidadã a colocar um boletim na urna a cada dois ou cada quatro anos. Onde funciona bem a economia, de forma equilibrada e com visões de sustentabilidade ambiental e social, é onde os cidadãos participam de maneira muito mais ativa do processo decisório. Tivemos por exemplo uma reunião com Owe Pedersen, da Dinamarca, ele explica que em vez de fazer opções ideológicas entre mercado ou planejamento estatal, eles trabalham com o conceito de negotiated economy:: uma empresa que pensa se instalar numa cidade, irá consultar a prefeitura sobre onde melhor se fixar para evitar transtornos de transporte, os movimentos sociais para discutir impactos ambientais, as outras empresas para ver como se inserir melhor nas sinergias econômicas locais. Demora um pouco mais, mas depois funciona muito melhor, porque há uma inserção efetiva da atividade econômica no contexto social, ambiental, cultural e econômico. Democracia funciona, na área econômica também. Ser eficiente com objetivos errados não ajuda nada.

03 de junho de 2013
Colaboração do jornalista Eder Fonseca, Diretor-Executivo do portal Panorama Mercantil

EM "HANÓI", ADRIANA LISBOA RETRATA PERSONAGENS FORA DO LUGAR

 

 

David é um brasileiro de 30 e poucos anos radicado em Chicago. Filho de uma imigrante mexicana, toca trompete e é apaixonado por jazz. Quando ele descobre que tem pouco tempo de vida, começa o seu aprendizado do desprendimento, que o leva a deixar para trás tudo que não é essencial. Alex é uma jovem descendente de vietnamitas, mãe solteira, que tenta a duras penas conciliar trabalho, estudo e maternidade em um ambiente muitas vezes hostil. No desenho desses dois personagens que se entrelaçam já estão presentes as questões que movem a narrativa de “Hanói”, novo romance de Adriana Lisboa (Alfaguara, 240 pgs. R$ 39,90): a transitoriedade da vida, o desenraizamento, as adversidades enfrentadas por imigrantes na sociedade americana, a miscigenação e o encontro/desencontro de culturas. 

 
Adriana conta uma história de amor e perseverança, mas também de aceitação e renúncia, na qual as escolhase decisões de cada personagem afetam o destino dos que estão ao seu redor. Nesta entrevista, a escritora fala sobre o processo de criação da “Hanói”, sobre sua relação com a música e sobre sua própria experiência como imigrante na América, onde vive há sete anos.
Leia aqui um trecho do livro.

- Li dois ou três posts seus na internet no ano passado falando sobre a dificuldade de escrever ‘Hanói’, de dar uma unidade à narrativa. O processo de criação foi diferente daquele dos seus outros romances? Você passou por alguma crise?
 
ADRIANA LISBOA: Na verdade, a escrita de “Hanói” não foi mais difícil do que a dos outros romances. É sempre delicado encontrar o narrador certo, e o narrador faz a história, é ele quem determina o tom da narrativa. Quando comecei a escrever “Hanói”, dois narradores em primeira pessoa se alternavam a cada capítulo. Não deu certo, voltei ao início optando pela terceira pessoa cujo foco acompanha ora David, ora Alex, os dois protagonistas. O encontro da voz narrativa é sempre aquilo que, no meu trabalho, define o livro, e nunca é simples. Em “Azul corvo” tive uma narradora que me ajudou muito, a personagem Vanja. De todo modo, não foi trivial tratar o tema de “Hanói,” buscando evitar o drama e as reflexões açucaradas tão comuns em torno de um personagem jovem que descobre que tem pouco tempo de vida. 2012 também foi um ano difícil para mim, pessoalmente, e muitas vezes a atitude de David, descartar-se do que é supérfluo e encarar a existência, em toda sua fragilidade, nos olhos, era a atitude que eu mesma precisava aprender a ter. Acho que esse livro foi um divisor de águas.

- ‘Hanói’ combina o tratamento cuidadoso da linguagem habitual na sua ficção com uma estrutura mais vaga, na qual o enredo parece importar menos que a o registro de estados emocionais e mentais dos personagens. Isso aponta para uma mudança na sua literatura?

ADRIANA: Curiosamente, considero “Hanói,” com um enredo bem mais simples do que meu romance anterior, um texto mais ágil. O que vem mudando na minha literatura, penso, é uma predileção crescente pelo que é simples e direto. Pode parecer um paradoxo diante do que você chama de cuidadoso tratamento da linguagem, e de fato sou muito atenta para as minúcias do texto, mas ando cada vez mais afeita, nos livros e na vida (e como separar uma coisa da outra?), daquilo que em inglês é definido por uma expressão ótima: “no nonsense” – a intolerância ao que é irrelevante.
- Como nasceram os protagonistas David e Alex? Eles têm conexão com pessoas reais que você conheceu, ou episódios que você viveu?



ADRIANA: Não têm conexões reais. Eu queria trabalhar com um personagem músico, pela primeira vez. Tive ajuda de algumas pessoas para compô-lo – um amigo trompetista, sobretudo. As passagens de David no livro foram quase sempre escritas ao som das músicas que faziam parte da vida dele. Quanto a Alex, veio por outro viés. Trabalhei por um tempo com refugiados em Denver e penetrei um pouco nesse universo tão específico e tão peculiar, diferente do universo dos outros imigrantes, legais ou ilegais. Com isso interessei-me pela história dos filhos de mulheres vietnamitas com soldados americanos durante a guerra, crianças que não tinham lugar em lugar nenhum do mundo e no Vietnã eram conhecidas como “bui doi”, o “pó da vida”. Mais tarde, muitos puderam se mudar para os Estados Unidos, mas não tinham qualificações nem falavam a língua. Assim surgiram a avó e a mãe de Alex, e também o personagem Trung, dono de um pequeno mercado asiático e ex-monge budista no Vietnã.

- O tema do desenraizamento, explicitado na situação dos protagonistas, me parece recorrente na sua ficção Você se sente deslocada no mundo? A literatura é uma forma de se encontrar?

ADRIANA: Tem sido um tema recorrente de alguns anos para cá, nos últimos três romances. Quando escrevi Rakushisha, morava no Brasil, mas tinha as memórias de ter sido imigrante na França, com uma porção de dificuldades. Para escrever o livro passei um mês em Kyoto com uma bolsa da Fundação Japão. O tema do deslocamento, do desenraizamento, era óbvio. No ano seguinte vim para o Colorado, uma mudança de país e também para uma paisagem física tão distinta. A existência é rarefeita, o espaço é imenso, e grandes centros urbanos como Los Angeles e Nova York estão longe. Isso tudo, meu estranhamento e curiosidade, vazaram para Azul corvo. Já em Hanói aparecem os refugiados, essa gente tão violentamente desenraizada, que às vezes passa décadas vivendo em condições precárias em campos de refugiados até ser aceita por um novo país onde continuará, em muitos casos, fora do lugar e do eixo.
Ser imigrante é uma experiência bem vinda, porque isso me tira da zona de conforto e sublinha coisas que eu de hábito não notaria, tanto no lugar onde moro quanto no lugar de onde venho, já que mudei o ângulo de observação, mas também convivo com uma sensação muito grande de deslocamento no mundo. Vilém Flusser escreveu uma passagem que cito com frequência: “o cedro é estrangeiro no parque, eu sou estrangeiro na França, o homem é estrangeiro no mundo.” Essa “estrangeiridade” é insolúvel, portanto a literatura não é uma forma de me encontrar. É apenas uma forma de elaborar e expressar isso.

- As digressões sobre a transitoriedade da vida que pontuam a narrativa lembram em alguns momentos Clarice Lispector. Você assume essa influência? Considera sua escrita clariceana?

ADRIANA: Não. Embora eu tenha lido bastante Clarice – sobretudo os contos, muitos dos quais acho magníficos, o ponto alto da sua obra – não acredito que haja uma influência significativa da obra dela naquilo que escrevo. Eu poderia listar seus contos entre as minhas influências, de modo geral, mas não diria que minha escrita é clariceana.

- David é trompetista, e esse dado é bastante relevante na história. Fale sobre a importância da música em “Hanói”.

ADRIANA: Fui musicista durante mais de dez anos. Isso, ao lado da leitura de poesia, que sempre me acompanhou, tornam a musicalidade do próprio texto muito importante para mim. Em “Hanói,” a música se entrelaça na narrativa com um personagem trompetista. Cheguei a criar uma playlist para o livro. Acho também relevante o fato de que a música muitas vezes serve de ponte entre culturas, transcendendo questões de idioma (uma barreira para a literatura), e me fascina a capacidade fraternizadora do jazz. Essa união que parecemos ter às vezes com as outras pessoas na plateia de um show. A música ao vivo é uma experiência única, que você não leva para casa nem mesmo num CD. Que testemunha, experimenta num momento e lugar específicos, que vem e passa, mas que fica, na medida em que forma a sua experiência. Quando David começa a se descartar de tudo o que tem, a música fica. O seu trompete fica, a sua vontade de ir a concertos de jazz, e sua vontade de terminar a vida ouvindo Ella Fitzgerald cantando “Sweet Georgia Brown.”

- E a música na sua vida? Aos 18 anos você cantava MPB em Paris. Fale também sobre a diferente presença da música nos seus livros, como “Sinfonia em Branco”.

ADRIANA: A música me acompanha desde muito cedo. Meus pais faziam saraus com os amigos em casa quando eu era criança, passei a adolescência tocando e ouvindo de tudo. Meus discos e livros eram uma companhia íntima, algo que eu dividia comigo mesma – e abandonei a música em parte porque nunca me entendi muito bem com a performance. É curioso que se espere do escritor, hoje em dia, que seja tão performático! Quando penso na solidão do meu quarto de adolescente e nos cadernos onde rabiscava contos e poemas, nada me parece mais estranho do que os grandes eventos literários…
Comecei a trabalhar como cantora de MPB na França aos 18 anos. Voltei em seguida para o Rio e decidi me graduar em flauta transversa. Dei aulas e toquei com grupos de estilos variados. Mas no dia do meu recital de formatura me dei conta de que aquilo não era o que eu mais queria da vida. A literatura também estava presente desde muito cedo, e era a minha forma de expressão mais sincera, então me propus escrever um primeiro romance. Mas a música, por todos esses motivos, está sempre ali. Seja na consciência da musicalidade do texto, seja em referências recorrentes. Às vezes os próprios livros têm para mim uma qualidade musical, têm estilos musicais.

- Com que escritores – vivos ou mortos, prosadores ou poetas – você mais dialoga hoje?

ADRIANA: Sem pensar muito, porque acho que essa pergunta não pede reflexão mas espontaneidade: as referências mais importantes para mim, ao longo da vida, foram Machado, Bandeira, Guimarães Rosa, o Saramago dos anos 80, Emily Dickinson, e hoje em dia gente como Ian McEwan, Toni Morrison, Paul Harding, também Miranda July, poetas americanos contemporâneos como W.S. Merwin e Elizabeth Spires, poetas brasileiros contemporâneos como Mariana Ianelli, Claudia Roquette-Pinto, Eucanaã Ferraz, Paulo Henriques Britto e Antonio Cicero, romancistas brasileiros como Rodrigo Lacerda, Michel Laub e Adriana Lunardi, mas também Rumi, Bashô, Hermann Hesse, Yasunari Kawabata. Talvez caiba acrescentar que venho estudando há algum tempo a filosofia budista, e autores como Robert Thurman e Chögyam Trungpa frequentam minha mesa de cabeceira com a mesma assiduidade dos ficcionistas e dos poetas.

- Por que você decidiu morar nos Estados Unidos? Como é sua vida aí? Se sente integrada ou é vista como imigrante? Você pretende voltar?

ADRIANA: No momento não estou pretendendo sair dos Estados Unidos. Gosto de ser imigrante (claro, sou vista como imigrante, sempre), gosto das diferenças e há muito que me interessa aqui, embora na verdade haja coisas boas e ruins em todos os lugares do mundo, e seja difícil para mim chamar algum deles de “casa.” Além disso, o meu filho está nos últimos anos da escola, então vamos ficando. Sinto, claro, saudades do Brasil, onde estão todos os meus familiares e vários amigos queridos, mas vou ao Rio com alguma frequência.

Vim morar nos Estados Unidos há quase sete anos, convidada pelo meu companheiro, que trabalha para uma empresa americana, e que havia escolhido o Colorado fascinado pela mesma paisagem física que também me fascinou. Mas é possível que no futuro a gente queira experimentar viver noutro canto do país. Talvez a Nova Inglaterra, pelo contraste, e porque temos bons amigos lá.

- Como você lida com a digitalização dos livros e dos textos e a crescente importância da internet? Como enxerga o futuro do livro e da literatura?

ADRIANA: Sempre passei meio ao largo dessa discussão sobre livros digitais/internet e literatura. É que para o meu próprio trabalho o suporte não interessa tanto, eu não uso – pelo menos não por enquanto – recursos da internet/multimídia para escrever (a não ser, claro, para pesquisa), então no fundo só o que muda é se o livro será um objeto de papel ou um ebook. Quanto ao futuro do livro e da literatura, acho que eles terão espaço como sempre tiveram, embora a sua função, como já dizia, lá se vão 15 anos, Peter Sloterdijk em suas “Regras para o parque humano”, seja outra: já não se trata mais da domesticação da humanidade via leitura/literatura. Talvez a sua função seja agora mais modesta, menos grandiosa e quem sabe menos arrogante também, o que encaro como algo bastante positivo. Se sobrevivermos a nós mesmos, e a esta campanha que parecemos estar fazendo para dizimar a nossa própria espécie e várias outras – que é o que me preocupa de verdade – estou segura de que continuaremos fazendo e lendo literatura.

03 de junho de 2013
Luciano Trigo

40 MINISTÉRIOS + PT = 180 MIL PETISTAS INCAPACITADOS EMPREGADOS E R$ 40 BILHÕES A MAIS NA FOLHA


Em dez anos, quase dobrou o número de ministros e secretários com status de ministros no topo da administração federal, em Brasília. A conhecida Esplanada dos Ministérios abrigava 21 ministros e secretários em 2002, e termina o ano de 2012 com 38 titulares e com o 39º ministério, o da Pequena e Micro Empresa, prestes a ser ocupado. A presidente Dilma Rousseff ainda pode ampliar esse recorde e chegar a 40ª pasta, se cumprir a promessa de criar o Ministério da Irrigação Nacional, feita aos governadores do Nordeste no início do ano.
Para fazer funcionar esses ministérios, no mesmo período aumentou também o número de servidores ativos do Executivo Federal e, por consequência, o custo da folha de pagamento. O contingente de servidores passou de 809,9 mil para 984,3 mil. Já os salários, que consumiam R$ 59,5 bilhões em 2002 (ou R$ 115,9 bilhões em valores já corrigidos), chegaram a R$ 154,5 bilhões até agosto deste ano.
Com o primeiro e segundo escalões do governo dominados por feudos de aliados, Dilma tentará convencer o PSD do prefeito Gilberto Kassab a aceitar o Ministério da Pequena e Micro Empresa, criado em votação na Câmara há pouco mais de uma semana (falta a votação no Senado). É, por enquanto, a parte que cabe ao novo partido nesse latifúndio.
Esta nomeação seria o passaporte para o PSD aderir ao projeto de reeleição de Dilma, em 2014. Kassab já declarou esse apoio, mas seu partido, com 54 deputados, ainda tenta melhorar a proposta presidencial.
O estouro do número de ministérios para acomodar novos partidos da base governista, sindicatos e movimentos sociais ocorreu no primeiro governo Lula, que pulou das 21 pastas do último ano do governo Fernando Henrique Cardoso para 34 no primeiro mandato petista, 37 no segundo e 39 com Dilma. No governo Collor existiam só 12 ministérios.

Econmistas avaliam que a criação de pastas se dá mais em função de acertos políticos do que pela lógica econômica ou de melhoria dos serviços públicos. E alertam para o risco de comprometimento das contas públicas, num momento de estouro da meta de superávit primário, descontrole do gasto com custeio e baixo investimento em áreas estratégicas, como infraestrutura.
Vizinhos têm menos pastas
Só para se ter uma ideia do gigantismo da máquina administrativa brasileira, a vizinha Argentina tem 16 ministérios, o Chile, 22, e a Alemanha, a quarta maior economia do Mundo, também 16 .
— O problema é o aumento do gasto com custeio, com baixo investimento. A gente vai ter uma piora do quadro fiscal este ano. Para que criar mais uma superestrutura só para dividir poder? Só se tivesse uma justificativa muito grande, o lançamento de um grande programa na área de pequena e micro empresas, o que não é o caso. Depois vem um Collor da vida e extingue a pasta e deixa no lugar um buraco e um enorme passivo — avalia Margarida Gutierrez, do grupo de Conjuntura da UFRJ.
No início do governo Lula, o Ministério da Pesca foi criado para abrigar o PT de Santa Catarina e hoje hospeda evangélicos do PRB do ministro Marcelo Crivella (RJ). Foram criadas também as secretarias/ministérios da Mulher, Negros e Direitos humanos para acolher “movimentos sociais”.
O Ministério da Agricultura e suas empresas subordinadas, como a Conab (de abastecimento), sempre foram feudos do PMDB. Demitido sob suspeitas de irregularidades e denúncias de corrupção no ano passado, o ex-ministro Wagner Rossi (PMDB-SP) foi acusado de montar na pasta uma “central de negócios”.
O mesmo acontece com o Ministério do Trabalho, comandado pelos sindicatos e pelo PDT do ex-ministro Carlos Lupi, também apeado do cargo ao final de denúncias de corrupção na pasta. Já o de Transportes, dominado pelo PR de Valdemar Costa Neto ao longo do governo Lula, sofreu uma devassa no ano passado e a presidente precisou intervir, trocando todo o comando do Ministério e o Dnit, o departamento que cuida das rodovias. O mesmo aconteceu no Ministério do Esporte, sempre comandando pelo PCdoB desde que o PT chegou ao Planalto.
A criação da pasta da Pequena e Micro Empresa é considerada dispensável, porque já há outros órgãos que cuidam especificamente das políticas do setor: Sebrae (sistema S); a Apex (Agência de Promoção de Exportações), que estimula as pequenas empresas; e um grupo ministerial permanente, com representantes dos ministérios, coordenando os programas desses órgãos.
“Ministérios para inglês ver”
O economista Mansueto Almeida, do Ipea, alerta para a criação de um emaranhado de estruturas que se misturam, sem resultados satisfatórios. No caso da Irrigação, já há três ministérios que, teoricamente, deveriam resolver esse problema: Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Integração Nacional, além de órgãos como Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco). Os especialistas lembram que pastas criadas para barganha política, como o Turismo, acabam como “ministérios para inglês ver”, já que se coloca dinheiro em seu orçamento, mas depois há contingenciamento e os projetos não são executados.
— Já tem esses órgãos todos para cuidar das micro e pequenas empresas. Se não funcionam, é outro problema, que não será resolvido com a criação de mais um ministério, a não ser pelo objetivo político. O governo deveria estar muito mais preocupado com a avaliação das políticas já existentes, como a política setorial. Não faz sentido criar mais ministérios — diz Mansueto.
 
03 junho de 2013

O PODER DO CONSUMO É ETERNO, TODO O RESTO CAMINHA EM VOLTA DELE

 

 
Não entendo como ninguém, sem ter sido hóspede do Pinel, pode defender o fim da “era do consumo”. Principalmente economistas.

As sociedades se organizam em torno do consumo e se fundem e se difundem (mas não se confundem) para atender a ele, a produção (indústria), o comércio (financiamento), serviços (renda), investimento (crescimento, emprego e impostos), aumento de compra e venda, interna e externa (exportação e importação) satisfazem e preenchem as necessidades das populações, refazem e recomeçam o mesmo círculo.
 
Dizer que é preciso fazer crescer a produção e diminuir o consumo, só não é loucura por ser ininteligível. É lógico que a produção tem que aumentar, pois se o consumo for maior, sobem os preços, caem as vendas, aumentam as inadimplências, a inflação se eleva, o caos é total.
 
Ao contrário, se houver consumo, a produção tem que aumentar mesmo, mas com financiamento, mercado garantido, preservação do emprego e dos salários.
E os preços caem normalmente. Portanto, aumento cada vez maior da produção, nota mil, mas sem colocar o pé no freio do consumo. Sem consumo não há produção, sem produção não há consumo. Com todas as inconveniências dos itens complementares desse círculo indestrutível. E renovável, renovado e sempre se renovando, em benefício da coletividade.
 
OSCAR, O MÃO SANTA
 
Não merecia (ninguém merece) esses dois tumores no cérebro, descobertos num exame de rotina. Impressionante sua afirmação: “Nunca bebi, nunca fumei, nunca me droguei ou me dopei, pensei que fosse chegar ao 90 anos”. Inacreditável mesmo, Oscar, mas pelo que dizem os médicos, seu calendário de vida não ser alterado.
 
REFLEXÃO
 
Depois da tortura, a maior crueldade do sistema é o desemprego.
 
FESTA NA FEBRABAN
 
Ficaram surpreendidos (agradavelmente, lógico) com os juros indo para 8%. Esperavam de 7,50% para 7,75%, mas isso foi vetado até psicologicamente, uma das explicações para a unanimidade do Copom.
 
Na quarta era muito tarde, na quinta, dia de trabalho, como fazer a confraternização? Mas veio o feriado de “Corpus Christi”, todos liberados, ateus do crédito, religiosos e crentes dos lucros, se reuniram nos mais diversos lugares. Mesmo na euforia, é preciso preservar as divergências, as invejas e os ciúmes.
 
Hipocrisia, euforia, a liturgia do enriquecimento, quanto mais incentivado pelo Estado, logicamente mais legítimo e mais legitimado.
 
DÓLAR RESISTENTE
 
Na sexta-feira, o BC vendeu quase um bilhão da moeda, para ver se ela baixava. Não adiantou. Fez caixa, mas esse não era o objetivo, a moeda bate os recordes de 2009. Mantega, distante: “Não tenho nada com câmbio”. É muita divisão ou divergência.
 
CIRO GOMES x EDUARDO CAMPOS
 
Conversa longa, sem muita perda de tempo, mas também rigorosamente confortável. E logicamente, com tanta distância do objetivo, nenhum resultado. O governador de Pernambuco tem pressa, precisa do ex-governador do Ceará, mocíssimo e irmão do atual.
 
Ciro não tem pressa, não quer nada de Campos, mas não esquece de que foi abandonado quando era presidenciável. É novela para ser conhecida depois de 2013. Muitos capítulos conhecidos, têm que se ser reescritos. Mas a quatro mãos.
 
TV CULTURA
 
Durante o processo de “filtragem” na Fundação Anchieta, para escolha do presidente da TV, comentei aqui: “Por que tanta briga por um canal sem audiência?”. Citei a BBC como exemplo de televisão oficial, e a conversa que tive com Franklin Martins (provocada por mim como colaboração, não aproveitada), em que eu analisava que a futura (atual) TV Brasil gastaria uma fortuna e seria o fracasso que se confirmou.
 
Agora, em artigo na Folha, André Mantovani, com a competência habitual e o sustentáculo dos títulos (incluindo a própria direção da Fundação Anchieta), resume tudo numa frase perfeita e irrefutável: “A TV Cultura envelheceu mal”.
 

Com números abaixo de zero (ele colocou “depois da vírgula”, com elegância), não pode ser um desperdício. As TVs estatais que não seguem a BBC estão condenadas ao desperdício. Acontece que os governos no Brasil, venham de onde vierem, não têm tradição de convivência com a renovação ou a independência.
 
JUROS NO JAPÃO
 
De 0,1% ao ano, o BC de lá elevou a taxa para quase 0,8%, incomparável com a do Brasil. Mas o mercado, que há anos convivia e aceitava o juro muito mais baixo, não gostou da mudança. Protestos gerais, deve haver modificação. E eles não têm inflação.
 
A “GOVERNADORA” GLEISI HOFFMANN
 
Só age, só atua, só vive para o Paraná. Mas vem sofrendo desgaste diário. Sua “briga” com Eduardo Braga, senador, líder do governo de Dona Dilma, destaque no Estado. Agora foi massacrada. Por quem? Renan Calheiros, que coisa.
Beto Richa, candidato à reeleição, festeja diariamente. A chefe da Casa Civil pelo menos terá mais 4 anos no Senado. Um dos erros da legislação é a “herança dos cargos”, reservada pelos próprios.
 
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PS – Primeiro o jogo, depois o Maracanã. Justíssimo o primeiro tempo, seria exigir demais, com essa monótona e medíocre Inglaterra, que só aos 39 minutos e meio passou da metade do campo, forçando Julio Cesar a boa defesa.
 
PS2 – No time do Brasil, destaque para Neymar, apesar de não ter feito gol. Aos 18 quase fez, driblou o zagueiro, estava praticamente “colado” ao goleiro, não dava para inventar ou improvisar. Mas driblou, chutou, entregou, 5 ou 6 vezes.
 
PS3 – O arcaico Felipão, na beira do campo, fazendo sinais cabalísticos mas não futebolísticos. E ia barrando o Paulinho pelo Hulk, os dois não fizeram nada. Aos 35, por acaso, Hulk ia fazendo um gol de calcanhar, raspou a trave. E Lucas de fora, esperando. Mas vai entrar no lugar de alguém, qualquer um, menos Neymar.
 
PS4 – Aos  30 minutos, 30 faltas dos dois times, 15 para  cada lado. Coincidência ou inapetência? E lá se foram esses 45 minutos, nenhuma emoção.
 
PS5 – Aos 12 minutos, Fred, que não fizera nada no primeiro tempo, pega um rebote da trave, faz 1 a 0. Felipão ri, se abraça com os também arcaicos Murtosa e Parreira, tenta “eternizar” um lance, puramente ocasional e mais nada.
 
PS6 – Aos 20 e 21 minutos, quase a Inglaterra marca um gol, uma vez de escanteio. Mas aos 21,40 faz, um bola chutada com 5 brasileiros à sua frente. Felipão “amarra a cara”, balança os braços, desalento. 1 a 1. Não esperava?
 
PS7 – Aos 33, outro gol da Inglaterra, que não poderia ter sido feito. Um monte de jogadores na frente dos nossos, igual ao primeiro deles. Parecia a tragédia de Felipão, que deveria estar se perguntando, “serei substituído pelo Cuca ou pelo Tite?”. E a “família”?
 
PS8 – Só que aos 37, Paulinho, no seu estilo de grande revelação, num golaço, empata o jogo. E não houve mais nada, sem derrota. O suficiente para Felipão ser endeusado ao vivo e a cores, por muitos comentaristas. Acompanhem durante a semana.
 
PS9 – Agora o espetáculo. Maravilhoso, que beleza, a palavra certa é deslumbrante. Por qualquer ângulo, admirável. Só perde para o Maracanã-símbolo de sempre, na comparação da capacidade. 70 mil pagantes, excelente.
 
PS10 – Mas não podemos esquecer dos 187 mil pagantes de 1970, eliminatória Brasil-Paraguai, o recorde de sempre, do ponto de vista externo. E os 173 mil do Fla-Flu, insuperáveis na citação eterna. Mas que provocam enorme saudade. Principalmente com o futebol que se joga hoje no Rio, e não merece os 20 mil abnegados que geralmente comparecem.
 
PS11 – Uma pena que toda essa arena sensacional seja entregue á incapacidade de Eike Batista. Há 4 ou 5 anos comprou o Hotel Glória, as obras “continuam” dia e noite, infernizando a vida dos moradores.
 
PS12 – Um filho e um neto deste repórter, deslumbrados por assistir a volta do estádio, iam me passando as emoções. Frequentei o Maracanã durante 40 anos.
 
PS13 – As imagens externas do Maracanã, de helicóptero, imperdíveis, só vistas de casa, pela televisão.  
 
PS14 – FHC estava n a reinauguração do Maracanã. Não foi vaiado nem aplaudido, pelo fato de não ter sido reconhecido. Foi com Aecio. Durante oito anos de presidente, FHC não foi ao estádio. Aecio pelo menos foi uma vez.

03 de junho de 2013
Helio Fernandes

LIÇÃO CHINESA PARA CRESCER


O crescimento do PIB brasileiro de 0,6% decepcionou analistas, empresários e trabalhadores. No momento em que discutimos o que fazer para crescer mais, é interessante olhar outros países.
Exemplo importante é o da China, onde a produção industrial caiu pela primeira vez em sete meses. O país, que dependia muito de EUA e Europa, enfrentou a contração das exportações pós-crise de 2008 com investimentos maciços em infraestrutura e estímulo a crédito e consumo.

Mas hoje as previsões de crescimento recuam, e cresce a preocupação com o alto endividamento do governo e do setor privado. A China enfrenta ainda questões estruturais, como o aumento do custo do trabalho, as limitações da moeda desvalorizada e o envelhecimento da população.

Analisando as causas do problema, verifica-se que fortes controles governamentais sobre preço da energia, câmbio e juros, entre outros, resultaram em má alocação de capital e crescimento desequilibrado.

Agora líderes chineses creem que maior despesa pública e intervenção governamental poderiam piorar a situação.
O novo premiê chinês, Li Keqiang, disse no mês passado que “o governo central reduzirá o papel do Estado na economia visando liberar a energia criativa da nação”.

Há também esforços para reduzir controles e distorções de preços. “Se seguirmos dependendo excessivamente do direcionamento do governo nos mercados e de políticas econômicas para estimular o crescimento, será difícil criar crescimento sustentável, e isso pode produzir novos problemas e riscos”, disse Li.

Numa frase surpreendente para um governo ainda formalmente comunista, Li afirmou: “O mercado é o criador da riqueza social e do desenvolvimento econômico autossustentável”. Disse ainda que o governo deve tornar a administração menor e mais eficiente e delegar poderes ao setor privado para estimular investimento. E sugeriu que a intervenção governamental foi parcialmente responsável pela criação de excesso de capacidade produtiva e má alocação de capitais.

Pequim já sinaliza que, apesar da desaceleração, é improvável a adoção de mais estímulos como os de 2008. E que se preocupa com o aumento da dívida pública, principalmente nas províncias, e da inadimplência bancária.

Medidas têm sido tomadas para transferir poder de decisão à iniciativa privada, eliminando controles e burocracia para facilitar o desenvolvimento dos negócios. Se exitosas, transformarão a China em competidor ainda mais forte e inovador, com maior equilíbrio no investimento e no consumo.
Disse o premiê, finalmente: “Toda a sociedade aguarda ardentemente novas reformas fundamentais”. (artigo enviado por Mauro Julio Vieira)

NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG - Quem lê o Meirelles fica até pensando que a China está dando uma guinada liberalizante. Fala sério! A tendência mundial é justamente o contrário. Com a derrocada da maioria dos países da União Europeia e a crise nos Estados Unidos e no Japão, já existe consenso de que não se pode prescindir do Estado. Como em tudo na vida, o equilíbrio está no meio. Nem capitalismo, nem socialismo. O que serve é o neossocialismo ou neocapitalismo, uma simbiose do que há de melhor em cada sistema político-administrativo. (C.N.)

03 de junho de 2013
Henrique Meirelles (Folha de São Paulo)