O tema era imigração para o Brasil no século 21. A receita de macarrão instantâneo, incluída a meio caminho de uma redação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), não provocou todavia reações de monta entre os encarregados de corrigir a prova.
O texto foi aprovado, conforme revelou o jornal "O Globo". Obteve 560 pontos dos mil possíveis. Outra redação continha trechos do hino de um time de futebol.
O episódio se tornou motivo de piada, acrescentando tons de absurdo ao mais importante instrumento de avaliação dos alunos de ensino médio do Brasil, já combalido por fraudes, escândalos e anulações de provas.
"Motivo de piada" talvez seja uma imprecisão. Tratava-se, desde o início, de piada. O mais provável é que os autores das redações quisessem testar, de forma temerária, o rigor dos examinadores. Naquela típica mistura adolescente de irreverência e tédio, preencheram com o que lhes veio à cabeça o espaço exigido.
Não é esse o menor sintoma da crise do sistema educacional brasileiro. Não se reconhece -e o problema já transparece nas próprias relações entre aluno e professor- a legitimidade do ensino.
O desdém e o vale-tudo predominam. Para cúmulo dos males, as autoridades educacionais adotam uma atitude de paternalismo.
O medo de reprovar, assim como a tentativa de não engrossar estatísticas alarmantes sobre a qualidade do ensino, fecha o círculo vicioso. Não há exagero em observar que o professor leniente, em geral, atrai mais desprezo que afeição de seus alunos.
A leniência se reflete para além do caso das redações chistosas. Vários alunos obtiveram a nota máxima na prova, apesar de graves falhas de ortografia (como "trousse", em lugar de "trouxe"). É no mínimo estranho que nem mesmo uma fração da nota tenha sido descontada.
Prevalece um delírio pedagógico segundo o qual o aluno deve ser protegido de "discriminações" por desconhecer a norma culta. O estudante que recebe nota máxima por um texto crivado de erros não está sendo "protegido" de nada, mas, sim, vítima de uma fraude.
Sabe disso, aliás. Daí o desprezo, a inutilidade que atribui ao ensino recebido. Ou melhor, não recebido.
23 de março de 2013
Editorial da Folha
O texto foi aprovado, conforme revelou o jornal "O Globo". Obteve 560 pontos dos mil possíveis. Outra redação continha trechos do hino de um time de futebol.
O episódio se tornou motivo de piada, acrescentando tons de absurdo ao mais importante instrumento de avaliação dos alunos de ensino médio do Brasil, já combalido por fraudes, escândalos e anulações de provas.
"Motivo de piada" talvez seja uma imprecisão. Tratava-se, desde o início, de piada. O mais provável é que os autores das redações quisessem testar, de forma temerária, o rigor dos examinadores. Naquela típica mistura adolescente de irreverência e tédio, preencheram com o que lhes veio à cabeça o espaço exigido.
Não é esse o menor sintoma da crise do sistema educacional brasileiro. Não se reconhece -e o problema já transparece nas próprias relações entre aluno e professor- a legitimidade do ensino.
O desdém e o vale-tudo predominam. Para cúmulo dos males, as autoridades educacionais adotam uma atitude de paternalismo.
O medo de reprovar, assim como a tentativa de não engrossar estatísticas alarmantes sobre a qualidade do ensino, fecha o círculo vicioso. Não há exagero em observar que o professor leniente, em geral, atrai mais desprezo que afeição de seus alunos.
A leniência se reflete para além do caso das redações chistosas. Vários alunos obtiveram a nota máxima na prova, apesar de graves falhas de ortografia (como "trousse", em lugar de "trouxe"). É no mínimo estranho que nem mesmo uma fração da nota tenha sido descontada.
Prevalece um delírio pedagógico segundo o qual o aluno deve ser protegido de "discriminações" por desconhecer a norma culta. O estudante que recebe nota máxima por um texto crivado de erros não está sendo "protegido" de nada, mas, sim, vítima de uma fraude.
Sabe disso, aliás. Daí o desprezo, a inutilidade que atribui ao ensino recebido. Ou melhor, não recebido.
23 de março de 2013
Editorial da Folha