Sete anos após a bombástica entrevista de Roberto
Jefferson, os envolvidos no suposto esquema começam a ser julgados com as
consequências sendo imprevisíveis
Quando der início à leitura do relatório da Ação
Penal 470, às 14 horas, em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Joaquim Barbosa começará a desvendar um dos capítulos mais sombrios e
controversos da história política recente do Brasil. Considerado o principal
escândalo da Era Lula (PT), o mensalão será julgado a partir de hoje. Os 11
ministros do STF serão algozes de 38 réus que tiveram o nome envolvido no
suposto esquema de desvio de recursos públicos para compra de apoio político no
Congresso.
O mensalão trouxe consequências. Mais que derrubar
ministros, cassar deputados e arranhar a imagem de partidos, as denúncias
mudaram o curso da História a partir de 2005, ano em que o caso foi delatado
pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ).
O debate sobre financiamento de campanha foi
aquecido; o discurso pela moralização do poder ganhou peso – culminando,
depois, na aprovação da Lei da Ficha Limpa. Porém, nada disso se compara ao que
pode ser considerado o maior efeito do escândalo: a eleição de Dilma Rousseff
(PT) para a Presidência da República.
O mensalão exigiu uma reconfiguração dos planos do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tinha em seu ministro da Casa
Civil, José Dirceu, sucessor ideal para o comando do Palácio do Planalto.
Apontado como chefe do suposto esquema de corrupção, Dirceu foi obrigado a sair
de cena abrindo espaço para Dilma.
Em alguma medida, a eleição da petista é produto do
mensalão. Há quem avalie que, sem as denúncias, dificilmente ela teria sido
deslocada do Ministério de Minas e Energia para a vitrine de maior destaque do
Executivo, a Casa Civil. Ali, sua imagem foi moldada e preparada para encarnar
o desafio petista da manutenção do poder.
O que está por vir
Agora, reconduzido à pauta, o mensalão volta a dar
as cartas – principalmente, em relação ao futuro político dos envolvidos. Está
nas mãos dos ministros do STF, por exemplo, o destino de Dirceu, que, maculado
pelas suspeitas, hoje restringe sua atuação aos bastidores políticos e aos
negócios de sua empresa de consultoria.
Uma vez inocentado, pode ganhar força para voltar a
disputar cargos públicos. “Se eu dissesse que o Zé [Dirceu] não gostaria de
voltar, estaria mentindo. Até com a Presidência da República ele sonha”,
sinalizou ontem o deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP).
As consequências do julgamento para a imagem do PT
e do Governo também já são calculadas. O Ministério das Relações Institucionais
movimenta-se para traçar uma estratégia de contraponto ao mensalão no Congresso
Nacional, para evitar, ou pelo menos minimizar, a contaminação dos interesses
do Executivo pela polêmica.
“Vamos enfrentar (o julgamento) com a mesma
estratégia que adotamos na CPI do Cachoeira. Vamos trabalhar uma pauta
construtiva. Reconhecemos que haverá impacto político, mas nossa agenda será
dentro do que o país precisa”, afirmou o líder do governo no Senado, Eduardo
Braga (PMDB-AP).
É possível, ainda, que o mensalão cobre sua fatura
eleitoral nas disputas municipais deste ano. Há dúvidas sobre o peso que o
julgamento terá no desempenho dos partidos envolvidos na polêmica. O presidente
nacional do PT, Rui Falcão, tem tranquilizado os aliados, otimista de que não
haverá consequências graves. Porém, fica a dúvida lançada por Eduardo Braga: “O
cidadão comum tem a agenda econômica ou do mensalão como prioridade?”.
Como
ENTENDA A NOTÍCIA
O julgamento do Mensalão terá como pano de fundo os
oito anos do Governo Lula, colocando também em xeque o futuro de lideranças
petistas e do próprio partido, a depender do resultado dado pelos ministros do
STF.
Números sobre o o processo do mensalão
24
acusações de formação de quadrilha
10
de corrupção ativa
13
de corrupção passiva
35
de lavagem de dinheiro
6
de peculato
10
de evasão de divisas
4
de gestão fraudulenta
Cronologia
05/2005. Um vídeo flagra o ex-diretor dos Correios,
Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil. Ele pertencia à cota do PTB no
governo e, por isso, o caso desviou-se para o presidente do PTB, deputado
federal Roberto Jefferson, que se sentiu acuado.
06/05. Jefferson concede uma entrevista à
jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, na qual denuncia a existência
do esquema do mensalão. O caso passa a ser parte dos fatos investigados pela
CPI dos Correios. O deputado é convocado para repetir sua denúncia.
No depoimento à CPI, Roberto Jefferson dá detalhes
sobre a forma de captação de recursos que, depois, seriam supostamente o
desviados para parlamentares. Ele cita a participação do empresário Marcos
Valério.
O deputado diz também ter recebido uma mala com R$
4 milhões das mãos do próprio Valério e que os beneficiados faziam saques na
boca do caixa em uma agência do Banco Rural que funcionava em um shopping de
Brasília.
07/05. É instalada a CPI do Mensalão, cujo
relatório, apresentado em setembro, pedia a cassação de 18 deputados. Destes,
apenas três (incluindo José Dirceu e Roberto Jefferson) perderam o mandato e,
com isso, tiveram os direitos políticos suspensos por oito anos.
08/05. O presidente Lula faz um pronunciamento em
cadeia de TV em que se diz “traído” e afirma que o ‘’PT tem que pedir
desculpas”, mas não citou nomes.
04/06. O então procurador-geral da República,
Antônio Fernando de Souza, apresenta a denúncia do mensalão ao STF. Ele acusa
40 pessoas de participarem de uma “sofisticada organização criminosa” destinada
a “garantir a continuidade do projeto de poder do PT, mediante a compra de
apoio político.
08/07. O STF aceita
a denúncia de Antônio Fernando. Passa a tramitar a Ação Penal 470. Os réus são
acusados de crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro,
corrupção ativa, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
O Povo (CE) - 02/08/2012
Hébely Rebouças