O presidente do Paraguai não conseguiu criar uma verdadeira unidade entre os que o apoiaram, e seu governo foi marcado por constantes ameaças de destituição
Fernando Lugo perdeu a presidência no sábado passado, depois de ser destituído pelo Senado que lhe submeteu a um julgamento político. Na realidade, a administração de Lugo sempre esteve no fio da navalha durante seus quatro anos de exercício presidencial, marcados por rumores de destituição, possíveis golpes de estado, escândalos sobre a vida privada dele que fora Bispo e até um câncer que ele conseguiu vencer.
O espectro da destituição pendia sobre Fernando Lugo desde que ele assumiu em 2008, pondo fim a 61 anos de governos colorados. Ele liderava uma coalizão heterogênea, formada por neoliberales como seu próprio vice-presidente Federico Franco, que agora é seu substituto, e esquerdistas.
Além disso, o próprio Lugo gerou uma revolução de expectativas com suas promessas de acabar com a tradição corrupta e autoritária do Partido Colorado e das reformas sociais, em especial a agrária: “a reforma agrária nunca foi levada a sério no Paraguai, houve algumas tentativas mas nunca aconteceu.
Agora criamos uma coordenadoria que inclui não apenas o objetivo de conceder terras para os camponeses, mas também assistência técnica, creditícia, em general, para os territórios mais abandonados. Em segundo lugar para os Sem Terra prevê colocar em andamento um programa elaborado por eles mesmos”.
Uma presidência marcada pela debilidade
Mas Fernando Lugo não conseguiu criar uma verdadeira unidade entre os que o apoiaram em 2008 e precisou de apoios, força e habilidade suficientes para cumprir com o prometido e garantir a governabilidade. As pressões dos movimentos camponeses que exigiam a aceleração da reforma agrária se uniram à emergência de um grupo guerrilheiro e terrorista como o Exército do Povo Paraguaio.
O presidente teve que resistir às críticas procedentes do “coloradismo”, bem como o jogo sujo de alguns dos líderes deste partido, como o senador Juan Carlos Galaverna, que lançou a proposta de apressar seu julgamento político.
Enquanto sua própria coalizão foi se desintegrando, o “coloradismo” acreditava cada vez mais em uma nova figura crescente como Horacio Cartes, um polêmico empresário que deu esperanças a esta força que parece estar renascendo.
Desde o início de seu governo, em especial entre 2008 e 2010, os rumores de que Lugo podia ser destituído foram constantes. Seu vice-presidente Federico Franco o acusou de traição assim que iniciou sua administração e logo se candidatou para sucedê-lo: “temos que estar atentos (…), eu sempre disse: é função do Vice-presidente estar preparado para qualquer situação…o que qualquer paraguaio e este Governo querem é que termine bem…se as condições não estão boas, é necessário usar o que a Constituição estabelece”.
No final de 2009 houve rumores, inesperadamente, por parte do Estado militar, o que obrigou o presidente a desmenti-los: “posso assegurar, como comandante das Forças Armadas da Nação, que institucionalmente não existe nenhum perigo do Estado, pelo menos promovido pelas forças militar”.
De todas as formas, reconheceu que podiam ter “pequenos grupos” de militares que poderiam “ser utilizados pela classe política”, mas assegurou que “institucionalmente as Forças Armadas não se prestarão a nenhum tipo de intentona golpista”.
Calmaria antes da tormenta
A situação acalmou-se relativamente em 2010, coincidindo com a boa fase da economia que cresceu a um ritmo muito alto, acima de 14%. Mas em 2011 e 2012, a economia primeiro desacelerou-se (cresceu apenas 3,8% no ano passado) e em 2012 caiu em recessão. Segundo o FMI, o Paraguai sofrerá uma queda em sua economia com a diminuição de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
A calmaria política foi favorecida também quando, em agosto de 2010, seus médicos anunciaram que sofria de câncer linfático, que superou após se submeter a seis sessões de quimioterapia em São Paulo, ao mesmo tempo em que reduziu consideravelmente suas aparições públicas. Foi um período de trégua antes da ofensiva final.
Quase todas as forças políticas queriam a destituição de Lugo.
O “coloradismo”, favorito para ganhar em 2013, porque este abrupto final apoiava a teoria que sustenta que apenas esta força é capaz de dar governabilidade ao país. “Cumpriu com todos os requisitos de mau desempenho de suas funções, mesmo assim havia riscos eleitorais. Não queremos ser parte nem aval do que possa ocorrer com fatos similares … Nossa posição é a favor do Julgamento Político”, assinalou Horacio Cartes.
De fato, Lugo acusou Cartes de estar “por trás de tudo”: ”há uma probabilidade muito forte, com indícios muito claros, de que quem está por trás de tudo isto é o pré-candidato do Partido Colorado, Horacio Cartes”.
O Presidente explicou que o líder colorado “sabe que sua candidatura não está crescendo” e “a única maneira de fazer crescer sua candidatura é eliminando os candidatos e o processo democrático iniciado em 2008″.
O ministro paraguaio Miguel López Perito e o senador liberal Luis Alberto Wagner também concordaram que Cartes seria o mandante do julgamento político contra Lugo.
O Partido Liberal Radical Autêntico deixou de apoiar o presidente temendo que Lugo virasse todo o apoio estatal para uma dissidente colorada como Lilian Samaniego e não em um candidato liberal e assim, deter a ascensão de Cartes. Ganhar as eleições presidenciais sem controlar o aparelho estatal parecia impossível para o liberalismo.
O presidente do PLRA, senador Blas Llano, negou esta possibilidade, pois diz que a acusação de seu colega Luis Alberto Wagner em relação a um acordo com Horacio Cartes “não tem nem pé nem cabeça”.
Negou que tenha conversado com o líder Colorado, com Javier Zacarías Irún, com Lilian Samaniego ou com Lino Oviedo; com o único líder com quem manteve um encontro.
Porém, se o velho PRI parece que vai regressar ao poder em 2012, o panorama paraguaio aponta para um regresso do velho Partido Colorado ao poder em 2013, devido à crise de governabilidade desatada depois da experiência de governo de Lugo e seus aliados do Partido Liberal Radical Autêntico, força que acreditava ser a alternativa para o “coloradismo” no ano que vem.
Agora o “coloradismo”, seguramente liderado por Horacio Cartes, pode ser apresentado para o eleitorado nas eleições de 2013 como a única força com capacidade de contribuir para o país frente ao “luguismo” e ao liberalismo que conduziram o Paraguai a uma crise de governabilidade.