Diz a fábula que a cigarra passava os dias de verão cantando enquanto a formiga não parava de trabalhar, cortando folhas e recolhendo sementes. Indagada pela cigarra porque trabalhava tanto, a formiga respondeu que precisava guardar comida para o inverno.
A cigarra então retrucou que o inverno estava muito longe e não tinha com que se preocupar. Seguiu cantando até que veio a neve, as folhas caíram e a comida acabou. A cigarra ficou com fome e teve que bater à porta da formiga para conseguir abrigo e alimento.
O Brasil nos últimos quatro anos vem se comportando como a cigarra da fábula. A crise financeira de 2008 nos deu licença para gastar com a nobre desculpa de espantar os efeitos recessivos vindos do exterior. A poupança agregada do país caiu de 18,8% do PIB em 2008 para 14,8% em 2012.
Queda de quatro pontos percentuais do PIB. Enquanto isso, o consumo agregado, equivalente à soma do consumo das famílias e do governo, saltou de 79,1% do PIB para 83,8%, aumento de 4,7 pontos percentuais. Para consumir mais em termos relativos, investimos menos, exportamos menos em termos líquidos e ainda consumimos uma parte do estoque de bens.
O interessante é que esse padrão de comportamento é o oposto do que ocorreu entre 2000 e 2008. Naquele período, a participação do consumo no PIB se reduziu, enquanto a do investimento cresceu, bem como a das exportações líquidas. Apesar disso, foi um período em que o bem estar da população aumentou.
Uma das mudanças mais negativas no Brasil pós-crise foi a política fiscal. Antes de 2008, vínhamos entregando superávits primários acima de 3% do PIB anualmente de forma consistente. Após a crise, a política fiscal passou a ser bem mais expansionista.
As despesas do governo aumentaram enquanto as receitas sofreram os efeitos da desaceleração econômica. Passou-se a contar cada vez mais com receitas não recorrentes e outros artifícios contábeis para incrementar o resultado. A contribuição do governo para a poupança agregada ficou bem mais negativa de 2008 para 2009, último ano em que é possível ver os dados da poupança desagregados.
Existe uma crença por trás das ações do governo de que o ativismo fiscal e o incentivo ao consumo das famílias estimula o crescimento. Os dados, no entanto, não confirmam essa tese. O crescimento médio do PIB no período 2000-08 foi de 4,2%, enquanto, no intervalo 2009-12 foi de apenas 2,7%.
O que gera crescimento sustentável é o investimento, e para haver investimento tem que haver poupança. As firmas precisam ser mais eficientes e os trabalhadores, mais produtivos. O governo também tem que fazer a sua parte e canalizar recursos para o investimento. Esse é o caminho de sucesso que todos os países que atingiram níveis elevados de renda trilharam. Os asiáticos são os exemplos mais recentes.
O Brasil, no entanto, trilha o caminho inverso. A diferença entre poupança e investimento do país equivale ao resultado em conta corrente. Se um país poupa menos do que investe (caso do Brasil), a resultante é um déficit em conta corrente, que é o valor líquido das transações de bens e serviços mais o envio de renda ao exterior.
Se extrapolarmos para os próximos anos o aumento do consumo em proporção do PIB ocorrido entre 2009 e 2012, mantendo o investimento constante, chegaremos em um déficit muito elevado em conta corrente, o que é claramente insustentável. O mais provável é que antes disso haja uma depreciação da moeda e uma redução forçada do investimento e do consumo de bens e serviços transacionáveis com o exterior.
Concluindo, as políticas macroeconômicas que priorizam o consumo presente em detrimento do investimento e do aumento do consumo futuro são politicamente atraentes, mas não produzem ganho de bem estar no longo prazo. É como na fábula da cigarra e da formiga. É mais gostoso ser a cigarra e passar o verão cantando, mas somente a formiga sobrevive quando chega o inverno.
Fernando Rocha é economista e sócio da JGP Gestão de Recursos. E-mail: jgp@jgpdtvm.com.br
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Fernando Rocha |
Valor Econômico - 04/04/2013 |