"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 6 de janeiro de 2013

NA CRISE DE NOSSA CIVILIZAÇÃO, ESTAMOS INDO DE MAL A PIOR. EM DOHA, O AQUECIMENTO GLOBAL FOI POSTO PRATICAMENTE DE LADO

 

A realidade mundial é complexa. Se considerarmos a forma como os donos do poder estão enfrentando a crise sistêmica de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla injustiça – a social e a ecológica, esta com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência -, e se, ainda, tomarmos como ponto de aferição a COP 18, realizada no fim de ano, em Doha, no Qatar, sobre o aquecimento global, podemos dizer sem exagero: estamos indo de mal a pior.
A seguir nesse caminho, encontraremos lá na frente, e não demorará muito, um “abismo ecológico”.



Até agora não se tomaram medidas para mudar o curso das coisas. A economia especulativa continua a florescer, os mercados são cada vez mais competitivos – vale dizer, cada vez menos regulados – e o alarme ecológico, corporificado no aquecimento global, foi posto praticamente de lado.

Em Doha, só faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. Tudo foi protelado para 2015, apesar de o documento final afirmar:
“A mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta, e esse problema precisa ser urgentemente enfrentado por todos os países”.
Como no tempo de Noé, continuamos a comer, a beber e a arrumar as mesas do Titanic que afunda, ouvindo ainda música. A casa está pegando fogo, e mentimos aos outros dizendo que não.

Diria com José Saramago: “Não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”.

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CRESCIMENTO ILIMITADO

Uma premissa falsa sustenta e alimenta a crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado, com aumento do PIB, realizado à base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado dos capitais, especialmente os especulativos. Essa premissa está presente em todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade da premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema Terra. Um planeta limitado não aquenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade.

Evita-se a palavra sustentabilidade, que vem das ciências da vida. Ela é não linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que mantêm funcionando os fatores que garantem a perpetuação da vida e da nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar conta de que se trata de um conceito contraditório, porque é linear, sempre crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio ecossistêmico.

Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima porque os conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam qualquer medida que lhes diminua os lucros; por isso, não apoiam as energias alternativas.

Esse modelo está sendo refutado pelos fatos: não funciona mais nem nos países centrais, como mostra a crise atual, nem nos periféricos. Ou se busca um outro tipo de crescimento, que é essencial para o sistema Vida, respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da natureza, ou então encontraremos o inominável.

Outra razão é de ordem filosófica. Ela implica o resgate da inteligência emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental. Como diz o filósofo Patrick Viveret, “a razão instrumental, sem a inteligência emocional, pode perfeitamente nos levar à pior das barbáries”.

Se não incorporarmos a inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca iremos sentir os gritos da Mãe Terra. Junto com a sustentabilidade devem vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a pior.

06 de janeiro de 2013
Leonardo Boff (O Tempo)

NOVELA DA SUCESSÃO DE CHÁVEZ ENTRA NOS CAPÍTULOS FINAIS

 

Na expectativa do agravamento do estado de saúde do presidente Hugo Chávez, a crise da Venezuela continua tendo desdobramentos. No sábado, os parlamentares venezuelanos renovaram o mandato do presidente da Assembleia, o chavista Diosdado Cabello, sem que houvesse divisões no lado governista.


Maduro será o sucessor de Chávez

A eleição ganhou importância política nos últimos dias em razão da possibilidade de sucessão presidencial. Caso o líder bolivariano Hugo Chávez não possa ser empossado de forma definitiva, a Constituição determina que o presidente da Assembléia tem de assumir o governo e convocar nova eleição presidencial em 30 dias.

Embora seja próximo à ala militar chavista e com força dentro da máquina partidária do PSUV, Cabello foi preterido como herdeiro político de Chávez, que preferiu designar Nicolás Maduro como vice-presidente e sucessor (na Venezuela não há eleição de vice, o presidente é que indica).
Maduro diz que, apesar da gravidade da doença de Chávez, ainda não há razão para declará-lo em “ausência permanente”.
Como Chávez solicitou no início do mês passado uma permissão de viagem que pode ser prolongada por 90 dias, isso daria margem de manobra para adiar a cerimônia de posse. Mas há controvérsias, como dizia o genial ator Francisco Milani.

06 de janeiro de 2013
Carlos Newton

O SENADO DE MAL A PIOR

 

Costumo falar com meus botões. Eles estão sempre disponíveis e são muito bons ouvintes. Sobretudo os de quatro furos. Os de dois furos são mais desatentos e só resolvem dar sinais de sua existência quando estão pendurados por um fio. Pois bem, quando soube que Renan Calheiros aprumava-se para disputar a presidência do Senado Federal, com amplo apoio da base governista, eu falei aos meus botões: “Este país não tem mais jeito. Entramos em downgrade moral”.



Talvez o leitor destas linhas não lembre quem é Renan Calheiros, mas os membros da Casa conhecem sua biografia. Renan foi o escândalo nacional de 2007 a partir de uma denúncia da revista Veja, em maio daquele ano.
Renan tivera uma filha com a jornalista Mônica Veloso e uma empreiteira pagava a ela vultosa pensão mensal. A partir daí, iniciou-se o que ficou conhecido como Renangate.

Durante meses, sucederam-se apurações e investigações envolvendo os negócios do então presidente do Senado Federal. As denúncias incluíam o uso de “laranjas” para dissimular a compra de veículos de comunicação em Alagoas, a venda fictícia de quase duas mil cabeças de gado para empresas frias, com notas fiscais geladas, num período em que Alagoas estava com as fronteiras fechadas para o transporte de gado em virtude de um surto de aftosa, e por aí afora.

De maio a setembro de 2007, Renan foi o assunto preferido das manchetes. A 12 de setembro, em sessão secreta, o Senado votou proposta para a decretar a perda de seu mandato. Todos os senadores compareceram à sessão. Renan safou-se por uma diferença de seis votos.

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INFERNO ASTRAL

Seu inferno astral, contudo, prosseguiu. À medida que avançavam as investigações da imprensa e se desnudavam as artimanhas usadas para justificar o injustificável, aumentou a pressão da opinião pública.
Quanto mais Renan explicava, mais se enrolava. Sua permanência no comando da mesa dos trabalhos constrangia e afrontava o decoro de todos os membros do poder (alguns, ao menos, diziam isso). Por fim, ele se licenciou da presidência por 45 dias e, logo após, renunciou ao posto, mantendo o mandato.

Cinco anos atrás, leitores amigos, imaginar Renan Calheiros voltando a presidir o Senado com o voto de seus colegas seria algo impensável. E se eventualmente fosse pensado, como produto de algum delírio, seria uma ideia impronunciável.

Em 2010, com esse destacado currículo, Renan conservou a cadeira, sendo reeleito como representante de Alagoas, perfilando-se na base do governo ao lado do intrépido Fernando Collor (nascido no Rio de Janeiro, mas senador por Alagoas). A ousadia da máfia que maneja os cordéis da República não encontra limites.

Não se trata, aqui, de saber se, quando, nem como, as muitas e consistentes denúncias que envolviam a figura do senador acabaram num picador de papéis em diferentes órgãos de investigação e controle do país.

Trata-se de entender que só pode haver um motivo para essa absolvição pelo silêncio, sob o manto protetor do tempo. E esse motivo é o mesmo que agora pretende guindá-lo ao posto mais alto da nossa Câmara Alta: comprometimento com um tenebroso projeto de poder que cravou as unhas no lombo de uma nação que aceita ser jumento de carga dos bandoleiros da política que nela se instalaram.

(do Blog do Puggina)

06 de janeiro dde 2013
Pervival Puggina

QUANDO O HUMOR DESENHA A TRISTE REALIDADE




06 de janeiro de 2013

IMAGEM DO DIA

Bombeiros continuam buscas em lugares afetados pelas chuvas em Xerém, na Baixada Fluminense
Bombeiros continuam buscas em lugares afetados pelas chuvas em Xerém, na Baixada Fluminense - Luiz Roberto Lima/Futura Press/
 
06 de janeiro de 2013

2012: HECATOMBE PARA OS ATORES DA INFORMAÇÃO

2012 em cifras

>> 88 jornalistas assassinados (+33 %)
>> 879 jornalistas detidos/interpelados
>> 1993 jornalistas agredidos o ameaçados
>> 38 jornalistas sequestrados
>> 73 jornalistas fugiram de seu país
>> 6 colaboradores dos meios de comunicação assassinados
>> 47 netcidadãos e jornalistas cidadãos assassinados
>> 144 blogueiros e netcidadãos detidos
>> 193 jornalistas encarcerados (registrados até 18 de dezembro de 2012)

O ano 2012 foi particularmente mortífero. O número de jornalistas assassinados no exercício de sua profissão subiu 33% em relação a 2011.

As zonas mais afetadas foram o Oriente Médio e a África do Norte (26 mortos), Ásia (24 mortos) e África Subsaariana (21 mortos). Só o continente americano experimentou una baixa – relativa – em relação ao número de jornalistas assassinados no âmbito de seu exercício profissional (15 mortos).

Desde 1995, o balanço nunca havia sido tão macabro. Nestes últimos anos, o número de jornalistas assassinados cresceu para: 67 em 2011, 58 em 2010 e 75 em 2009.
Em 2007 esta cifra atingiu um pico histórico: 87 profissionais dos meios de comunicação foram assassinados, um menos que em 2012. Os 88 periodistas que perderam a vida este ano devido ao exercício de sua atividade profissional foram vítimas da cobertura de conflitos armados ou de atentados, morreram assassinados por grupos ligados ao crime organizado (máfia, narcotráfico, etc.), milícias islâmicas ou por ordem de oficiais corruptos.

“O número historicamente elevado de jornalistas assassinados em 2012 se atribui principalmente ao conflito na Síria, ao caos na Somália e à violência dos talibãs no Paquistão. A impunidade que gozam os autores das execuções favorece que continuem as violações aos direitos humanos, em particular ao direito à liberdade de expressão”, declarou Christophe Deloire, Secretário Geral do Repórteres sem Fronteiras.

Ao mencionar os atentados perpetrados contra os “atores da informação”, se fez no sentido amplo do termo. Assim, destes 88 jornalistas assassinados, se considera os jornalistas cidadãos e os netcidadãos, que também se viram gravemente afetados (47 deles foram assassinados em 2012; enquanto que em 2011 foram 5), em especial na Síria.

Trata-se de homens e mulheres que exercem a função de repórteres, fotógrafos ou videoastas para documentar a situação cotidiana e a repressão. Sem seu trabalho, o regime sírio poderia impor um silencio total sobre a informação em certas regiões e continuar com o massacre à porta fechada.

Para estabelecer estas cifras, Repórteres sem Fronteiras se baseia em dados precisos, levantados ao longo do ano graças a seu trabalho de vigilância das violações à liberdade de expressão.
Nestas estatísticas, só se inclui aos jornalistas e netcidadãos que perderam a vida no âmbito de seu trabalho informativo. Repórteres sem Fronteiras não leva em conta os jornalistas ou netcidadãos que foram assassinados no marco de atividades estritamente políticas ou militantes, em todo caso, que não tenham relação com a gestão informativa.

Existem outros casos sobre os quais a organização ainda não conta com os elementos necessários para determinar sua situação, e que seguem em investigação.

Os cinco países mais mortíferos para os jornalistas

A despeito da aprovação da Resolução 1738 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que lembra aos Estados sobre a necessidade de proteger os repórteres que trabalham em zonas perigosas, a violência contra os jornalistas continua sendo uma das ameaças maiores para a liberdade de expressão. Em primeiro lugar, os assassinatos.

Siria, cemitério dos atores da informação

>> Em 2012 foram assassinados ao menos 17 jornalistas cidadãos, 44 jornalistas e 4 colaboradores dos meios de comunicação.

Na Síria, a sangrenta repressão empreendida por Bachar el-Assad atingiu os atores da informação, testemunhas indesejadas das execuções cometidas por um regime encurralado.
Em paralelo, os jornalistas também foram agredidos por certos grupos armados que se opunham ao regime, cada vez mais intolerantes com as críticas e prontos a tachar de espiões aos profissionais da informação que não difundiam seus discursos.
A polarização da informação, a propaganda, as intenções de manipulação, a violência extrema que enfrentam os jornalistas e os jornalistas cidadãos, os obstáculos técnicos registrados, fazem do trabalho de levantar e difundir informação neste país, um verdadeiro sacrifício.

Um ano obscuro para Somália

>> 18 jornalistas foram assassinados neste país da África em 2012.
Os jornalistas que perderam a vida na Somália em 2012 foram duas vezes mais do que em 2009, que havia sido até então o ano mais mortífero do país.
A segunda quinzena do mês de setembro foi particularmente sangrenta: sete jornalistas foram assassinados, dois deles em menos de 24 horas; um foi decapitado, o outro, crivado de tiros. Os “clássicos”? Assassinatos planejados e atentados com bombas.
Os jornalistas foram vítimas das milícias armadas, os shebab, mas também dos governos locais que tentavam calar os meios de comunicação. Os jornalistas somalis trabalham em condições espantosas, tanto na capital, Mogadíscio, como nas outras regiões do país.
A falta de um governo estável há mais de 20 anos neste Estado falido, onde a violência se arraigou e a impunidade é a regra, alimentou este conto macabro.

Paquistão, um jornalista assassinado por mês

>> 9 jornalistas e um colaborador dos meios de comunicação foram assassinados: entre a violência endêmica de Baluchistão e as represálias dos talibãs, um terreno minado para os repórteres.
Pelo segundo ano consecutivo se registraram nove mortos no Paquistão, quer dizer, praticamente um jornalista por mês desde fevereiro de 2010.
De 2009 a 2011 este foi o país mais mortífero para a imprensa e Baluchistão continua sendo uma das regiões mais perigosas do mundo.
Com suas zonas tribais, sua fronteira com o Afeganistão, suas tensões com a Índia, sua caótica história política, Paquistão é uma das regiões mais complicadas de cobrir.
Ameaças terroristas, violência policial, poder sem freio dos potentados locais, perigos inerentes aos conflitos nas zonas tribais, tantas armadilhas fatais no caminho dos jornalistas.

México, os jornalistas na mira do crime organizado

>> 6 jornalistas assassinados.
A violência – exponencial em seis anos de ofensiva federal contra os cartéis – se multiplica sobre os jornalistas que se atrevem a tratar temas relacionados com o narcotráfico, a corrupção, a infiltração da máfia entre as autoridades locais ou federais, e as violações aos direitos humanos atribuídas a estas mesmas autoridades.

Brasil: detrás do palco

>> 5 jornalistas assassinados.
No Brasil a mão do narcotráfico na fronteira com o Paraguai aparece claramente como a causa dos cinco assassinatos de jornalistas registrados, relacionados diretamente com o exercício de sua profissão.
Três dos jornalistas que perderam a vida haviam denunciado a influência dos cartéis nos setores políticos e econômicos locais; outros dois eram jornalistas-blogueiros, que no general correm importantes riscos quando denunciam a implicação de uma autoridade ou um caso de corrupção.

06 de janeiro de 2013
Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação, 21/12/2012; tradução de Bruno Marinoni
Por Repórteres Sem Fronteiras em 31/12/2012 na edição 727

"CENSURA A TODO VAPOR NA CHINA"

 
O controle da internet ganhou reforço de uma lei que obriga usuários a fornecer aos provedores nomes e identidades reais
A China cruza o delicado período de troca do alto comando do Partido Comunista, do estado e do governo, que se dá a cada dez anos. Tanto a liderança que sai como a que entra se esforçam para varrer para debaixo do tapete as inevitáveis turbulências. Em épocas assim, a livre circulação de informações sofre mais do que habitualmente.

O enorme esforço do governo para controlar o conteúdo da internet acaba de ser reforçado por uma nova lei que obriga os usuários a fornecer aos provedores nome e identidade reais. Com isso, as autoridades poderão cortar as asas de uma crescente comunidade que vinha subindo o tom das críticas, protegida pelo anonimato, e agora terá de se arriscar. A dissidência é severamente punida. Até cidadãos de renome internacional, e seus familiares, são submetidos ao cárcere ou, na melhor das hipóteses, à prisão domiciliar por anos a fio.

A imprensa local é rigidamente vigiada pelo regime de partido único e “socialismo de mercado”. Acaba de ser bloqueado o site da principal revista pró-reformas, a “Yanhuang Chunqiu” (”China Através das Eras”), devido à publicação de um artigo pedindo mudanças políticas e um governo constitucional.

A censura atinge também veículos da imprensa internacional, que atuam para informar o que se passa na segunda maior potência do planeta. As autoridades chinesas não renovaram o visto do repórter Chris Buckley, do “New York Times”, que trabalha no país desde 2000. Trata-se de retaliação à reportagem publicada pelo jornal americano em outubro, sobre a riqueza e os negócios da família do premier Wen Jiabao, que está deixando o cargo. As revelações tiveram impacto nos bastidores da sucessão chinesa, iniciada em novembro. Desde que a reportagem veio a público, os websites do jornal foram bloqueados na China.

O caso de Buckley, que não estava entre os autores do trabalho, foi o segundo no ano passado. Em maio, Pequim decidiu expulsar a repórter Melissa Chan, correspondente da rede al-Jazeera em inglês. E desde junho sofre bloqueio a Bloomberg, responsável por reportagem sobre os investimentos de alguns parentes de Xi Jinping, que subiu ao cargo de líder do Partido Comunista em novembro e em março assumirá a presidência.

O esforço da enorme burocracia estatal chinesa para impedir a livre circulação das informações mostra o quanto o país ainda precisa avançar no respeito aos direitos humanos e rumo a uma abertura política que dê voz ao povo nas decisões, que hoje influenciam diretamente o que se passa no resto do mundo devido à importância adquirida pelo país. Recentemente, um proeminente grupo de acadêmicos chineses alertou, em ousada carta aberta, que o país se arrisca a entrar em “violenta revolução”, caso o governo não responda à pressão pública e permita reformas políticas.

06 de janeiro de 2013
editorial de O Globo

FILHAS DE CHÁVEZ DIVERGEM SOBRE DESLIGAR APARELHOS QUE MENTÊM BUFÃO VIVO

 
Filhas de Chávez divergiriam sobre desligar aparelhos. Moças viveriam conflito em relação à decisão sobre o futuro do presidente da Venezuela
 

Chávez beija suas filhas Rosa Virgínia (esquerda) e María Gabriela (direita) no Palácio Miraflores, em julho de 2011
Foto: AP/Ariana Cubillos
Chávez beija suas filhas Rosa Virgínia (esquerda) e María Gabriela (direita) no Palácio Miraflores, em julho de 2011AP/Ariana Cubillos

CARACAS — Na cabeceira do quarto onde está internado Hugo Chávez, Rosa Vírginia, a filha mais velha do líder venezuelano permanece de vigília desde que o presidente passou por sua quarta cirurgia, no começo de dezembro. Por questões legais, cabe à ela tomar as decisões que afetam o futuro de seu pai. Mais nova, María Gabriela, é vista como a primeira-dama. Recentemente, pediu que acabassem as mentiras sobre o estado de saúde do Chefe de Estado, diante dos rumores sobre sua suposta morte, em um tweet publicado na internet.

As duas, filhas do primeiro casamento do presidente com Nancy Colmenares, viveriam no entanto um conflito em relação à decisão mais difícil de todas: dar a ordem para desligar a máquina que mantém Chávez vivo, de acordo com o jornal espanhol “El Mundo”.
Na quinta-feira, o irmão mais velho de Chávez, Adán, esteve na capital cubana. O jornalista venezuelano Nelson Bocaranda confirmou que a visita de Adán teve uma finalidade específica: foi um pedido das filhas do presidente, que teriam visões opostas sobre a decisão.

Casada com com o ministro da Tecnologia, Jorge Arreaza, Rosa Virgínia assume o papel de possível herdeira política de Chávez. Nos comícios finais da campanha de reeleição, Rosa foi figura constante. Além dos eventos eleitorais, acompanhou Chávez também nos compromissos oficiais. Em junho de 2011, foi recebida pela presidente Dilma Rousseff durante a visita do presidente venezuelano ao Brasil.

E esteve ao lado de Chávez durante o longo tratamento contra o câncer, em Cuba: numa das poucas fotografias de Chávez em Havana, a filha estava junto.

María Gabriela Chávez é a mais nova. Mais comunicativa, pediu na semana passada, para que acabassem as mentiras sobre o estado de saúde do chefe de Estado. Nesta sexta-feira, também desmentiu que a irmã mais velha tivesse uma conta no Twitter.

“Peço respeito à família, e principalmente, respeito ao meu povo. Chega de mentiras. Estamos juntos com papai, vivos, lutando e recuperando a saúde”, disse em sua conta.

Chávez tem ainda outra filha, Rosinés, do casamento com a locutora Marisabel Rodríguez, de quem o mandatário se divorciou há sete anos. De acordo com o jornal “ABC”, no entanto, a jovem de 15 anos não conseguiu ver o pai, apesar de ter passado o fim de semana em Cuba, tentanto visitá-lo. Na quinta-feira, Marisabel viajou à capital cubana para buscar a filha.

06 de janeiro de 2013
O GLOBO

ENQUANTO O GOVERNO SE DEGRADA MORAL E ECONOMICAMENTE, DILMA DISCUTE 2014

De olho em 2014, Dilma almoça com Jaques Wagner e Eduardo Campos
 
Em férias na Base Naval de Aratu, em Salvador, a presidente Dilma Rousseff recebeu os governadores da Bahia, Jaques Wagner (PT), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), para um almoço na tarde de sábado (5).

O convite para o almoço foi interpretado por aliados de Campos como mais um movimento da presidente para afagar Eduardo Campos, principal nome do PSB - legenda aliada do governo federal que cogita um voo solo nas eleições de 2014.

Acompanhados de suas respectivas mulheres, os dois governadores chegaram juntos, de helicóptero, por volta do meio-dia para o encontro com a presidente. Deixaram a praia de Inema, onde Dilma descansa com a mãe, a filha, o neto e o genro desde o dia 28 de dezembro, às 19h, segundo a assessoria do Palácio do Planalto.

Após o almoço em família, os três políticos tiveram uma longa conversa sobre política e economia.

De olho em 2014, Wagner é um dos principais nomes dentro do PT que defende a ideia de dar a Campos a vaga de vice na chapa de Dilma nas eleições de 2014.

No entanto, o governador pernambucano enfrenta pressão de aliados e dentro do próprio partido para sair candidato a presidente no próximo pleito. Oposicionistas do PSDB também cortejam Campos. O PT, por sua vez, é pressionado pelo PMDB para que a dobradinha Dilma-Michel Temer (atual vice presidente) se repita em 2014.

AFAGOS

Para manter Campos longe da oposição, Dilma tem atendido também aos principais pleitos locais do governador.

Recentemente, o governo federal assinou contrato de R$ 1 bilhão para Pernambuco executar a construção de um canal que vai transportar água do rio São Francisco para o agreste pernambucano. A presidente também garantiu financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social) para construção de fábrica da Fiat em Pernambuco. O governo local cedeu um terreno e o governo federal financiamento de 80% da fábrica de motores, orçada em R$ 500 milhões.

Por ora, Campos, segundo aliados, está decido manter o PSB na base aliada de Dilma. Mas já avisou que não vai deixar de se posicionar contra o governo em assuntos específicos ou deixar de fazer críticas pontuais.

ENCONTROS

Além do encontro de sábado, o governador baiano recebeu Dilma no dia em que ela desembarcou em Salvador. Neste domingo (6), Wagner voltou a se encontrar com a presidente na base naval.

Campos e a mulher, Renata, também estão em férias. Descansam em Carneiros, no litoral pernambucano.

06 de janeiro de 2013
FERNANDA ODILLA - UOL

"OS INCOMUNS"

O ano que findou foi marcado pelo julgamento do mensalão. O Supremo Tribunal Federal (STF) ocupou ao menos três vezes por semana a TV Justiça e os canais retransmissores em sites na internet. Os noticiários televisivos e radiofônicos, além de diversos blogs, traduziam discussões e votos, por vezes longos e complexos.


Desde o recebimento da denúncia até se iniciar o voto do relator, Joaquim Barbosa, noticiava-se na imprensa e propalava-se que não havia provas, que o julgamento iria para as calendas e terminaria em pizza. Nada disso. O impacto do julgamento pôs em primeira plana a Justiça, da qual a maioria do povo descria, pois, mesmo diante da anterior condenação de alguns autores de crimes de colarinho-branco, prevalecia a convicção da impunidade dos ricos e dos políticos.

Na verdade, o STF, ao longo do tempo, pouco se dedicara ao trabalho de juiz de primeira instância que a Constituição lhe outorgara como competente para julgar os crimes praticados por deputados federais, senadores e ministros de Estado. Era preciso descer do tablado das discussões da inconstitucionalidade das leis ou das decisões dos tribunais para se dedicar ao exame de prova: esquadrinhar testemunhos, analisar laudos periciais, confrontar documentos, bem como decidir questões preliminares e ler alegações das partes.

A dedicação do relator e o cuidado no programado pôr em pauta a Ação Penal 470, por imposição do então presidente, ministro Ayres Britto, tornaram possível o julgamento, malgrado o empenho do ex-presidente Lula, que tentou de todas as formas postergar seu início, inclusive com visita a ministro, levando a desculpa de não ser conveniente a apreciação pelo STF em ano eleitoral. Essa matéria chegou até mesmo a ser apresentada, por simpatizantes do PT e do seu candidato à Prefeitura de São Paulo, ao Tribunal Superior Eleitoral.

Mas, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, rechaçou o pedido, mesmo porque seria um absurdo pretender adiar o julgamento sob o argumento de ser possível manchar prestígio do partido. Acaso se deveria fazer um corte na História, para que o passado não influenciasse o presente?

Causa admiração a extremada vontade dos ministros do STF de levar avante o julgamento ao longo de cinco meses, com denodado estudo dos autos nos meses antecedentes. A sofisticada operação de obtenção de recursos públicos para financiar, por intermédio de Marcos Valério e de instituições financeiras, a entrega de importâncias a deputados, visando à cooptação da vontade parlamentar, consistiu em gravíssima afronta à estrutura do Estado democrático e justifica o imenso esforço desse julgamento.

Doravante não pode o STF descurar de agilizar o julgamento de outros políticos por crimes (seja contra a administração pública, sejam quaisquer outros), a fim de se fixar, na população, a ideia da inexistência da impunidade.

Mas a percepção de inexistirem pessoas acima de qualquer suspeita, eliminando-se a impunidade, cede terreno diante de acontecimentos vindos a lume recentemente. Desponta nesses fatos a curiosa relação de companheirismo entre José Sarney e Lula.

Em junho de 2009, quando surgiram as denúncias da administração oculta do Senado pelo secretário-geral Agaciel Maia, com edição de atos secretos beneficiadores de parentes e amigos de senadores e do próprio presidente Sarney, Lula, contrariando senadores do PT, declarou: "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Dessa forma, pela palavra de Lula, consagrou-se a existência de um "incomum", cuja história o tornaria imune a qualquer responsabilização por atos do presente.

Depois foi Sarney que, diante da denúncia de Marcos Valério de que Lula sabia da prática do mensalão, dando seu OK à operação, afirmou solenemente: "Se a declaração de Marcos Valério existiu, é uma profunda inverdade porque, na realidade, o senhor que disse não tem autoridade para falar sobre o presidente Lula, que é um patrimônio do País, da História do País, por toda a sua vida, por tudo o que ele tem feito". Em retribuição ao apoio de ser tido como "incomum", Sarney concedeu a certeza absoluta da inocência a Lula, reconhecido como um patrimônio de nossa História, um outro "incomum".

Em ambos os casos, Lula e Sarney buscam o benefício da impunidade, descartando a necessidade de apuração de fatos merecedores de esclarecimento, pois ostentam, no ver deles mesmos, a condição de homens incomuns, não sujeitos ao princípio constitucional da impessoalidade.

Na Operação Porto Seguro veio à baila que Sarney, contrariando o procedimento normal do Senado, após a rejeição de Paulo Vieira para diretor da Agência Nacional de Águas, repôs em apreciação o nome do amigão da primeira-amiga de Lula, Rosemary Noronha. Por que reexaminar o Senado a indicação já negada? Por que realizar, a fórceps, o desejo da primeira-amiga do ex-presidente e amiga do ex-ministro José Dirceu?

Nas declarações de Marcos Valério sobre Lula podem-se vislumbrar tentativa de redução de pena (o que é inverossímil no estado em que achava o processo), vingança ou até mesmo verdade. Assim, não se pode deixar de apurar. O envolvimento de Sarney no episódio de aprovação do despreparado Paulo Vieira, autor de indevidas interferências em vários campos da administração, também deve ser avaliado. Os dois "incomuns", diante do quadro de fim da impunidade revelado pelo Supremo no mensalão, devem ser, então, tratados como mortais personagens.

Mexer para garantir impunidade dos "incomuns" é mexer com todos. Só assim, reagindo à pretensão de impunidade de Lula, de Sarney ou de quem quer que seja, se pode desfazer o mau hábito do "sabe com quem está falando?", tão denunciado por Roberto DaMatta como próprio de nossa cultura tupiniquim, que faz tábula rasa do princípio da impessoalidade.

06 de janeiro de 2013
Miguel Reale Júnior
O Estado de S.Paulo

PARA MIRIAM LEITÃO, GOVERNO DILMA DILAPIDA O PATRIMÔNIO DE SOLIDEZ FISCAL

Estelionato fiscal

Pode levar anos para consertar o que a bagunça da atual administração da política econômica do Brasil tem feito. Aos poucos, está sendo dilapidado o patrimônio de solidez fiscal do país. Com truques contábeis, jeitinhos, mudanças de regras, invenções, o ministro Guido Mantega está minando o que o Brasil levou duas décadas para construir: a base da estabilização.

De todos os erros do ministro, esse é o pior. Mantega está tirando a credibilidade dos números das contas públicas. Mesmo quem acompanha o assunto já não sabe mais o valor de cada número que é divulgado.

O governo autorizou o resgate antecipado de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano. Isso é 81% de um dos fundos do FSB. Além disso, o BNDES pagou R$ 2,3 bilhões e a Caixa R$ 4,7 bilhões, definindo esse dinheiro como dividendo antecipado para o Tesouro.

Está fabricando dinheiro. O Tesouro se endivida, manda o dinheiro para os bancos públicos, depois extrai deles recursos antecipados, alegando serem dividendos de balanços ainda nem fechados. Os recursos são registrados como arrecadação no fechamento das contas do ano. É estelionato fiscal.

Foram tantos truques em que dívida do Tesouro virou receita do governo para fingir o cumprimento de metas fiscais que hoje ninguém sabe dizer qual parte é confiável dos números que o governo divulga. Só com truques, diferimentos, transformismos e abracadabras, o Ministério da Fazenda conseguiu chegar à meta do ano.

A Caixa recebeu dinheiro público recentemente, e agora está antecipando dividendos ao Tesouro. A capitalização foi feita para fortalecer a instituição centenária da fragilidade financeira em que ficou após operações como a compra de 49% de um banco falido, no qual teve depois que despejar mais dinheiro.

As transferências para o BNDES aproximam-se de R$ 300 bi. Nascem como dívida, viram empréstimo subsidiado, e depois dividendo antecipado para o Tesouro. Com manobras circulares assim que se montou o mais nefasto e inflacionário dos mecanismos do passado, a conta movimento.

O Fundo Soberano era para ser um fundo de longo prazo onde fosse feito um esforço extra de poupança para momentos de crise. Em 2012 o país não cresceu, mas não foi ano exatamente de crise.

A mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal é um atentado à viga mestra do edifício que os brasileiros construíram para ter uma moeda estável. Se a Fazenda considera que o custo da dívida dos entes federados ficou incompatível com a atual taxa de juros no Brasil, precisa abrir um debate amplo, sério e transparente para se encontrar a saída sem fazer rachaduras na sustentação da estabilidade.

Na época da renegociação, foram oferecidas duas taxas de juros aos devedores: quem fizesse um ajuste prévio pagaria 6%, quem não quisesse fazer pagaria 9%. A prefeitura de São Paulo escolheu não se ajustar e pagar mais. Agora, o governo está oferecendo a todos os juros de 4%.

A conta dos desatinos fiscais da atual equipe econômica chegará, mas quando os autores das artimanhas contábeis não estiverem mais lá para responder. Como sempre, a conta cairá sobre a população. O governo militar inventou artefatos de fabricação de dinheiro que produziram inflação. A democracia consumiu uma década para desarmar essas bombas. Os riscos a que o governo tem exposto o país são enormes.

Era preferível o governo ter simplesmente admitido que em 2012 arrecadou menos do que previa e, por isso, não pôde cumprir a meta. Ao mesmo tempo, se comprometeria a fazer esforço extra em ano de maior crescimento.

06 de janeiro de 2013
O GLOBO

"ILHA DA FANTASIA"


Enquanto se omitem em temas como lei orçamentária e royalties do petróleo, parlamentares refutam determinações do STF
O recente comentário do ministro Marco Aurélio Mello, apontando o "faz de conta" em que vive o Congresso Nacional, foge certamente ao comportamento de altitude e discrição que se espera de um magistrado do STF. Não poderia ser mais verdadeiro, contudo -e o Legislativo brasileiro parece multiplicar, a cada dia, exemplos que confirmam essa avaliação.

Vê-se, em primeiro lugar, a posse solene e sob aplausos, na Câmara dos Deputados, de alguém condenado a quase sete anos de prisão. O Supremo Tribunal Federal já decidiu, por maioria de votos, pela perda de mandato imediata dos deputados comprovadamente envolvidos no mensalão.

Afirmando não desejar um confronto direto com o Judiciário, José Genoino (PT-SP) mesmo assim assumiu o posto de deputado federal -e nada corresponderia melhor ao "mundo do faz de conta" do que a cena que protagonizou.

O "faz de conta" se transforma em "não faz conta nenhuma" quando o Legislativo brasileiro, em outro comportamento lamentável, simplesmente se omite de votar a lei orçamentária de 2013, adiando a deliberação para o mês de fevereiro.

O Executivo terminou por fim editando uma medida provisória, sob o argumento de que o próprio funcionamento da máquina federal ameaçava parar devido à omissão dos parlamentares.

Não passará de "faz de conta", numa situação dessas, a habitual reclamação de líderes congressuais diante do excesso de medidas provisórias editadas pelo Planalto.

O maior sintoma da incapacidade do Congresso de reivindicar mais espaço frente ao predomínio do Executivo está no fato de que mais de 3.000 vetos presidenciais às deliberações legislativas deixaram de ser examinados pelos representantes da população.

Com isso, travou-se mais uma vez a discussão sobre os royalties da exploração de petróleo no pré-sal. O veto de Dilma Rousseff à lei que aumentava a fatia desses recursos a ser paga aos Estados não produtores não poderia ser examinado pelo Congresso enquanto este não analisasse os outros milhares de casos pendentes -foi essa a decisão do ministro Luiz Fux, do STF.

Mas as preocupações da "ilha da fantasia" se voltam para outro assunto. A saber, a eleição dos próximos presidentes do Senado e da Câmara. No Senado, é favorito ninguém menos do que o peemedebista Renan Calheiros (AL), apesar da nuvem de escândalos que cerca o seu nome. Na Câmara, o candidato Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) já se afirma disposto a resistir à cassação dos deputados mensaleiros.

Faz de conta, naturalmente, que ninguém foi condenado. Faz de conta que o Legislativo ainda guarda algum tipo de autoridade moral, frente ao lastimável prontuário que, em pouco mais de uma semana, acaba de exibir.

06 de janeiro de 2013
editorial da Folha de São Paulo

"O ANO NOVO DE DUDA"

Absolvido no julgamento do mensalão, o publicitário Duda Mendonça faz festa de Réveillon em sua mansão no litoral baiano, diz que 'tudo indica' que voltará a fazer campanhas e quer 'curtir o momento' em 2013
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No jardim de sua propriedade de cerca de um milhão de metros quadrados em Taipus de Fora, na península de Maraú, no sul da Bahia, o publicitário Duda Mendonça comemorou a passagem do ano ao lado de seis de seus sete filhos, das três mulheres (as duas ex com seus maridos e a atual) e mais de 300 convidados. Entre eles, os advogados Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Luciano Feldens, que o defenderam no julgamento do mensalão, em que foi absolvido.
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O baiano recebe o repórter Morris Kachani inicialmente no gazebo que fica no lado esquerdo da casa, na linha de 300 metros que dá de frente para as piscinas naturais que fazem a fama da região. A conversa só é interrompida pelo ir e vir de um dos dois helicópteros de Duda no heliponto.
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O encontro começa com um café, evolui para um chope (Duda lembra que havia encomendado seis barris, mas já haviam acabado; vieram mais 12) e termina com champanhe Moët & Chandon, que ele abre à moda dos generais franceses -com um facão que faz voar o bico da garrafa, junto com a rolha.
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Em um tour pela propriedade, Duda mostra os pirarucus importados da Amazônia que cria em um lago artificial, o horto com árvores nativas como o dendê, e a cachaça exclusiva envelhecida em carvalho, produzida e presenteada por Emílio Odebrecht. Conta que também tem cinco cavalos e duas vacas: "Para as crianças tirarem leite. Quem mora em São Paulo não faz ideia de o que é isso".
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Algumas horas mais tarde aconteceria a festa de Réveillon, que teve como ponto alto o banho de champanhe dado pelos filhos em Duda, em Kakay e em Luciano, ao som da canção das vitórias de Ayrton Senna na Rede Globo. A banda do novo gênero musical arrocha universitário Kart Love animou a noite.
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Os funcionários da casa, segundo Duda, participaram da festa como convidados. Ele conta que presenteia os que têm mais de dez anos de trabalho para a família com uma casa. "Já paguei umas dez", afirma.
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Duda faz questão de exibir a tatuagem da letra "Ç" estilizado, no tórax. "É nossa marca registrada e está tatuada em todos meus filhos homens", diz. A cauda de seu helicóptero e canecos de chope também levam a espécie de monograma da família.
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Quando a conversa envereda pelas campanhas políticas, o publicitário que criou o slogan do "Lula paz e amor" em 2002 levanta o que parece ser sua bandeira atual -a de que os custos precisam ser barateados, coibindo o caixa dois ou qualquer tipo de doação ilícita. "Fazer TV é muito caro. É preciso acabar com esse horrível formato do horário eleitoral. Deveria haver um debate semanal no horário nobre. A interferência do marketing diminuiria."
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"O marqueteiro aumenta o potencial do candidato, mas não faz nenhum milagre. Você pode passar detalhes técnicos a ele, mas não ensina o cara a debater. Isso depende do repertório de cada pessoa. E o marqueteiro só conhece as coisas de forma superficial -a gente vende leite, cerveja, sabão em pó."
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Em 2014, Duda acha que se Dilma Rousseff for candidata, será reeleita, em condições normais. "O governador Eduardo Campos [PSB-PE] é um candidato forte, mas Dilma demonstrou personalidade. E o povo, que é quem elege, quer é comida na mesa. Não tá nem aí para uma revista como a 'The Economist' [que criticou a política econômica brasileira]. Isso é conversa para intelectual."
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Aos 68 anos se define politicamente como "mais de esquerda". "Hoje o eleitor é pragmático. Só quer saber qual voto pode melhorar sua vida. Não quer saber quem é mais ou menos correto, se é de direita ou esquerda."
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Esse pensamento, segundo ele, faz com que hoje "você não encontre diferença entre os partidos. As alianças são feitas por interesses políticos". E quanto ao PT? "Quando chegou ao governo foi obrigado a cair na real. Aí, o discurso muda. Mas ninguém pode deixar de dizer que depois de Lula o Brasil melhorou", diz.
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A certa altura o advogado Kakay, de óculos escuros e sunga vermelha, interrompe a conversa para lembrar que seu cliente está orientado a não falar sobre o julgamento do mensalão.
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Duda e sua sócia Zilmar Fernandes foram acusados de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Parte dos
R$ 11 milhões que os dois receberam pela campanha de Lula em 2002 foi paga em um paraíso fiscal.
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Kakay assume as rédeas da conversa quando o tema é mensalão. E critica a transmissão do julgamento feita pela TV Justiça, ao vivo. "Nenhuma TV no mundo transmite um julgamento penal feito pela corte suprema. Essa superexposição precisa ser revista", diz.
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Sobre a teoria do domínio do fato, citada no julgamento, o advogado brinca: "Com a ampliação de seu alcance, de fato faltou o domínio da teoria".
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Para ele, o caso mostrou uma sobreposição de prioridades. "Na medida em que o STF ficou paralisado por cinco meses, por conta de um processo penal, outros julgamentos importantes acabaram sendo adiados, inclusive com réus presos."
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Kakay dá o último gole em seu chope. Avisa que precisa ir ao encontro da mulher e de seu filho de sete anos que estão na praia. "A pior coisa do mensalão foi a Globo não ter ganho [o direito de transmitir] as Olimpíadas. Isso deu mais espaço para o julgamento", conclui, antes de sair.
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Duda busca a garrafa de champanhe. Aliviado com a absolvição do STF, afirma que em 2013 "quer curtir o momento" e levar adiante a agência Blackninja em parceria com o sócio, o sociólogo Antônio Lavareda.
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"Tudo indica", diz, que voltará a fazer campanha política em 2014. Afirma que "pode até ser" junto com João Santana (marqueteiro das campanhas de Dilma e Fernando Haddad), com quem já trabalhou em parceria. "Somos complementares."
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Quem quiser tê-lo no comando de uma campanha terá que desembolsar muito dinheiro. "Sou um cara caro. Mas ninguém pode se enganar: quando aparece que o custo de uma campanha foi de 20 ou 30 milhões, é preciso lembrar que só 10% ou 15% vão para o marqueteiro."
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Com as contas bloqueadas há seis anos no Brasil, Duda abriu fronteiras e hoje atende a maior rede varejista portuguesa, o Pingo Doce. Recentemente, inaugurou uma agência na Polônia, por conta da expansão das atividades do grupo português. "Criar campanha em polonês é loucura. Na música, a métrica é completamente diferente, imagine rimar três cês com acento", ri.
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"No final você percebe que o mundo é igual e o ser humano quer as mesmas coisas em todos os cantos."

06 de janeiro de 2013
Mônica Bergamo
Folha de São Paulo

"NÃO BASTA PARECER NOVO"


O novo não é uma criação a partir de nada, mas uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista

Falando francamente, nada me alegra mais do que deparar-me com uma obra de arte que, além de suas qualidades artísticas, seja inovadora. Não poderia ser de outro modo, pois costumo dizer que a arte existe porque a vida não basta. E quando digo vida, nela incluo, claro, também a arte que já existe. E queremos mais. Daí porque o surgimento do novo é inerente à própria criação artística. Nenhum artista quer fazer o que já fizeram ou o que ele próprio já fez. Por isso que fazer arte é fazer o novo.

Só que o novo não precisa ser um paletó de três mangas, que nunca ninguém se deu ao trabalho de fazer pelo simples fato de que as pessoas têm apenas dois braços. O novo, autenticamente novo, não é uma criação a partir de nada, mas, sim, uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista, do processo expressivo em que está mergulhado. Esse processo não tem a lógica comum ao trabalho habitual, já que o trabalho criador é, essencialmente, a busca do espanto. Falo das artes plásticas, uma vez que, na poesia, se dá o contrário, o espanto está no começo: é o novo inesperado que faz nascer o poema.

Sem dúvida, a história da arte mostra que houve momentos em que a necessidade do novo -o esgotamento do atual- levou a um salto qualitativo que determinou uma ruptura com a tendência em voga. Exemplo disso foi quando Claude Monet pintou a célebre tela "Impression, Soleil Levant", que determinou o surgimento do impressionismo.

Este foi um caso especial, já que para ele concorreram fatores diversos, que vão desde a implantação das estradas de ferro, que facilitaram a ida das pessoas ao campo, até a nova teoria das cores, que as explicava como resultado da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. O pintor, então, sai do ateliê, vai pintar ao ar livre e a pintura se torna também o registro do "devenir", da mudança cromática da paisagem com o passar das horas. Mas isso é a explicação teórica; na prática, a pintura impressionista revela uma nova beleza, um novo encantamento.

Essa é a visão geral, porque, na verdade, cada um daqueles pintores revelou alguma beleza nova a nossos olhos. Até que Paul Cézanne provoca uma nova ruptura nessa nova linguagem.

É a partir de então -particularmente com o cubismo- que a busca do novo se acelera, talvez até em consequência do dinamismo da vida moderna. A própria sociedade -a economia, a produção industrial, as descobertas científicas- muda a cada dia. E assim, de certo modo, o novo, que era consequência natural da criatividade artística, tornou-se o objetivo do artista. Mais do que fazer arte, ele deseja agora fazer o novo, que passou a ser um valor em si mesmo.

Sucede que a busca do novo pode conduzir à desintegração da linguagem artística, o que ocorreu com as artes plásticas durante o século 20. Não tendo mais linguagem, os que tomaram esse rumo passaram a usar as coisas mesmas como meio de expressão, bastando, para isso, deslocá-las de sua situação usual e pô-las num museu ou numa galeria de arte.

Mas há artistas que, sem voltar ao tradicional, criam novas linguagens, como, por exemplo, Alexandre Dacosta, que se vale de múltiplas relações formais e vocabulares para nos instigar a imaginação e nos divertir.

Ele atua nos mais diversos campos da expressão visual, mas aqui vou me ater aos dois livros que editou recentemente e que se intitulam "Tecnopoética" e "Adjetos". São criações de gratificante originalidade, em que ele mescla objetos, cores, palavras, signos visuais, postos todos a serviço de um senso de humor que explora o nonsense.

Ao contrário de outros artistas que tentam se impor pelo gigantismo das obras, Alexandre inventa pequenos objetos, às vezes "máquinas inúteis", à la Picabia.

Exemplo: O "receptor descartável de impropérios", e outro, chamado "suruba", feito de tomadas elétricas encaixadas umas nas outras. Há um outro, que consiste num sapato com rodas de patins e uma hélice que o faria levantar voo.

Ele define seus objetos como "utensílios capazes de deslocar a percepção para uma invertida reflexão do cotidiano". Trata-se de uma das manifestações mais inteligentes e criativas dentre as que vi ultimamente nesse gênero de arte.

06 de janeiro de 2013
Ferreira Gullar
Folha de São Paulo

"FUNCIONALISMO INCHADO E CARO"

Uma das características da administração federal nos últimos dez anos é o inchaço da máquina estatal, com o aumento do quadro do funcionalismo e o consequente aumento dos gastos com pessoal. A chegada do PT ao poder, em 2003, representou uma guinada na política administrativa que vinha sendo seguida desde o início da década de 1990 e que era marcada por queda contínua do número de funcionários ativos.

O projeto de Orçamento da União para 2013 prevê gastos de R$ 228 bilhões com pessoal, o triplo, em valores correntes, do que foi gasto com o funcionalismo em 2002, último ano da gestão Fernando Henrique Cardoso. Em valores reais, o aumento é de 85%. Cada vez mais cara, a política de pessoal do PT reduz a capacidade de investimento do governo e retarda o crescimento da economia.


Desde o início do primeiro mandato de Lula, o número de funcionários vem crescendo, mas o custo do pessoal cresce mais depressa, em razão dos benefícios que os governos petistas vêm concedendo ao funcionalismo. Segundo o mais recente Boletim Estatístico de Pessoal (referente a outubro de 2012), publicação mensal editada pelo Ministério do Planejamento, havia 992,0 mil servidores ativos do Poder Executivo (civis e militares) em 1991.

Em 1998, no primeiro ano da gestão FHC, o total havia sido reduzido para 841,9 mil funcionários e continuou a cair. Em 2002, último ano da gestão tucana, estava em 810,0 mil. Em setembro de 2012, último dado disponível, tinha subido para 1.000,5 mil, com aumento de 23,5% durante a gestão petista.

Somados os ativos, inativos e pensionistas de todos os poderes, o número de servidores federais passou de 1.836.251 em 1995 (dado mais antigo informado pelo governo) para 2.099.280 em setembro de 2012.

Parte do aumento do número de servidores ativos do Executivo foi justificada pelo governo como necessária para recompor o quadro de pessoal de áreas essenciais do governo e para fortalecer atividades típicas do Estado. Mas essa recomposição, mesmo quando necessária, não obedeceu a critérios gerais e, em grande parte, atendeu a reivindicações específicas de determinadas carreiras, o que gerou distorções no sistema de remuneração do setor público ou ampliou as que já havia.

A política de pessoal do PT, além disso, ampliou a diferença entre a remuneração média do setor público e a do setor privado. A remuneração média do funcionário civil da ativa do Executivo é de R$ 7.715 (a do militar é de R$ 3.480); no Ministério Público Federal, de R$ 15.199; no Poder Legislativo, de R$ 16.245; e no Poder Judiciário, de R$ 13.165.

Uma grave distorção do sistema de remuneração do setor público - vencimentos maiores para servidores inativos do que os dos funcionários da ativa - foi eliminada em algumas carreiras, mas persistem em outras, em condições ainda piores do que as de duas décadas atrás. Ela deixou de existir para os funcionários do Banco Central (BC). Em 1997 (dado mais antigo disponível), os aposentados do BC ganhavam, em média, 48,2% mais do que os funcionários da ativa; hoje, os servidores da ativa ganham, em média, 26% mais.

Em algumas áreas, a diferença de ganhos entres servidores ativos e inativos caiu. No Ministério Público Federal, ela passou de 67% em 1991 para 15% no ano passado; no Poder Judiciário, de 52,6% para 29,6%. Mas a disparidade de remuneração entre inativos e ativos se ampliou para os militares. Em 1991, os militares da reserva ou reformados ganhavam 82,3% mais do que os da ativa; a diferença passou para 116% no ano passado. Também para os servidores do Poder Legislativo a diferença cresceu, de 26,7% para 77,9%.

O Estado precisa, como afirma o governo, dispor de meios para cumprir seu papel. Mas distorções, falta de uniformidade e gastos crescentes, sem a correspondente melhora dos serviços públicos, vêm marcando a administração de pessoal do governo federal desde a chegada do PT ao poder.

O resultado, em lugar de um Estado mais eficiente, é uma máquina mais inchada e cara, o que exige a contenção de outras despesas, sobretudo as que podem impulsionar o crescimento, como os investimentos em infraestrutura.

06 de janeiro de 2013
editorial do Estadão

"SEM SAUDADES"

É quase uma constante começar o ano-novo com um balanço sobre o que finda e com votos de esperança para o futuro. Neste janeiro, não fosse a reiteração da esperança, haveria dificuldades em manter o ânimo. Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro, porque do ano que se encerrou pouco restou de bom.
Na vida pessoal é distinto. Cada um fará o balanço que melhor lhe aprouver; eu, pessoalmente, nada de monta tenho a lastimar. Mas nos acontecimentos públicos, quanto desalento. Ainda bem que a História não se repete automaticamente. Vade retro!
 
Comecemos pela economia e pelas finanças internacionais. Quando parecíamos estar saindo da recessão que se arrastava desde 2008, a recuperação mundial mostrou-se mais lenta e a crise na Europa, ainda mais profunda.
É desolação para todos os lados. Os americanos, mais pragmáticos, nadam de braçada num mar de dólares trocados por títulos de solvência difícil, à custa do resto do mundo.

Este não sabe o que fazer com a taxa de câmbio para se defender da inundação de dólares enquanto os Estados Unidos postergam o dia do ajuste final. Sua taxa de desemprego continua elevada, embora não em ascensão; não exibem retomada vigorosa da economia, sem, todavia, cair no abismo fiscal anunciado pela imprensa, o fiscal cliff.

Ou melhor, estão mergulhados nele, mas com escafandro: mantêm as ruas aquietadas e vão contornando sem violência os que protestam nas praças, como no caso do movimento Occupy.
Não conseguem, é verdade, escapar do abismo político das posições radicalmente distintas entre republicanos e democratas, muito maior do que aquele no qual está imerso o Tesouro.

Os dois partidos não se entendem para definir uma política fiscal que alivie as aperturas do Tesouro, pois os republicanos não aceitam impostos que taxem mais os ricos nem apoiam medidas que deem alívio às dificuldades dos mais pobres, sobretudo na questão da saúde. A sociedade americana parece bloqueada.

Os europeus pretendem levar a sério o que os americanos dizem, não o que fazem. Pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes. E a economia, tal como o cavalo do inglês que, quando aprendeu a viver sem comer, morreu, vai de austeridade em austeridade desfazendo o tão penosamente construído modelo social europeu, rompendo, ou melhor, sufocando o Estado de bem-estar social e destruindo as bases de um pacto de convivência aceitável.

É governo caindo por todo lado e desemprego fazendo as famílias gemerem sem ilusões.

E nada de o PIB crescer nem de as contas públicas melhorarem: da crise de liquidez do setor bancário privado passaram à quebradeira dos Tesouros nacionais, enquanto o euro continua intrépido, como se fosse bandeira da Alemanha triunfante. Esta, por sua vez, torna-se capenga pela falta de quem compre as mercadorias que sua produtividade torna baratas em comparação com as produzidas além-fronteiras.

Até a China, cujo aparelho produtivo, baseado em exportações, foi criado em aliança com as multinacionais, teve de se ajustar às circunstâncias, pois lhe falta hoje o vigor do mercado externo de outrora.
O país reconstitui penosamente seus objetivos; por ora, essa transição não se completou e o velho modelo já não produz os mesmos exuberantes resultados. Tenta aumentar o consumo doméstico e criar a rede de proteção social indispensável para dar ânimo às pessoas e fazê-las, em vez de poupar para a velhice e a invalidez, consumir.

Ao mesmo tempo, com demanda interna insuficiente, a China reduz suas compras de commodities e busca exportar mais os muitos produtos manufaturados que fabrica. O Brasil sofre com isso. Se aqui a crise não produziu um tsunami, suas marolas se converteram em marasmo, que obriga à navegação à vela em tempos de calmaria.

Se pelo menos a situação política mundial desse algum sinal de melhoria, haveria consolo. No final de 2011 meus votos foram pela construção de uma melhor governança global, processo que se avizinhava. Não foram atendidos, demos marcha à ré. As esperanças suscitadas pelo G-20 viraram poeira e, pelo menos até agora, a regulação do mercado financeiro virou balela.

No plano das relações de poder, apesar dos avanços já alcançados - as razoáveis relações sino-americanas, o deslocamento do eixo do mundo para a Ásia, a progressiva aceitação da Rússia como parte do jogo de poder mundial e o reconhecimento do peso político específico de alguns dos países de economia emergente, como o Brasil -, não houve progresso de monta. O que parecia um ressurgimento que permitiria o reconhecimento do mundo árabe-islâmico como parceiro global - a Primavera Árabe - ainda é uma incógnita.

Como se não bastassem a desastrada intervenção europeia na Líbia, que resultou em faccionalismo e violência, a revolta fomentada na Síria, com enorme custo humano, o fracasso da intervenção ocidental no Afeganistão e o congelamento de uma situação política precária no Iraque, há ainda o impasse nas relações palestino-israelenses.

Este, graças à aceitação pela ONU do Estado palestino na condição de observador, junto com a enigmática revolução egípcia, poderá ser rompido. Sabe-se lá usando quais meios. Oxalá não os nucleares, pretextando a nuclearização do Irã.

Há, portanto, boas razões para desconfiar que 2013 nos prepare dias melhores. Resta o consolo de que entre nós, brasileiros, a despeito do já dito e do desapontador "pibinho", que parece desenhar outro apenas melhorzinho para o ano em curso, pelo menos o Judiciário desempenhou seu papel. Sem me regozijar pelo que não me anima - a desolação da cadeia para quem quer que seja -, é forçoso reconhecer que as instituições republicanas funcionaram.

Há choro e ranger de dentes entre alguns poderosos. Há tentativas desesperadas de negar as evidências e acusar de farsa o que é correto. Mas tem prevalecido a serenidade dos que acreditam, como diz a bandeira dos mineiros sobre a Liberdade, que a Justiça pode tardar, mas não falha. São meus votos.

06 de janeiro de 2013
Fernando Henrique Cardoso
O Estado de São Paulo

"IMORAL, LEGAL, ENOJA"

Quem gosta de futebol sabe quem é Pagão: um gênio da bola, o primeiro companheiro de Pelé, que acabou deixando os gramados de tanto que levou pancada (e nunca reagiu).

Foi o maior ídolo de Chico Buarque de Holanda, que, garoto, ia ao Pacaembu sem dinheiro para o ingresso, esperava a abertura dos portões no segundo tempo e só então entrava, e apenas para ver Pagão.

Num certo jogo, alguém dividiu uma bola e o zagueiro adversário caiu no chão, machucado. A bola sobrou para Pagão, sozinho na frente do gol. Ele não quis se aproveitar da situação: elegantemente, colocou a bola para fora.

Poderia ter feito o gol. Era legal e o jogador adversário poderia ser atendido do mesmo jeito. Mas como enfrentar sua própria consciência?

No Governo Itamar Franco, seu principal auxiliar e amigo Henrique Hargreaves sofreu uma acusação. Itamar o afastou até que o caso fosse investigado. Não havia nada contra ele; e, inocentado, Hargreaves voltou ao cargo.

Durante o processo, ficou longe do palácio: não ficaria bem uma pessoa sob suspeita dando ordens no Governo.

E aí chegamos a José Genoíno. É legal ele tomar posse, mesmo condenado em última instância, já que faltam algumas formalidades para que ele seja enviado à prisão, em regime semiaberto.

Legal, é; como seria legal se Pagão tivesse feito o gol, se Hargreaves tivesse se mantido no cargo. Mas ambos, em papéis diferentes, tinham consciência do que é comportamento ético.

Já Genoíno tomou posse. Ele, que violou a lei, agora irá votar as leis.

Da Internet

Comentário de um internauta: "Genoíno diz que se sente à vontade para assumir o mandato. Entendo! Eu é que não me sinto bem."

06 de janeiro de 2013

Carlos Brickmann

Com blog do chico brun o