Leitores querem saber por que
não escrevo sobre as grandes corrupções nacionais. Ora, isto está na primeira
página de todos os jornais.
A crônica é tão vasta que já existem extensas
compilações on line, para orientar o leitor no organograma da corrupção.
Prefiro
falar sobre o que os jornais não trazem. Por exemplo, o Chico Buarque sendo
traduzido na Coréia às custas do contribuinte. Não sei se o leitor notou, mas a
dita grande imprensa não disse um pio sobre isto. O que sabemos vem da
blogosfera.
Prefiro falar de corrupções
mais sutis, quase imperceptíveis, mas corrupções. A imprensa denuncia com
entusiasmo a corrupção no congresso, na política, nos tribunais. Não diz uma
palavrinha sobre a corrupção no santo dos santos, a universidade. Corrupção esta
mais difícil de ser detectada, já que em geral foi legalizada. Mordomias para
encontros literários internacionais inúteis, concursos com cartas marcadas,
endogamia universitária, tudo isto se tornou rotina no mundo acadêmico e não é
visto como corrupção.
Tampouco se fala sobre a
corrupção no mundo literário, que há muito se prostituiu. Jorge Amado, que
passou boa parte de sua vida escrevendo a soldo de Moscou, está sendo
homenageado nestes dias no país todo. Devo ter sido o único jornalista que o
denuncia – e isto há décadas – como a prostituta-mor das letras
tupiniquins.
Corrupção só existe quando em
uma ponta está o Estado. Se o dono de meu boteco me cobra 50 reais por uma
cerveja e eu pago com meu dinheiro, pode ter ocorrido um abuso, mas jamais
corrupção. O dinheiro é meu e a ele dou a destinação que quiser, por estúpida
que seja. Mas se um fornecedor de cervejas as vende por 50 reais ao governo,
está caracterizada a corrupção. Porque governo não tem dinheiro. Governo paga
com os meus, os teus, os nossos impostos. E obviamente alguém do governo vai
levar algo nessa negociata.
Escritores, esses curiosos
profissionais que querem transformar suas inefáveis dores-de-cotovelo em fonte
de renda, adoram subsídios do Estado. Não falta quem pretenda a regulamentação
da profissão. O que não seria de espantar, neste país onde até a profissão de
benzedeira acaba de ser reconhecida no Paraná. (Voltarei ao
assunto).
Em
2002, Mário Prata, medíocre cronista do Estadão, pedia a Fernando Henrique
Cardoso o reconhecimento da profissão de escritor: “O que eu quero, meu
presidente, é que antes de o senhor deixar o governo, me reconheça como
escritor”. Claro que não era apenas a oficialização de uma profissão que estava
em jogo. Mas o financiamento público da guilda. Cabe observar como o cronista,
subserviente, se habilita ao privilégio: “meu
presidente”.
Esquecendo que existe um
Congresso neste país, o cronista pedia ao presidente a elaboração de uma lei.
Mais ainda. Citava a Inglaterra como exemplo de país onde o escritor é
reconhecido. Lá, segundo o cronista, toda editora que publicar um livro, tinha
que mandar um exemplar para cada biblioteca pública do país. “Claro que os 40
mil exemplares são comprados pelo governo. Quem ganha? Em primeiro lugar o
público. Ganha a editora, ganha o escritor. Ganha o País. Ganha a
profissão”.
E
quem perde? – seria de perguntar-se. A resposta é simples: como o governo não
paga de seu bolso coisa alguma, perde o contribuinte, que com os impostos tem de
sustentar autores até mesmo sem público. É o que chamo de indústria textil.
Textil assim mesmo, sem acento: a indústria do texto. É uma indústria divina:
você pode não ter nem um mísero leitor e vender 40 mil exemplares. O personagem
mais venal que conheço é o escritor profissional. Ele segue os baixos instintos
de sua clientela. O público quer medo? Ele oferece medo. O público quer
lágrimas? Ele vende lágrimas. O público quer auto-ajuda? Ele a fornece. É
preciso salvar o famoso leite das criancinhas.
No
fundo, saudades da finada União Soviética, onde os escritores eram pagos pelo
Estado comunista para louvar o Estado comunista. Seguidamente comento – e creio
ser o único a comentar – o livro A Sombra do Kremlin, relato de viagem do
jornalista gaúcho Orlando Loureiro, que viajou a Moscou em 1952, mais ou menos
na mesma época que outro jornalista gaúcho, Josué Guimarães. Enquanto Josué,
comunista de carteirinha, vê o paraíso na União Soviética em As Muralhas de
Jericó, Loureiro vê uma rígida ditadura, que assume o controle de todo
pensamento. Comentando a literatura na então gloriosa e triunfante URSS, escreve
Loureiro:
A
União dos Escritores funciona como um Vaticano para a moderna literatura
soviética. O julgamento das obras a serem lançadas obedece a um critério
estreito e sectário de crítica literária. Esta função é exercida por um conselho
reunido em assembléia, que discute os novos livros e sobre eles firma a opinião
oficial da sociedade. A exegese não se restringe aos aspectos literários ou
artísticos da obra julgada, senão que abrange com particular severidade seu
conteúdo filosófico, que deve estar em harmonia absoluta com os conceitos de
“realidade socialista” e guardar absoluta fidelidade aos princípios ideológicos
da doutrina marxista. Se o livro apresentar méritos dentro do ponto de vista
dessa moral convencionada, se resistir a esse teste de eliminatória, então
passará por um rigoroso trabalho de equipe dentro dos órgãos técnicos da União,
podendo vir a tornar-se num legítimo best-seller, com tiragens astronômicas de 2
a 3 milhões de exemplares. E o seu modesto e obscuro autor poderá ser um nouveau
riche da literatura e será festejado e exaltado e terminará ganhando o cobiçado
prêmio Stalin…
Foi
o que aconteceu com a prostituta-mor das letras brasileiras. Em 1950, o
ex-nazista e militante comunista Jorge Amado passou a residir no Castelo da
União dos Escritores, em Dobris, na ex-Tchecoslováquia, onde escreveu O Mundo da
Paz, uma ode a Lênin, Stalin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano seguinte,
quando o livro foi publicado, recebeu em Moscou o Prêmio Stalin Internacional da
Paz, atribuído ao conjunto de sua obra, condecoração geralmente omitida em suas
biografias.
Não
que hoje se peça profissão de fé marxista ou louvores a Stalin. No Brasil, para
ter sucesso, o escritor hoje tem de aderir ao esquerdismo governamental. Não
precisa louvar abertamente o PT. Mas se tiver dito uma única palavrinha contra,
não é convidado nem para tertúlia nos salões literários de Não-me-toques. Você
jamais ouvirá um Luís Fernando Verissimo, Mário Prata, Inácio de Loyola Brandão
ou Cristóvão Tezza fazendo o mínimo reproche às corrupções do PT. Perderiam as
recomendações oficiais como leituras escolares e acadêmicas… e uma considerável
fatia de seus direitos de autor. O livro de Loureiro não mais existe, só pode
ser encontrado em sebos. Os de Josué continuam nas livrarias. Et pour
cause…
Escritor financiado pelo
Estado é escritor que vendeu sua alma ao poder. É o que acontece quando
literatura vira profissão. Alguns se rendem aos baixos instintos do grande
público e fazem fortuna considerável. Uma minoria consegue exercer honestamente
a literatura e manter a cabeça acima da linha d’água.
Uma
imensa maioria, que não consegue ganhar a vida nem honesta nem desonestamente,
apela à cornucópia mais ao alcance de suas mãos, o bolso do contribuinte. É o
caso de Chico Buarque, o talentoso escritor cujo talento maior parece ser
descolar financiamento para sua “obra” junto ao contribuinte. Mas Chico está
longe de ser o único. Está cometendo algum crime? Nenhum, seus subsídios são
perfeitamente legais. Mas por que cargas eu ou você temos de pagar pelas
traduções e viagens a congressos internacionais de um escritor que se dá ao luxo
de ter uma maison secondaire às margens do Sena?
Ainda há pouco, eu comentava o
absurdo de o contribuinte financiar a tradução de Chico na Coréia. Leio agora
que o programa de bolsas de tradução da Biblioteca Nacional vai apoiar mais
autores best-sellers no Brasil. O Diário de um Mago, de Paulo Coelho, será
lançado na China pela editora Thinkingdom Media Group. Já As Esganadas, de Jô
Soares, estará nas livrarias francesas. Ora, Coelho tornou-se milionário graças
a suas obras de auto-ajuda, já traduzidas em quase 60 idiomas. Jô, que deve
ganhar salário milionário na televisão, tem seus livros entre os mais vendidos,
graças ao fator Rede Globo. Será que estes senhores precisam enfiar a mão em
nosso bolso para pagarem seus tradutores na China e na
França?
É destas corrupções,
perfeitamente legais, que prefiro falar. Porque delas ninguém fala. Em verdade,
nem mesmo os leitores. Não há quem não chie contra a carga tributária imposta ao
contribuinte no Brasil. Mas todos pagam sem chiar as mordomias destas
prostitutas das Letras.
26 de setembro de 2012
janer cristaldo