Capítulo IX
Promotores pediram prisão de Antonio Palocci,
acusado por envolvimento com a 'máfia do lixo'
Morto Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André (SP), Lula escolheu um outro prefeito para substituí-lo na coordenação da campanha, durante o processo eleitoral de 2002: Antonio Palocci (PT), de Ribeirão Preto (SP). Eleito presidente da República, Lula nomeou Antonio Palocci seu ministro da Fazenda.
No primeiro mandato (2003-2006), ele foi um dos mais influentes auxiliares do Governo Federal. Fez parte do chamado "núcleo duro" de Lula, juntamente com os ministros José Dirceu (PT-SP) e Luiz Gushiken (PT-SP). A dupla caiu em 2005, após envolvimento no escândalo do mensalão.
Antonio Palocci também caiu, mas só no ano seguinte, em decorrência do crime de quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. O funcionário o acusara de frequentar uma mansão em Brasília, alugada pela chamada "república de Ribeirão Preto". O casarão servia para festas com garotas de programa. Palocci suspeitou que o caseiro o denunciara por ter sido subornado pela oposição. Achou que comprovaria a propina ao pôr as mãos em extratos bancários. Mas a desconfiança não procedia. O pai do caseiro dera o dinheiro. Além do mais, não haveria o que justificasse quebrar o sigilo.
Antes de ser afastado, porém, Palocci sofreu diversas acusações por atos de ilegalidade em Ribeirão Preto. As denúncias de corrupção eram ainda mais graves que a quebra do sigilo. Afinal, ao longo da trajetória do PT a ética na política foi propagada, em alto e bom som, como sendo a bandeira mais importante do partido. Apesar disso, Lula protegeu Palocci o quanto pôde.
Poucos dias antes do segundo turno das eleições que reelegeram Lula em 2006, o Ministério Público de São Paulo denunciou Palocci, recém-eleito deputado federal. Promotores pediram à Justiça a sua prisão preventiva por crimes de formação de quadrilha, peculato e adulteração de documentos públicos.
Acusaram-no de chefiar o grupo que fraudou contratos de limpeza pública na Prefeitura de Ribeirão, provocando prejuízos de R$ 30,7 milhões. A ação criminal pediu a condenação do ex-ministro a 225 anos de prisão.
Em 2007, Palocci foi condenado em primeira instância pela Justiça, por duas irregularidades cometidas em Ribeirão: a doação de materiais de construção para a Associação dos Funcionários da USP (Universidade de São Paulo) e o polêmico projeto Vale dos Rios, que previa a construção de uma ponte suspensa no centro da cidade. As obras não andaram. Foram gastos R$ 4,7 milhões na iniciativa, mas só teria havido justificativa para R$ 323 mil. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) considerou irregulares a dispensa de licitação, o contrato e as despesas autorizadas e efetuadas por Palocci.
Auxiliares de Palocci que ocuparam postos de comando na Prefeitura de Ribeirão também foram condenados. Donizete Rosa é um deles. Nomeado diretor-superintendente do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados, autarquia do Ministério da Fazenda) no governo Lula, ele não perdeu o cargo federal com a condenação. E saiu-se assim ao ser confrontado com a decisão da Justiça, no caso da doação de materiais:
- Não me lembro disso, não fui ouvido e nem participei da autorização para essa doação. Estranho o meu nome ser citado.
O TCE condenou também contrato sem licitação firmado com a empreiteira Leão Leão, para operar o aterro sanitário de Ribeirão. Entre as denúncias de irregularidades da época em que Palocci exerceu o mandato de prefeito da cidade, um dos casos mais rumorosos foi o suposto direcionamento para comprar um "molho de tomate refogado, peneirado, com ervilhas", que era produzido por apenas uma empresa. O produto seria usado na merenda escolar da rede municipal de ensino. Teve ainda a acusação de gastos com agência de publicidade sem contrapartida de prestação de serviços, contrato suspeito com publicitários e despesas supostamente irregulares com propaganda para a Coderp (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto).
A Coderp, aliás, estava sob o comando de Juscelino Dourado, secretário da Casa Civil do prefeito Palocci. Um diretor da Coderp, Augusto Pereira Filho, admitiu receber "complemento salarial", um dinheiro não-contabilizado. O valor teria sido negociado com Juscelino Dourado. Quando Palocci deixou Ribeirão e foi para Brasília, nomeado por Lula, levou Juscelino Dourado para ser seu chefe de gabinete e braço direito, no Ministério da Fazenda.
Juscelino Dourado foi afastado em 2005, na tentativa de desvincular Palocci de irregularidades apuradas pelo Ministério Público em Ribeirão. Os promotores haviam tomado conhecimento de um esquema de caixa 2. Envolveria fornecedores da Prefeitura e a gráfica Villimpress, também de Ribeirão.
Por meio das operações teriam sido emitidos boletos bancários superfaturados, além de duplicatas simuladas e notas fiscais frias de serviços gráficos. As "despesas" somavam até R$ 50 mil por dia.
A operação teria sido feita propositadamente para fazer "sobrar" dinheiro. Incluiria a troca de reais por dólares e envolveria repasses por baixo do pano para o PT.
O projeto Fábricas de Equipamentos Sociais também chamou a atenção dos promotores. A administração municipal torrou R$ 5,5 milhões para executar uma obra, mas fez apenas a metade. Um dos coordenadores do programa, Roberto Costa Pinho, assumiu o cargo de secretário de Desenvolvimento do Ministério da Cultura na administração Lula. Ele admitiu à CPI do Mensalão ter recebido R$ 300 mil do esquema de Marcos Valério. Alegou que o dinheiro pagaria por serviços de assessoria política.
Roberto Costa Pinho explicou, contudo, que ficou deprimido por ter sido exonerado do Ministério da Cultura, no início de 2004. O afastamento ocorreu após ser acusado de cometer irregularidades em contratos públicos. Em razão disso ele não se sentiu em condições de prestar os tais serviços de assessoria política. Mesmo assim ficou com os R$ 300 mil. Justificou à CPI dizendo que Delúbio Soares, tesoureiro do PT, não pediu o dinheiro de volta:
- A secretária dele ligou, disse que Delúbio sabia da minha doença e não faltariam oportunidades para eu prestar serviços ao PT.
O caso mais grave em Ribeirão, no entanto, teria sido o envolvimento do prefeito Antonio Palocci com a "máfia do lixo". O autor da denúncia ocupou cargo estratégico durante a primeira administração de Palocci na cidade.
Mais que isso, era amigo pessoal de Palocci, com quem manteve relações fraternas ao longo dos anos, como se verá, inclusive no governo Lula. Em 17 de agosto de 2005, no auge do escândalo do mensalão, o Brasil fica sabendo da prisão de um certo advogado Rogério Buratti.
No longínquo ano de 1992, ele chegara a Ribeirão Preto. Sem nada, dirigindo um fusca. Tinha a missão de coordenar a campanha do candidato a prefeito da cidade pelo PT naquele ano, um desconhecido vereador chamado Antonio Palocci. Eleito, Palocci retribuiu. Fez de Rogério Buratti o secretário municipal de Governo.
Treze anos depois, Rogério Buratti seria denunciado pelo Ministério Público, por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, num esquema de compra e venda de propriedades rurais e empresas de ônibus. Teria tentado destruir contratos de venda de imóveis e documentos que o incriminariam em negócios suspeitos. Buratti foi acusado de comprar três fazendas em dois anos, antes de trocá-las por duas empresas de ônibus, no valor de R$ 2,6 milhões, convenientemente registradas em nome de terceiros.
O mais explosivo, no entanto, acabou sendo o indiciamento de Buratti por suspeita de envolvimento com a "máfia do lixo", um esquema que fraudava licitações e contratos de limpeza pública em cidades do interior de São Paulo e de Minas Gerais. Em troca de redução da pena, Buratti fez acordo com os promotores. Comprometeu-se a colaborar com a Justiça nas investigações.
Rogério Buratti fora vice-presidente da empreiteira Leão Leão, a principal doadora de dinheiro para a segunda campanha de Antonio Palocci para se eleger prefeito de Ribeirão, em 2000. Ela detinha contratos de limpeza pública na cidade. Buratti desligara-se da Leão Leão em 2004, contudo, na esteira de outro escândalo, este já do governo Lula: a extorsão de dinheiro da multinacional norte-americana Gtech.
Não vem ao caso aqui, mas Buratti e Waldomiro Diniz, outro assessor do PT famoso na era Lula, teriam tramado para conseguir propina de até R$ 16 milhões da multinacional, interessada em fechar contrato milionário com a Caixa Econômica Federal. O banco estatal é subordinado ao Ministério da Fazenda, na época controlado por Palocci.
Ao procurar proteger Palocci no caso Gtech, Buratti alegou que o ministro decidira não interferir no contrato com a Caixa. Não teria demonstrado interesse na oferta que seria, em tese, destinada ao PT.
Acredite se quiser. Note-se que, segundo o relato de Buratti, não houve "interesse" pela propina. Jamais "indignação", "repulsa" ou, ainda mais correto, a imediata abertura de inquérito para apurar uma tentativa de suborno. A oferta de "até R$ 16 milhões", portanto, não significou nada de tão grave.
O depoimento de Buratti sugeriu outra explicação para a falta de "interesse" de Palocci. O ministro teria decidido respeitar o "interesse" de outro ministro no negócio. A tratativa com a multinacional já vinha sendo tocada por Waldomiro Diniz, assessor de José Dirceu (PT-SP) no Ministério da Casa Civil. Assim explicou Buratti:
- Tenho informações, não posso confirmar, de que havia uma negociação em curso, principalmente voltada com o que se falava que era o grupo do Rio, o que contribuiu na campanha através do Waldomiro Diniz. Tenho a impressão de que, como eles não conseguiram trilhar o caminho através de mim, eles podem ter continuado no caminho que já existia.
Em troca do benefício da delação premiada, Buratti acusou Palocci de receber R$ 50 mil mensais de propina, no período em que foi prefeito pela segunda vez, em 2001 e 2002. Como se sabe, Palocci renunciou ao cargo de prefeito em 2003 para assumir o comando do Ministério da Fazenda. Quem subornava o prefeito, acusou Buratti, era a empreiteira Leão Leão. O advogado fez a denúncia para seis promotores e um delegado de polícia.
Além de vice-presidente da Leão Leão, Buratti foi presidente da Leão Ambiental, braço da empresa responsável por serviços de limpeza urbana. Sabia do que estava falando. Acusou Ralf Barquete de envolvimento no esquema. Barquete era secretário de Finanças do prefeito Palocci, guindado para a assessoria da Caixa Econômica Federal com o advento do governo Lula. Palavras de Buratti sobre o mensalão do prefeito Palocci:
- Esse dinheiro foi pago mensalmente durante toda a gestão do prefeito Palocci, ou seja, durante dois anos. Quem indicou o Ralf para receber esse dinheiro foi o próprio Palocci à empresa Leão. Como eu integrava a diretoria, tinha conhecimento. Ralf apanhava o dinheiro na tesouraria da empresa. Quem entregava era o gerente financeiro da época.
Buratti explicou que os R$ 50 mil eram uma compensação pela garantia dos pagamentos dos contratos de limpeza pública em dia. Mas, possivelmente, era mais que isso. A Prefeitura teria acordos por baixo do pano com a empreiteira. Faria repasses de dinheiro antecipados à Leão Leão.
Quebraria, com isso, irregularmente, a ordem cronológica de pagamentos. Buratti relatou como justificavam a entrega de propina ao prefeito nos balanços da Leão Leão:
- O pagamento ocorria com a simulação de compras, utilizando-se notas frias. O pagamento da mensalidade era condicionado ao pagamento que a Prefeitura fazia. Antes e depois das licitações havia reuniões com as empresas, tendo em vista um acordo para a disputa em um determinado local. É um procedimento natural.
Mais detalhes sobre o funcionamento do esquema, conforme o depoimento de Rogério Buratti ao Ministério Público:
- Em algumas cidades onde a Leão Leão tinha contratos de coleta de lixo havia um apoio da administração pública na licitação. Onde havia esse apoio ocorria uma colaboração na elaboração dos editais e nas informações gerais, privilegiadas, da licitação.
Outro benefício era com relação à fixação do cronograma, fixando-se datas de abertura e divulgação de acordo com os interesses comuns, ou seja, da prefeitura e da empresa. Quando a empresa sagrava-se vencedora, combinava-se com o prefeito uma forma de contribuição financeira. A contribuição ocorria dentro de um porcentual de 5% a 15%, a depender do contrato, em relação ao faturamento. O dinheiro era levado diretamente ao prefeito.
Para comprovar as acusações de Buratti, o Ministério Público apreenderia farta documentação na sede da Leão Leão. No computador de Wilney Barquete, que substituiu Buratti na presidência da Leão Ambiental, acharam um arquivo com o nome de "despesas diversas". Lá estava o que os promotores apontaram como o "mapa da propina". Entre as informações protegidas por senhas, uma trazia os seguintes dizeres: "50000 – dr". Para o Ministério Público, "dr" seria uma referência ao doutor Palocci, que é médico sanitarista. E "50000" o valor do suborno mensal, de R$ 50 mil.
A quebra do sigilo bancário da Leão Leão mostrou que a operação montada em Ribeirão poderia ter servido como embrião para o esquema do mensalão do governo Lula. Entre 15 de janeiro de 2002 e 22 de outubro de 2003 foram emitidos 686 cheques pela Leão Leão, num total de R$ 9,4 milhões. O "mapa da propina" revelou três padrões de saques, sempre em valores próximos a R$ 12 mil, R$ 30 mil ou R$ 50 mil. Estes seriam os três níveis de suborno.
A coisa funcionava assim: a Prefeitura fazia medições de serviços de varrição e de coleta de lixo acima do efetivamente realizado, e pagava a mais à Leão Leão. A varrição do Bosque Municipal de Ribeirão e a coleta de lixo hospitalar, por exemplo, teriam sido intencionalmente superdimensionadas. Em seguida, justificava-se a retirada do dinheiro público pago a mais para a empreiteira por meio da aquisição fictícia de produtos e serviços pela Leão Leão. Empresas forneceriam notas frias e obteriam 2% do valor das notas.
A CPI dos Bingos analisou 331 cheques, cujos valores foram sacados em dinheiro vivo na agência bancária existente dentro da Leão Leão. O dinheiro saía em carro-forte da empreiteira. Os números bateram: os R$ 2,8 milhões supostamente desviados em 2002 corresponderiam a 12 pagamentos de R$ 226 mil. Este seria o custo mensal da corrupção do prefeito Palocci.
Voltemos a Rogério Buratti: um ex-secretário de Obras de Ribeirão, engenheiro Luiz Fernando Alessi, acusou Palocci e Buratti de receberem dinheiro não-contabilizado da Leão Leão, durante a campanha eleitoral de 1992. O ex-secretário também denunciou Palocci, já no posto de prefeito, por proteger Buratti, seu secretário de Governo, apesar das relações "atípicas" mantidas por ele com as empreiteiras. De Luiz Fernando Alessi:
- As empreiteiras passaram a ser chamadas na Secretaria de Governo e às vezes acontecia, por exemplo, de eu encontrar um dono de construtora e ele comentar: "Olha, estive com Buratti e mudei o cronograma da obra tal".
Na época, o ex-secretário de Obras relatou o que vinha acontecendo ao prefeito Palocci. Foi afastado da Prefeitura. Buratti também perdeu o emprego de secretário, mas por outro motivo. Luiz Fernando Alessi recebeu uma fita que derrubaria Buratti. Palavras de Alessi:
- Era uma gravação em que Rogério Buratti combinava uma compensação para um empresário da área da construção civil, da Almeida Filho. Comecei a compreender que isso tinha a ver com uma obra viária na avenida Antonio e Helena Zerrenner, onde havia sido aberta uma concorrência. Era a maior e mais cara obra viária que a Prefeitura estava fazendo em 1994.
Mas a licitação foi cancelada e anulada. A justificativa é que esqueceram de colocar uma ponte no projeto. Pouco tempo depois reabriram a licitação, a empresa Almeida Filho não apresentou preço. Coisa estranha, a empresa desistir. Em seguida, aparece a fita do Buratti conversando com o empresário que ganhou e desistiu. E ele diz que "o prefeito mandou dar uma compensada pra você".
A tal "compensada" funcionaria como espécie de "cala-boca", porque a obra iria ser tocada por outra empresa. Nome da outra empresa: Leão Leão. O jornal Folha de S.Paulo publicou as declarações do ex-secretário Luiz Fernando Alessi e repercutiu o caso com Buratti, que se manifestou assim:
- O Palocci, quando administra uma cidade, ou quando está num cargo executivo, quer ter todas as informações, quer ter tudo na mão, ele coordena efetivamente. O Alessi nunca entendeu qual era o papel dele e qual era o meu papel. O papel dele era realizar obras, o meu papel era coordenar o governo.
Em seu segundo mandato como prefeito, Palocci assinou 19 contratos com a Leão Leão. Como se sabe, Buratti ocupava estrategicamente um posto no comando da empreiteira. Do total de contratos, nove foram firmados sem licitação pública, no valor de R$ 4,2 milhões.
Em depoimento ao Ministério Público e à Polícia Federal, Buratti admitiu que a Leão Leão e a gráfica Villimpress trabalharam em conjunto na campanha de Lula para o Planalto:
- A Leão pagou material de campanha produzido pela Villimpress para o PT, tratando-se da campanha de 2002, para presidente.
Em depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no final de 2005, Palocci negou qualquer irregularidade com a limpeza pública de Ribeirão Preto em 2001 e 2002, a cargo da Leão Leão. Saiu-se assim:
- Não fui eu que fiz a contratação dessa empresa, nem a prorrogação do contrato. O contrato foi feito no governo anterior ao meu e foi renovado no governo posterior ao meu.
Vamos por partes: Palocci não assinou um contrato específico, mas o gerenciou. E poderia ter feito exigências para não rompê-lo. Outro ponto: o ex-prefeito deu a entender que passou ao sucessor os negócios de Ribeirão Preto com a Leão Leão, da forma como os encontrou. Não foi bem assim.
De fato, o antecessor de Palocci na Prefeitura de Ribeirão, Luiz Roberto Jábali (PSDB), assinou contrato de coleta de lixo com a Leão Leão. Mas da seguinte forma: quando Jábali assumiu o comando da administração municipal, em 1997, depois dos quatro anos do primeiro mandato de Palocci, reduziu o custo da tonelada de lixo recolhida pela empresa Rek, de R$ 50 para R$ 42. Depois baixou o valor novamente, para R$ 35. Em 1999 contratou a Leão Leão, por R$ 17 a tonelada. Um terço dos R$ 50 de Palocci pelo serviço.
Palocci ganhou a eleição de 2000 e reassumiu a Prefeitura. O valor da tonelada de lixo recolhida pela Leão Leão oscilou para R$ 23. Em 2004, Palocci havia virado ministro. O vice dele, Gilberto Maggioni (PT), que mandava na Prefeitura, elevou o preço da tonelada para a casa dos R$ 32,76.
Gilberto Maggioni foi acusado por Buratti, aliás, de continuar recebendo a propina de R$ 50 mil, antes destinada exclusivamente ao prefeito Palocci. Em 2003, ano em que se tornou prefeito de Ribeirão, Maggioni comprou três terrenos na cidade.
Num deles, de 1.162 metros quadrados, em loteamento de alto padrão, estava construindo uma residência de 562 metros quadrados.
Para não perder o emprego de ministro, Antonio Palocci tratou de se desvencilhar de Rogério Buratti.
Negou ter recebido R$ 50 mil mensais de propina, mas poupou o detrator. Preferiu atacar os promotores. Convocou entrevista coletiva em Brasília. Manifestou-se assim:
- Não me sinto traído pelo Rogério Buratti, porque não tinha relação de confiança com ele no último período. Não esperava que ele fosse utilizar uma acusação dessa natureza. Compreendo a situação dada, a pessoa depondo, com prisão, com algema, tendo sido oferecida a ela a liberdade em troca da delação de outras pessoas, que é um ambiente em que tudo pode acontecer.
Mais uma vez, não é bem como Palocci falou. A quebra de sigilo telefônico de Buratti iria revelar, dias depois da entrevista do ministro, que o advogado trocou pelo menos 30 ligações com Palocci e assessores diretos dele, no Ministério da Fazenda. Foram seis telefonemas do celular de Buratti para a casa de Palocci em 2003, num total de 28 minutos de conversa.
Ainda na entrevista, Palocci admitiu ter frequentado a casa de Buratti algumas vezes nos últimos anos, mas justificou com a relação de amizade entre as mulheres e os filhos de ambos. Em 2002, ainda prefeito de Ribeirão, Palocci esteve em três churrascos na casa de Buratti, na época em que o advogado era vice-presidente da Leão Leão. Da entrevista do ministro:
- Não esperava por isso, que o Rogério Buratti fizesse uma coisa dessas. Agora, eu compreendo a situação em que ele foi colocado. Os motivos que o levaram a falar isso eu não conheço.
Lula comentou as declarações de seu ministro da Fazenda:
- Palocci mostrou a segurança de uma pessoa inocente.
Cabe ressaltar que Juscelino Dourado, chefe de gabinete do ministro Palocci, admitiu encontros com Buratti no Ministério da Fazenda. Buratti os negara, para proteger o amigo. Em gravações, Buratti referiu-se a Juscelino Dourado como o "J". Juscelino Dourado também foi investigado por fraudes em licitações na Prefeitura de Ribeirão Preto.
Prova das relações Palocci/Buratti no governo Lula é a audiência concedida pelo ministro da Fazenda ao empresário João Vaz Guedes, presidente da Somague, um grupo português da área da construção civil, associado à Leão Leão de Ribeirão. O Ministério da Fazenda negou formalmente duas vezes ter havido reunião de Palocci com o empresário. Depois recuou. O encontro se deu em 13 de maio de 2003. Buratti solicitou o agendamento da reunião ao chefe de gabinete, Juscelino Dourado. Depois, explicou:
- Liguei para o Juscelino, pedindo a audiência. Ele mandou eu mandar um email, que a Somague mandasse o email, que ele iria conversar com o ministro e, com certeza, o ministro receberia.
Em depoimento à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Palocci voltou a negar irregularidades. Os parlamentares perguntaram por que ele não processava Buratti. Resposta do ministro:
- Algumas pessoas estão sofrendo processos não apenas por eventuais falhas ou irregularidades. Sofrem perseguição por terem sido meus assessores.
Na verdade, quem sofreu perseguição foram os funcionários do Daerp (Departamento de Águas e Esgotos de Ribeirão Preto) que depuseram à Polícia Civil e confirmaram o esquema de corrupção na cidade administrada por Palocci.
Doze testemunhas denunciaram fraudes nos serviços de limpeza executados pela Leão Leão. Isabel Bordini, superintendente do Daerp, foi apontada como operadora do esquema. Ela era mulher do todo-poderoso Donizete Rosa, secretário municipal nas duas gestões de Palocci como prefeito. Depois, como vimos, ele foi nomeado no governo Lula para o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados).
Por determinação de Isabel Bordini teriam sido falsificadas ordens de serviço, boletins de medição e planilhas relacionadas ao serviço de limpeza pública. A acusação se estende do período do segundo mandato de Palocci, em 2001 e 2002, até o do sucessor dele, Gilberto Maggioni (PT), que governou Ribeirão até o fim de 2004. Ele teria mantido o mesmo esquema engendrado por Palocci.
Os valores pagos pela varrição de ruas e de calçadas eram até três vezes maiores que os serviços efetivamente prestados. Do depoimento de uma funcionária municipal, cuja identidade foi mantida em sigilo para protegê-la:
"Após umas duas horas, vinha a determinação da Isabel para que fosse aceita a planilha apresentada pela Leão Leão, mesmo em prejuízo da Prefeitura. Que, mesmo contrariado, o funcionário era obrigado a acertar os dados e, para isso, precisava fazer uma ordem de serviço para complementar e justificar aquela diferença."
Segundo o delegado de polícia Benedito Antonio Valencise, que investigou a corrupção em Ribeirão, os funcionários do Daerp eram coagidos, ameaçados e pressionados por superiores para alterar informações em relatórios públicos. Estimou-se em R$ 400 mil mensais os desvios com a limpeza pública:
- O superfaturamento está 100% comprovado. Para cada R$ 1 de serviço prestado, R$ 2 eram superfaturados.
Em depoimento ao Ministério Público e à Polícia Federal no início de 2006, Rogério Buratti confirmou o mensalão de R$ 50 mil a Palocci e inocentou Isabel Bordini de irregularidades nas medições dos serviços de limpeza pública. Responsabilizou Palocci e Maggioni:
- Não acredito que Isabel tenha ordenado qualquer procedimento irregular. Ela é funcionária exemplar e controlava o contrato de acordo com as determinações dos prefeitos. A Leão tratava diretamente com o prefeito, e muitas vezes, antes de liberar as medições, Isabel dizia que ia confirmar se o valor estava correto com o prefeito.
O delegado Valencise relatou à CPI dos Bingos a existência de notas fiscais e planilhas frias que justificavam o indiciamento de Palocci por crimes de peculato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. Para ele, Palocci determinou que Isabel Bordini fraudasse os serviços de limpeza pública:
- Segundo consta no inquérito, a ordem vinha do prefeito. Era um acordo feito entre ele e o proprietário da empresa. Em seguida essa ordem era repassada pelo prefeito a Isabel, e ela a cumpria. Tratava-se de um esquema muito grande, envolvendo muitas pessoas, impossível de ser mantido por funcionários subalternos.
De acordo com Valencise, Palocci e Maggioni receberam, além da propina mensal de R$ 50 mil, dinheiro de caixa 2 em nome do que foi definido como "equilíbrio de contrato", um mecanismo para fraudar a limpeza pública. O esquema compensava também os supostos preços baixos apresentados pela Leão Leão para vencer licitações. Do delegado de polícia:
- Na apuração, comprovou-se que as documentações, com os relatórios diários dos trabalhos realizados pela empresa, já chegavam prontas ao Daerp, e não coincidiam com os dados da fiscalização do Daerp, que eram bem menores. Entretanto, os funcionários do Daerp eram obrigados a fazer novas planilhas, devidamente falsificadas, e eram essas ordens de serviço que cobriam e justificavam as saídas a mais dos valores em reais.
A Polícia Civil concluiu a investigação dos supostos serviços fraudulentos de varrição em Ribeirão com a identificação de 174 notas fiscais frias que simulariam compras da Leão Leão. Na verdade, justificariam a saída de dinheiro não-contabilizado da empreiteira, para irrigar o esquema político.
Em abril de 2006, estimou-se em R$ 30,7 milhões o desvio de dinheiro público com contratos de limpeza em Ribeirão Preto.
Ao ser indiciado, um mês após o afastamento do Ministério da Fazenda por conta da quebra do sigilo de Francenildo Santos Costa, Palocci afirmou que, se houvesse irregularidades com a varrição da cidade, a responsabilidade teria de ser do Daerp. O Ministério Público não aceitou.
Do promotor Daniel de Angelis:
- Uma organização que dá um prejuízo de mais de R$ 30 milhões em quatro anos não passaria despercebida pelo prefeito.
03 de maio de 2012
Capítulo anterior - arquivo de 02 de maio de 2012