"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 31 de maio de 2013

CARNE ARTIFICIAL - VAMOS SUBSTITUIR O MATADOURO PELO LABORATÓRIO?


 
Em breve Mark Post vai apresentar os primeiros resultados do projecto que desenvolve carne em laboratório
 
A carne artificial pode ser uma opção viável para reduzir 278 milhões de toneladas de carne animal, produzidas por ano. Apesar das possíveis diferenças nos valores nutricionais, os especialistas não condenam a alternativa.
 
Em 2012, cada europeu consumiu cerca de 76 quilos de carne. No resto do mundo, a média foi de 42 quilos. Estas estatísticas estão a gerar preocupações ambientais, já que por cada mil gramas de carne de vaca produzida para consumo humano, são libertados cerca de 13 quilos de gases com efeitos de estufa — muito mais nocivos que o dióxido de carbono. 
 
A Organização para a Comida e Agricultura das Nações Unidas sublinha que este valor é equivalente aos gases que, em média, são emitidos a cada 160 quilómetros percorridos por um automóvel. 

 
O problema dos valores nutricionais
 
Anna Olsson, investigadora do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto, diz mesmo que, actualmente, o "nível de consumo de carne não é sustentável". Assim, a produção de carne em laboratório pode ser a solução para um ambiente mais equilibrado.
 
Tal como a convencional, a carne artificial "pode ser enriquecida com nutrientes e há maiores possibilidades de controlar a sua composição do que quando a carne deriva de um animal". Segundo a investigadora, os valores nutricionais "não precisam de ser diferentes, mas se houver diferenças em termos de valores nutricionais, parece provável que sejam em favor da carne artificial".
 
Já Célia Lopes, dietista, refere que ainda é cedo para ter acesso a relatórios acerca da "composição nutricional da carne artificial". Deste modo, ao não existir "provas dadas ao nível da comunidade científica, não é possível afirmar que a carne artificial apresenta os mesmos valores nutricionais que a de animal".
 
No entanto, Anna refere que comer "carne em si não é problemático", uma vez que o problema está mesmo nas grandes quantidades consumidas "no mundo ocidental". Célia Lopes partilha da mesma opinião pois "como qualquer alimento", o problema é quando é consumido em excesso". Deve-se variar o tipo de carne consumida, "limitando o consumo de carnes vermelhas e ter em atenção a certificação dos produtores e distribuidores.
 
Apesar de defender que a carne artificial pode ser mais facilmente controlada para "conter características benéficas para a saúde", Cristina Rodrigues, do Centro Vegetariano, diz que, ao tratar-se de um alimento produzido em laboratório, "não se sabe se terá consequências para a saúde ou não". Mesmo assim, "a substituição da carne animal por carne artificial certamente diminuirá problemas de colesterol e outros associados ao consumo excessivo de proteínas animais", sublinha.

Projecto da Universidade de Maastricht
 
Na Holanda já há previsões para o primeiro hambúrguer de origem não-animal. Nos próximos meses, a equipa de cientistas e investigadores da Universidade de Maastricht — liderada por Mark Post — vai apresentar os primeiros resultados do projecto que desenvolve carne em laboratório.
 
O processo é complicado mas garante a salvaguarda e respeito pelos animais. As células estaminais são extraídas de tecido muscular animal, através de uma autópsia, para depois serem cultivadas in vitro. Ao longo do processo, acrescentam-se vitaminas, açúcar e gordura de forma a estimular a origem de três mil pedaços de tecido: o suficiente para produzir um hambúrguer. 
 
A carne de laboratório vai ter um preço elevado, tratando-se de um produto para um pequeno "nicho". Assim, inicialmente, não vai ser um produto para o grande público. Cristina Rodrigues lembra, no entanto, que é necessário que o produto seja "saboroso" e que tenha "um preço mais acessível do que a carne" convencional, para granjear mais apoiantes.
E mesmo assim há muitas pessoas que nunca vão ter "interesse em experimentar um produto de laboratório", diz. Pode até levar "muitos anos até se mudar mentalidades e hábitos".
 
31 de maio de 2013
Fonte: Público

EXPLOSÃO NA LUA POR IMPACTO DE METEORITO DE 40 KG




 
“A agência espacial norte-americana monitoriza há oito anos, os impactos de meteoritos na Lua. Na noite de 17 de Março observaram um impacto que causou a maior explosão de sempre, que teria sido visível a qualquer pessoa que estivesse a olhar para o satélite natural naquele momento - sem precisar de telescópio.

Segundo a NASA, a explosão foi causada pela queda de um meteorito de 40 kg, que teria entre 30 e 40 centímetros. Viajava a cerca de 90 mil quilómetros por hora. A explosão era equivalente a cinco toneladas de TNT.
 
"Na noite de 17 de Março, as câmaras da NASA e da Universidade de Western Ontario detectaram um número fora de comum de meteoros aqui na Terra", afirmou Ron Suggs, analista do Marshall Space Flight Center. "Estas bolas de fogo viajavam numa órbita idêntica entre a Terra e a cintura de asteróides", acrescentou, dizendo que tanto o nosso planeta como o seu satélite natural estavam a ser atingidos por meteoróides na mesma altura.
 
Contudo, ao contrário da Terra, cuja atmosfera destrói a maior parte dos objectos, a Lua está totalmente exposta. Desde 2005, já foram detectados mais de 300 impactos, mas o de 17 de Março foi o mais brilhante.

(Notícia corrigida às 16.40: o meteorito viajava a cerca de 90 mil quilómetros por hora e não 90 km como por erro estava inicialmente referido).

31 de maio de 2013
Fonte: DN

"LANTERNA MÁGICA" TRAZ MEMÓRIAS AMARGAS DE IGMAR BERGMAN

 



Publicado originalmente em 1987, ‘Lanterna mágica’ (Cosac ­Naify, 320 págs., R$ 87,50) não é uma autobiografia convencional. A reconstituição ordenada dos acontecimentos passa longe de ser uma prioridade ou um ojetivo para Ingmar Bergman (1918-2007).: ele não segue a cronologia nem se preocupa em respeitar uma estrutura narrativa que trate de forma equilibrada os diferentes períodos de sua vida e obra. E, no entanto, ‘Lanterna mágica’ é um dos melhores livros de memórias que já li, certamente o melhor escrito por um cineasta (e não foram poucos). Seu impacto para mim só tem equivalente nas memórias de outro gênio, este da literatura, Elias Canetti. Como o escritor búlgaro, o cineasta sueco escreve com espantosa sinceridade e  total entrega: ‘Lanterna mágica’ é uma autobiografia do coração, mas de um coração amargo. Saímos de sua leitura com a convicção de conhecermos profundamente seu autor, suas qualidades e seus defeitos, suas angústias, neuroses e medos, mas sem a mesma ceteza de admirá-lo.
 
Nesse sentido, ‘Lanterna mágica’ poderá desapontar o leitor em busca de informações objetivas, relatos detalhados ou análises “cabeça” dos 64 filmes que Bergman dirigiu – alguns dos consagrados como mais importantes pela posteridade sequer são mencionados. Sua movimentada carreira no teatro recebe tanta atenção (ou mais) quanto sua trajetória cinematográfica: Bergman dirigiu mais de 170 peças, a maioria em Estocolmo e em Munique, nem sempre com sucesso. Páginas e páginas são dedicadas a episódios desagradáveis, que muitos em seu lugar deixariam de fora.
 
Dois exemplos: a sedução do Nazismo, na adolescência, quando, num intercâmbio, morou na Alemanha com a família de um pastor, nos anos 30: “Eu o amei também. Durante muitos anos estive do lado de Hitler, alegrando-me com suas vitórias e me entristecendo com as derrotas”; e, já com mais de 60 anos, o sério problema que teve com o fisco da Suécia, quando foi acusado de sonegar impostos e quase levado à prisão, episodio que lhe valeu um colapso nervoso e o auto-imposto exílio na Alemanha: “Essa história, comprida e quase insuportável, que se estendeu por muitos anos, causando a mim e aos meus terrível sofrimento, custou uma fortuna em honorários advocatícios e me mandou para o exílio durante nove anos.” Outro trecho que pode surpreender muitos leitores é o de sua crítica ao movimento estudantil de 1968, que Bergman trata quase com desprezo, sublinhando o “lodo emocional”, o sectarismo e a intolerância dos jovens revolucionários.



A infância e os laços familiares – principalmente a intensa e conturbada relação com a mãe – são examinados em profundidade, em um processo de auto-análise sem qualquer filtro, maquiagem ou defesa. A exposição das próprias mazelas físicas (incluindo doenças crônicas constrangedoras, como os problemas digestivos e intestinais que o acompanharam por toda a vida) humaniza Bergman ainda mais, da mesma forma que a reconstituição de conflitos profissionais que pontuaram sua carreira no cinema e no teatro.
Por maior que tenha sido o seu sucesso, Bergman jamais conseguiu relaxar: viveu assombrado pela perspectiva do fracasso e pelo medo das pressões materiais: “Porque carrego comigo um tumulto constante, o qual tenho de manter sempre sob controle, sinto angústia diante do imprevisto, do imprevisível. No exercício de minha profissão, sou um pedante administrados do indizível. (…) Nunca me exponho. (…) Tudo é apenas aparência. Se por um momento levantasse a máscara e dissesse o que realmente sinto, meus companheiros se voltariam contra mim, me fariam em pedaços e me jogariam pela janela.”
 
Bergman tampouco encontrou a paz nos cinco casamentos (fora os longos casos com suas atrizes, como Liv Ullmann), nem estabeleceu com os nove filhos qualquer envolvimento afetivo Egoísta e muitas vezes frio – por exemplo, recursou-se a visitar o pai às vésperas de uma cirurgia delicada, apesar dos apelos da mãe; uma semana depois era a mãe que morria – ele reconhece que fez sofrer gente que deveria amar. Filho de um severo pastor protestante, sua relação com Deus e a religião também foi compreensivelmente conturbada, alimentando questões presentes nos filmes da primeira metade de sua carreira, como ‘O sétimo selo” (1957). Quando, na fase madura, ele se voltou para a dissecação dos relacionamentos afetivos interpessoais, os resultados foram igualmente amargos e perturbadores. Tratando o amor, a família e a fé de forma adulta, como raramente se vê hoje no cinema, Bergman dirigiu filmes que continuam inquietantes décadas após sua realização, como ‘Persona’ (1966), ‘Gritos e sussurros’ (1972), ‘Face a face’ (1973) e ‘Cenas de um casamento’ (1976).
 
Em ‘Lanterna mágica’, Bergman inventaria suas muitas culpas: pelos conflitos com os pais, pela crueldade com os irmãos, pela forma como tratou as mulheres, pela indiferença aos filhos, pela arrogância no trato com atores e subordinados.A mesma dureza amarga ele demonstra nas breves descrições de encontros com outros mitos, como Greta Garbo, Ingrid Bergman e Laurence Olivier.
 
Seu olhar está sempre em busca do defeito que fragiliza, nos outros como em si mesmo, como as rugas na boca de Garbo. Somente ao falar do cineasta russo Andrei Tarkóvski e de poucos outros colegas Bergman demonstra uma generosidade sem reservas: “(…) Tarkóvski é o maior de todos, pois se move, sem dúvida, no espaço do sonho; não explica, o que explicaria, afinal de contas? Ele é um sonhador que conseguiu pôr em cena suas visões. (…) Durante toda a minha vida bati à porta desse salão, onde ele se movimenta com toda a facilidade. Somente algumas vezes consegui entrar. (…) Fellini, Kurosawa e Buñuel se movem na mesma região de Tarkóvski. Antonioni estava a caminho, mas foi eliminado, sufocado por seu próprio tédio. Méliès esteve sempre lá sem se dar conta. Era, afinal, mágico de profissão.”
 
Tanto quanto o silêncio de Deus, Bergman filmou o abismo insuperável entre as pessoas. Sua descrição do casamento com a pianista Käbi Laretei vale tanto como uma confissão de incompetência como marido quanto como um diagnóstico perfeito do que acontece em muitas uniões, dependendo da experiência do leitor: “Tudo era uma produção nova e heróica que logo se transformou em nova e heróica catástrofe. Duas pessoas à caça de identidade e segurança escrevem papéis uma para a outra.
 
A máscara se espatifa logo e cai por terra ao primeiro estranhamento. Nenhum dos dois tem paciência de observar o rosto do outro. Ambos gritam com o olhar desviado: ‘Olhe para mim, veja-me’, mas ninguém vê. Os esforços não dão frutos. As duas solidões são um fato, o fracasso uma realidade não reconhecida. A pianista viaja em turnê, o diretor dirige e a criança é confiada a mãos competentes. Exteriormente, a imagem representa um casamento estável com sucesso para os contraentes. A decoração é de bom gosto e a iluminação bem-arranjada.”
 
Voltando à relação com a mãe: ela está sugestivamente presente no começo (“Inclino-me sobre fotografias de minha infância e estudo o rosto de minha mãe através da lupa: tento penetrar sentimentos que se deterioraram”) e no final do livro, que se encerra com a narrativa de um sofrido reencontro imaginário, anos após a morte dela, que deveria servir como ajuste de contas, mas que resulta mais uma vez em fracasso, na incapacidade de comunicação verdadeira, na ausência de qualquer revelação que desse sentido a esse absurdo chamado vida. Em 1983, Bergman realizou um curta sobre ela, ‘O rosto de Karin’, sem texto nem diálogo, composto apenas de fotografias, que talvez seja uma boa maneira de concluir esta resenha:


 
“Há alguns anos fiz um pequeno filme sobre o rosto de minha mãe. Eu o fiz com uma câmera de 8 mm e uma objetiva especial. Como, depois da morte de meu pai, roubei todos os álbuns de fotografia da família, tive acesso a um material considerável. O filme era, pois, sobre o rosto de minha mãe, ‘O rosto de Karin’, desde a primeira fotografia aos 3 anos até a última, uma foto de passaporte tirada alguns meses antes de seu derradeiro infarto.
“Dia após dia, estudei centenas de imagens através da objetiva, que ampliava e delimitava: a favorita do pai que envelhecia, orgulhosa, encantadora e arrogante. A estudante junto com suas colegas do primeiro ano da classe de Tia Rosa, em 1890. A menina que se contorce atormentada, vestida com um avental bordado, em meio a colegas que não estão usando avental. A primeira comunhão, numa blusa branca, bordada, cara, de corte russo, uma menina de Tchekhov, anelante e cheia de mistério. A jovem enfermeira com seu uniforme, a profissional diplomada, decidida e cheia de confiança. A fotografia do noivado, tirada em 1912. (…)
“Então vem a última imagem, a foto do passaporte. (…) Minha mãe havia sofrido dois infartos. Parece que um vento gélido soprou em seu rosto, os traços se desviaram um pouco. O olhar é velado, ela, que sempre lia, não pôde mais ler, o coração era mesquinho com o abastecimento do sangue, o cabelo cinzento sobre a fronte larga e baixa está puxado para trás, a boca sorri hesitante, é preciso sorrir nas fotografias. A pele macia das bochechas está empapuçada e atravessada por riscos e depressões, os lábios estão ressecados.”
 
(PS: Superficial e cheio de spoilers pinçados do texto para impressionar o leitor, o prefácio de Woody Allen – na verdade uma  resenha publicada no ‘New York Times’  em 1988 – é absolutamente dispensável. Recomendo saltar, ou deixar sua leitura para o final. Melhor seria ter mantido a introdução de Fernando Gabeira à primeira edição brasileira do livro, de 1988, da editora Guanabara).

31 de maio de 2013
Luciano Trigo

UM ENCONTRO COM O CARRASCO QUE JÁ EXECUTOU 89 HOMENS

NUNCA DERRAMOU UMA LÁGRIMA POR NENHUM PRISIONEIRO, NUNCA TEVE UM PESADELO – E AINDA ENCONTRA TEMPO PARA CULTIVAR E FOTOGRAFAR FLORES

 
Sherman Costa/TV Globo)
A morte florida : o carrasco cultiva flores nas horas vagas (Imagem: Sherman Costa/TV Globo)

Quem avisa amigo é : tirem as crianças da sala.
Porque o blogueiro vai descrever agora como foi o encontro com o personagem que faz os assassinos mais perigosos tremerem na base:

estive frente a frente com o mensageiro da morte – o homem encarregado de comandar o ritual de execução dos prisioneiros condenados à chamada “pena capital” no estado do Texas.

Eu já tinha tido um encontro com um carrasco profissional, numa cidadezinha do interior da Inglaterra: lá vivia o homem que um dia teve como profissão enforcar prisioneiros condenados à morte, na época em que a Inglaterra ainda aplicava o castigo definitivo a criminosos tidos como irrecuperáveis.
A certa altura da entrevista, o carrasco inglês fez, no meu pescoço, uma demonstração de como usar a corda para o enforcamento (em breve, um post sobre o assunto).

Porque o dono da festa hoje é o Carrasco do Texas ( “Por que diabos há jornalistas que gostam tanto de tragédias, dramas, derrocadas, derrapagens, personagens excêntricos e cenários horripilantes ?”, perguntará a alma ingênua sentada na terceira fileira de nosso teatro mambembe. “Por um motivo básico”, responderá de pronto o meu demônio-da-guarda : “Se não gostassem dessas esquisitices, repórteres bisbilhoteiros estariam certamente cumprindo tarefas mais amenas, como animar festas infantis vestidos de Bozo, por exemplo”). 
Eis o que escrevi sobre o encontro: 
 
Se a palavra tédio pudesse ser escrita de outra maneira, teria dez letras : Huntsville. É o fim do mundo : o turista que desembarcar nesta cidadezinha do interior do Texas terá a impressão de que bateu na porta errada.
Quer se divertir ? A melhor opção pode ser uma lanchonete de fast food em que os fregueses podem devorar  sanduíches de hamburguer sem sair do carro.
O desfile de jipes gigantescos no pátio da lanchonete funciona como um atestado motorizado da fartura americana.
Não há carros velhos. A impressão (absurda ?) é de que também não há gente magra. A obesidade se alimenta de milk shakes, batatas fritas e hamburguers consumidos em quantidades industriais.    

O forasteiro fará bem em degustar o hamburguer sem pressa. Se resolver se aventurar pelas ruas de Huntsville à noite terá a sensação de que pousou num deserto, habitado por fantasmas. Onde estarão os quarenta mil habitantes ?          
        
Mas se o forasteiro estiver interessado em assuntos menos divertidos do que a qualidade dos hamburgueres servidos em lanchonetes fast foods, Huntsville  pode se transformar de repente num lugar fascinante.  O assunto é pena de morte ? Cadeira elétrica ? Injeção letal ? Cloreto de potássio ? Carrascos mal encarados ?  Prisões inexpugnáveis ? Cercas eletrificadas ?   Huntsville, abre as asas sobre nós : os repórteres em busca de bons personagens te saúdam com uma pontada de mórbida alegria no peito. 

Indefensável, a pena de morte faz parte da história do Texas há séculos. A execução de presos pode causar horror a forasteiros ou a militantes que, religiosamente,fazem demonstrações de protesto diante da prisão a cada vez que o porta-voz anuncia a morte de um detento. Mas o ritual já se integrou à rotina de Huntsville. A não ser que o caso tenha repercussão nacional, há execuções que correm o risco de passar em brancas nuvens.

“Vá para um bar. Pergunte a quem estiver no balcão. Provavelmente ele não saberá que um preso vai ser executado naquele dia” – constata Larry Fitzgerald, porta-voz da prisão e advogado confesso da pena capital como método de justiça. “Fico irritado quando falam de Huntsville como capital nacional das execuções.Por que é que não chamam  Huntsville de capital mundial dos direitos das vítimas ?”. 

A banalidade do ritual da morte em Huntsville pode ser facilmente constatada no jornal local,o centenário Huntsville Item. Uma notícia de execução só merece registro no espaço nobre da primeira página se for capaz de mobilizar a atenção daqueles freqüentadores de bar citados pelo porta-voz da prisão como representantes típicos da maioria silenciosa. Caso contrário, a notícia ficará confinada sem grande destaque nas páginas internas. Execução aqui é rotina. Não é exceção.

O Huntsville Item abriria manchete se um dia a cidade passasse um mês sem ter notícia de um preso executado. Assim caminha Huntsville, dona do título de campeã nacional de execução de presos. Em nenhuma outra cidade americana tantos presos são executados quanto aqui. Desde que uma lei de 1973 decidiu que o Texas voltaria a punir com a pena de morte os autores de crimes hediondos, nada menos de trezentos e dez presos foram executados aqui com injeção letal.

Pode parecer estranho o fato de uma cidade tão pacífica ostentar a liderança nacional em número de execuções. Mas a aparente disparidade tem uma explicação :  todos os condenados à morte no Texas são enviados para Huntsville, onde o Departamento de Justiça montou um aparato para que a mais rigorosa das leis seja cumprida.
Se o Estado decide punir com a pena de morte quem cometeu crimes considerados hediondos, alguém precisa cumprir a sentença.
 
Ei-lo :  pai de um casal de filhos,55 anos de idade, fã de westerns , James Willett já comandou pessoalmente a execução de 89 presos. Método : injeção letal.

Sherman Costa/TV Globo)
O carrasco : a morte, em nome das leis do Texas (Imagem: Sherman Costa/TV Globo)

Quando chega o dia da execução, o condenado à morte sai do corredor da morte de uma penitenciária chamada Polunsky , a cerca de setenta quilômetros do centro de Hunsville, para uma viagem de uma hora rumo ao local de execução.  O prédio onde os presos levarão a injeção letal  chama-se The Walls. Fica no centro da cidade. 
  
Depois de amarrado a uma maca por seis cintos de couro – atados  aos tornozelos, aos dois braços e ao tronco – o preso terá a chance de dizer suas últimas palavras,diante do carrasco e do capelão. 
 
A primeira dose é de um anestésico – administrado em dose suficiente para provocar a morte. O preso perde os sentidos em questão de segundos. A segunda substância injetada nas veias do preso provoca um colapso pulmonar.A terceira causa uma parada cardíaca. Não há escapatória possível. É como se o preso morresse três vezes.
 
Há um código secreto na sala de execuções. O preso nem desconfia, mas um gesto aparentemente inofensivo funciona como uma senha para que a sentença de morte seja executada. Do outro lado de um vidro espelhado, numa sala contígua, um funcionário aguarda um sinal do carrasco para liberar as substâncias que serão conduzidas por tubos plásticos às veias do condenado. O carrasco tira os óculos. É o que basta. Quando vê que os óculos estão nas mãos  do carrasco,o funcionário já sabe o que deve fazer.                 
     
Willett hoje dá expediente no Museu da Prisão de Huntsville. A pérola do museu é a cadeira elétrica usada para executar 361 presos – antes da adoção da injeção letal como método de execução. Quem pagar o correspondente a doze reais pode contemplar à vontade a cadeira elétrica. Criança paga meia.         
       
O que passa pela cabeça do homem pago pelo Estado para executar o que a Justiça decidiu ?  
Procuro a fera no Museu da prisão. O carrasco se aproxima da cadeira elétrica,passa trinta segundos contemplando aquele monumento à morte, dá o veredito :
 - A injeção letal é melhor do que a cadeira elétrica.É mais humana.Eu prefiro.  
 
James Willett sabe do que fala.Diz que jamais perdeu um minuto de sono por exercer uma tarefa que almas sensíveis classificariam como macabra.

Uma das predileções de Willett pode soar como esquisitice no currículo de um homem que convive com tanta intimidade com a morte dos outros :  o carrasco é apaixonado por flores. Usa as horas vagas para fotografar azaléas que florescem bonitas nos jardins de Huntsville.
O carrasco não é egoísta : quer compartilhar com o mundo o enlevo que sente diante da beleza uma azálea.    
 
Willett é, literalmente, a última face que os condenados à morte vêem, no momento em que tomam a injeção letal que os matará em questão de segundos. “O processo deve durar uns vinte, trinta segundos”,di, com o tom profissional de um caixa de banco que,no final do expediente, atualiza os números do dia.
 
Ao lado de Willett e do preso, no instante da execução, só fica uma testemunha privilegiada : o capelão designado pelo sistema penitenciário para oferecer palavras de conforto a quem cometeu pecados capitais. Do lado de fora da sala, protegidos por uma tela de vidro, ficam as testemunhas : três escolhidas pelo preso,três escolhidas pela família da vítima.
 
Depois de cumprir a tarefa – comandar execuções que ocorrem pontualmente às seis da tarde,hora do Angelus  -, Willett vai para casa tomar sopa, assistir a westerns na TV e dormir. “Adoro um bom western”,diz o carrasco.
 
 Que demônios habitam a mente desse homem que tem um encontro com a  morte dos outros justamente  na hora em que almas devotas estão rezando a Ave Maria ? 
 
 Quando aparece na cela de presos que o Estado do Texas considera irrecuperáveis,para escoltá-los rumo à sala onde a sentença final será executada, Willett é a face visível  de uma enorme e complicada engrenagem 

A história dos presos condenados à morte passou por  delegacias, institutos de medicina legal, postos de polícia,laboratórios,salas de tribunais,gabinetes de governadores – um enorme teia que,no fim da linha,se materializa naquele homem de olhos azuis e estatuta mediana.
 
Se um cartunista fosse desenhar a face de um carrasco , poderia perfeitamente imaginar a figura de um homem de feições duras,olhar gélido, um discretíssimo sorriso apenas esboçado no canto inferior direito da boca,como convém a um mensageiro da morte. As feições de Willett jamais desapontariam um cartunista.
Porque ele é exatamente assim : um homem de feições duras,olhar gélido,um discretíssimo sorriso apenas esboçado no canto inferior direito da boca. 
 
Sherman Costa/TV Globo)
A face do carrasco : a última visão dos condenados ( Imagem: Sherman Costa/TV Globo)

Diante da cadeira elétrica,o carrasco fala.

O senhor diz que o último diálogo pode ser bem-humorado. Que humor é este ?
 
Willett : “Um dos presos,quando já estava amarrado à maca,no momento em que os enfermeiros da prisão estavam  inserindo as agulhas,fez um pedido : “Queria um bombom.Minha boca ficou seca”. O capelão deu a ele um bombom – daqueles que vêm embrulhados em papel celofane. Como o preso estava imobilizado,o capelão jogou o bombom na boca. Perguntei a ele : “Vai ser sua última comunhão ?”. O preso me respondeu : “Vai ser a última.Mas tenho a impressão de que não vai funcionar”.
 
O que é que o senhor diz aos presos sobre o que vai acontecer ?
 
Willett : “Nós discutimos sobre quais serão as suas últimas palavras. Digo a eles,no dia da execução : “Voltarei em torno das seis da tarde,para levar você até a cela”. Os presos já sabem o que esperar. Poucos fazem perguntas. Mas digo : você vai caminhar por conta própria,sem algemas,sem que ninguém toque em você até que você chegue à câmara.A grande maioria dos presos simplesmente me acompanha até o local da execução”.
 
Como é que o senhor explica a eles o método da execução ?
 
Willett : “Em geral,perguntam-me quanto tempo vai durar.Ou se vai doer.Digo, honestamente,que a execução em si dura trinta segundos. Ao fim desse tempo, eles estarão dormindo. Perguntam se dói.
Sou honesto : digo que ninguém sabe realmente. Mas,para quem olha, é como se alguém estivesse adormecendo, pacificamente. Parece-me indolor. Quando um preso faz a última declaração, eu já saberei qual será a última frase. Porque terei discutido o assunto com eles,antes. De qualquer maneira, a maioria me diz que vai me avisar quando a declaração estiver concluída. Neste momento,tiro os meus óculos.
É um sinal para que o funcionário – que fica do outro lado de um vidro espelhado – saiba que é hora de liberar as substâncias que chegarão às veias do preso.
O funcionário pode nos ver. Nós não o vemos. Em trinta, trinta e cinco segundos o preso dará um suspiro profundo e adormecerá.Eu ainda espero um pouco. Chamo, então, o médico que constatará a morte do preso”.
 
Qual foi a maior surpresa que o senhor já teve no dia da execução ?
 
Willett : “Sempre fui surpreendido com o fato de os presos pedirem uma grande quantidade de comida na última refeição. Dá para notar pelo tamanho do estômago – que fica estufado. É como alguém que come todo dia um prato feito. A comida pode até ser boa, mas enjoa depois de um certo tempo.
Um dia, os presos ganham finalmente a permissão para pedir um tipo de comida a que eles não tiveram acesso durante anos. O que me surpreende também é ver que presos que são amarrados à maca parecem mais à vontade do que estou aqui agora,falando com você.
Um dos presos, na hora da execução, no momento de pronunciar suas últimas palavras, pediu desculpas sinceras à família da vítima por toda a dor que tinha causado.Depois,virou-se para mim :  “Guarda,é tudo”.
Mas, antes de eu tirar os meus óculos,ele ainda me disse : “Como vão os Dallas Cowboys ? “. Pensei comigo : Meu Deus ! Ele arruinou suas últimas palavras com essa pergunta sobre o time de beisebol.
Um dos prisioneiros que levei para execução queria cantar “Noite Feliz” depois de pronunciar suas últimas palavras. Perguntou-me : “Posso cantar “Noite Feliz” enquanto essas substâncias estiverem entrando pelas minhas veias ? “. Eu disse que sim. Dei sinal para que as substâncias fossem liberadas.
Quando ele começou a cantar, pensei comigo : “Meu Deus,as testemunhas que estão do outro lado do vidro vão pensar que eu impedi que ele cantasse a música inteira”. Eu tinha dito a ele que não haveria tempo para tanto”.
 
O senhor já pensou na possibilidade de que pode ter executado um inocente ?
 
Willett : “Certamente, há a possibilidade de que um inocente tenha sido executado. Numa situação em que há tanta interação humana – com valores como culpa, inocência e punição – haverá sempre esta possibilidade.É algo que cruza a minha mente”.
 
Que sentimento o senhor tem diante desta dúvida ?
 
Willett :”É triste saber que nós,a espécie humana,consideramos a possibilidade de fazer tais coisas”.
 
Que argumento o senhor usaria contra a pena de morte ?
 
Willett : “Não sei se teria um argumento contra a pena de morte. Há aspectos negativos – como, por exemplo, a possibilidade de um inocente ser executado. Discordo dos que dizem que a pena de morte impede crimes. Não impede. A maioria desses crimes é cometida em momentos passionais. O criminoso não pára para pensar “Meu Deus,posso pegar a pena de morte !”. O que a pena de morte faz é dar a certeza de que aquele criminoso não vai cometer outros crimes”.
 
O senhor já teve algum pesadelo depois de uma execução ?
 
“Não. Sou um daqueles que não perdem o sono por nada”.
 
O senhor afinal prefere a cadeira elétrica ou a injeção letal ?
 
“Nunca testemunhei uma execução na cadeira elétrica. Apenas li a respeito. Falei com testemunhas. Não tenho dúvida de que a injeção letal é melhor.Porque é como se alguém tivesse caído no sono – e não acordasse depois.
A cadeira elétrica é mais horripilante”. (a cadeira elétrica texana foi aposentada em 1964.Desde 1982, quando a pena de morte voltou a ser adotada no Texas, cerca de 350 prisioneiros foram executados com a injeção.
A não ser que as famílias reclamem os corpos, os executados são enterrados no cemitério da prisão. Presos cavam as covas.
Os condenados à morte esperam a execução numa ala em que ficam confinados 23 horas por dia em celas individuais.Não veem TV. Só podem ouvir rádio em ocasiões especiais.Não existe visita íntima. 38 dos 52 estados americanos têm pena de morte.
Há estados que ainda usam cadeira elétrica ou câmara de gás. A Anistia Internacional considera a pena de morte “desumana e cruel”).
 
O senhor se considera o homem mais temido do Texas ?
 
Willett : “Ah, não.Eis uma idéia que nunca passou por minha cabeça”.  

31 de maio de 2013
Geneton Moraes Neto
G! -Dossie