Marcação cerrada –
As investigações da CPI do Cachoeira foram incompletas e grande parte de seus membros patrocinaram blindagens de políticos e empresas, além de sucumbirem a pressões do Palácio da Planalto para deixar de fora do relatório final aliados do governo.
Também foi barrado o aprofundamento da apuração de contratos da Delta Construção com a União, estados, municípios e estatais.
A crítica é a base do
voto em separado que o líder do PPS na Câmara, deputado federal
Rubens Bueno (PR), apresentará na terça-feira (11) durante votação do texto final do relator da comissão, deputado Odair Cunha (PT-MG).
No documento de 73 páginas, o partido pede investigações sobre o uso da máquina pública para angariar doações de empresas com contratos com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a campanha da então candidata a presidente Dilma Rousseff e defende a necessidade de apuração da ligação de cinco governadores (Marconi Perillo, PSDB de Goiás, Agnelo Queiroz, PT do Distrito Federal, Sérgio Cabral, PMDB do Rio de Janeiro, Siqueira Campos, PSDB do Tocantins, e Sinval Barbosa, PMDB do Mato Grosso) com organização criminosa chefiada pela Delta Construção e operada por Carlinhos Cachoeira.
Também reforça a necessidade de uma devassa nas contas de 15 empresas de fachada que receberam mais de R$ 360 milhões do esquema e levanta suspeitas sobre o crescimento dos negócios da Delta com o governo após contratação de consultoria do ex-ministro José Dirceu.
O texto alerta ainda para a necessidade de rastreamento da origem de recursos remetidos ao exterior por investigados e sugere investigação sobre a ligação do empresário Marcelo Limírio com a quadrilha.
Pagot e Dilma
No caso das doações para a campanha da presidente Dilma Rousseff, Rubens Bueno afirma que é necessário esclarecer que credenciais tinha o tesoureiro da campanha dela, o atual deputado federal José de Fillipi (PT-SP), para, em reunião no Dnit, pedir que o então diretor do órgão, Luiz Antônio Pagot, acionasse empresas com contratos no departamento para angariar recursos.
“Por que os doadores se apressaram em comprovar para Luiz Antônio Pagot que as doações foram realizadas?”, questiona o parlamentar.
O líder do PPS lembra que, em depoimento na CPMI, Pagot confirmou que foi procurado no Dnit pelo tesoureiro da campanha da presidente Dilma, que lhe pediu: “Olha, as maiores, você não precisa se preocupar, que isso é assunto do comitê de campanha.
Se você puder pegar mais 30 ou 40 empresas para fazer uma solicitação, você solicita que apresentem a doação na conta de campanha.”
Pagot revelou também que algumas empresas fizeram questão de confirmar a doação. “Encaminharam para mim um boleto – não passou de meia dúzia – demonstrando que tinham feito a doação”, disse o ex-diretor do órgão.
Na avaliação do parlamentar do PPS, o depoimento confirmou que partidos políticos ávidos por doações para as eleições se utilizam de órgãos estratégicos do governo, com orçamentos expressivos, para que atuem como “facilitadores” dessas doações. “Se nada foi feito à margem da lei, como declarou com muita dúvida o ex-diretor do DNIT, no mínimo alguns fatos devem ser apurados”, destacou o deputado no voto.
Para blindar governadores, espírito republicano sucumbiu
Com relação aos governadores, Rubens Bueno argumenta que embora fosse imprescindível o depoimento deles, notadamente o do Estado do Rio de Janeiro, o espírito republicano sucumbiu.
“É forçoso reconhecer a prevalência do partidarismo mais retrógrado, tanto que a decisão política pela “blindagem” dos governadores foi motivada pelo temor da repercussão do depoimento de cada um deles nas eleições municipais de 2012 e nos demais pleitos que a sucederão”, critica o parlamentar.
Segundo o líder do PPS, o “acordão” entre parlamentares de diversos partidos mencionado nos corredores da CPMI assegurou-lhes a não convocação.
“No entanto, os textos dos requerimentos oferecem as pistas acerca do envolvimento desses governadores com o grupo criminoso e apontam para os contratos de obras de engenharia firmados por órgãos estaduais com a Delta Construções S.A., em afronta, suspeita-se, à Lei de Licitações, ou com valores superfaturados dos próprios contratos ou de seus aditivos. São indícios que (esses fatos) podem e devem ser perseguidos em outras esferas de investigação”, defende.
Para Bueno, eram precisos pelo menos mais 180 dias para a conclusão dos trabalhos.
“O esforço da minoria, contudo, foi em vão. Mais do que tempo, faltou à Comissão vontade política para esgotar as principais suspeitas cujos fatos obrigariam trilhar linhas de investigação nunca antes enfrentadas. Os governistas, como se presumira inicialmente, tinham interesse em encerrar os trabalhos o quanto antes, sem as efetivas investigações exigidas pela gravidade das suspeitas”, afirma o deputado em seu voto, lembrando da estratégia arquitetada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de usar a CPMI para desviar o foco da imprensa do julgamento do Mensalão do PT.
“Outros Cachoeiras”
O líder do PPS aponta ainda que a CPMI caminhou na direção de tentar aliviar a responsabilidade do dono da Delta, empresário Fernando Cavendish. “Mas essa estratégia não enganou a sociedade que percebeu e denunciou a manobra.
Com o avançar dos trabalhos ficou evidente que o principal protagonista do esquema criminoso não é Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, mas a empresa Delta por meio de seu proprietário”, afirma o parlamentar.
Para o membro da CPMI, “os dados apurados são assustadores e começa a vingar a suspeita de que pode haver outros “Cachoeiras”, prepostos da Delta e de outras empreiteiras, nos demais estados da Federação”.
Os erros da CPMI
Na avaliação de Rubens Bueno, também estão entre os principais erros de estratégia da CPMI a tentativa de intimidar jornalistas e atentar contra a liberdade de imprensa, a investida contra o procurador geral da República, a omissão em relação aos governadores, e a dispensa de depoentes munidos de Habeas Corpus.
Delta
Em seu voto, Rubens Bueno também traça um perfil da Delta, apontada por ele como o centro do esquema criminoso. Ele lembra, por exemplo, que em 22 anos, a Delta Construções pulou de o patrimônio líquido de R$ 50 milhões para R$ 1,1 bilhão, uma variação de 804%, em valores corrigidos. De acordo com dados declarados pela própria empresa à Receita Federal, nos anos-base de 2009 e 2010, as principais fontes pagadoras da empreiteira podem ser agrupadas em:
a) recursos do Governo Federal;
b) recursos estaduais e municipais agrupados por região;
c) recursos oriundos de outras empresas ou consórcios.
Quase a metade dos recursos recebidos pela empresa Delta Construções S/A nos dois anos analisados veio de contratos com o Governo Federal (49,4%).
Em seguida aparecem os recursos obtidos junto a Governos estaduais e prefeituras da Região Sudeste, especialmente do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro.
A Região Centro-Oeste, tendo agregado o Estado do Tocantins, aparece em terceiro lugar como fonte de receitas (9,4%). A maior parte dos pagamentos realizados à empresa é feita em função de obras e contratos do PAC.
José Dirceu
O deputado lembra ainda que os contratos da Delta com o governo federal aumentaram em número e valor justamente quando vieram a público as denúncias do então deputado Roberto Jefferson acerca do chamado mensalão. Nesse contexto, a Delta – objetivando uma fatia cada vez maior de participação no Governo Federal – contratou, no final de 2008 e por um período de seis meses, a JD Assessoria e Consultoria, de propriedade de José Dirceu, ex-ministro do Governo Lula, para melhorar sua “performance”. “A contratação foi paga pela Sigma Engenharia, da qual Fernando Cavendish era um dos sócios. Essa parceria deu certo: os contratos da empresa com o Governo saltaram de R$ 393 milhões em 2008 para R$ 788 milhões em 2009”, ressalta.
Com relação a Sigma, Bueno rememora que os dois ex-sócios de Cavendish na empresa, Romênio Marcelino Machado e José Augusto Quintella, denunciaram, com gravações, que o dono da Delta afirmava comprar parlamentares para aprovar projetos com o governo
“Estou sendo muito sincero com vocês: 6 milhões aqui, eu ia ser convidado. Ô senador fulado de tal, tá aqui. Se convidar, eu boto o dinheiro na tua mão”, disse Cavendish em um trecho da conversa.
Em outro, se vangloria. “Se eu botar 30 milhões na mão de um político eu sou convidado para coisa para c*… Pode ter certeza disso. Te garanto.”
Para Rubens Bueno, mesmo diante desse tipo de declaração não houve maior interesse dos membros da CPMI em aprofundar as investigações sobre a Delta. “Apesar de ser a principal executora das obras do PAC, a investigação ficou circunscrita nitidamente a Carlos Cachoeira e às suas atividades ilícitas. Cabe mencionar, inclusive, o empenho de alguns integrantes da CPMI em não ouvir ex-sócios da Sigma Engenharia e Consultoria Ltda. (comprada pela Delta), responsáveis pela gravação das frases acima reproduzidas. Mesmo com requerimento aprovado pela Comissão para ouvi-los, eles nunca foram convocados”, condena o deputado.
Marcelo Limírio
No voto, o líder do PPS também ressalta as suspeitas que recaem sobre o empresário Marcelo Limírio Gonçalves, dono de conglomerados farmacêuticos e de várias outras empresas. Ele lembra que com todo o seu poderio econômico, em determinados momentos ele alimentou ou serviu de suporte para alguns dos integrantes da quadrilha. Chegou, inclusive, a pagar mais de R$ 3 milhões para o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos defender Cachoeira. Na avaliação de Bueno, Limírio “deve ser objeto de investigação aprofundada pelas autoridades competentes”.
Ele recomenda o envio do presente relatório à Polícia Federal, ao Ministério Público no estado de Goiás e em todos os Estados onde Limírio mantém negócios, à Receita Federal do Brasil e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, a fim de que realizem, a partir dos dados colacionados pela CPMI, uma ampla investigação patrimonial, pessoal e fiscal em face suspeitas sobre a pessoa física e as pessoas jurídicas titularizadas pelo empresário, que tem negócios no Brasil, no Uruguai e Estados Unidos, com grande movimentação financeira.
Requerimentos engavetados e blindagem
No voto, o líder do PPS ressalta que de um total de 1231 requerimentos apresentados, deixaram de ser apreciados 638. “E, assim mesmo, dos requerimentos aprovados, foram atendidas as providências requeridas apenas em relação a uma parte deles. Em outras palavras, a Comissão deixou de investigar muitos fatos constantes de requerimentos que embora aprovados, não chegaram a produzir qualquer efeito jurídico”, destaca.
O deputado lembra ainda que, feitas as contas, se chega à conclusão que foram aprovados apenas 51,7% dos requerimentos apresentados. “A análise desses dados demonstra que o número elevado de fatos a investigar foi incompatível com o tempo exíguo de funcionamento da Comissão, o que poderia ter sido contornado com a prorrogação de seu prazo de vigência. Lamentavelmente, os parlamentares integrantes das duas Casas do Congresso Nacional não avalizaram a continuidade das investigações. Ao contrário, alinharam-se à maioria dos membros da própria CPMI, empenhados em barrar a produção de resultados concretos voltados ao aperfeiçoamento das instituições e à punição dos responsáveis”, diz Bueno.
Relator barrou investigações
Para o líder do PPS, o relator da CPMI não quis investigar os fatos correlatos ligados ao objeto principal. “Ele e os parlamentares da base governista lutaram para impedir a quebra de sigilo de empresas criadas para receber recursos provenientes da empresa Delta Construções S.A. obtidos em licitações fraudulentas. E essa empreiteira, como o Brasil inteiro já sabe, mantinha Carlos Augusto Ramos, dito “Cachoeira”, como um de seus operadores. Assim, com zelo e determinação, a base governista impediu que se chegasse ao destino final desse dinheiro sujo”, critica o parlamentar.
Para Rubens Bueno, faltou a CPMI averiguar por completo como a organização criminosa conseguiu infiltrar-se em estruturas estatais e quais agentes públicos e privados estavam envolvidos direta e indiretamente no esquema.
Falta investigar
Para o líder do PPS, com base nos fatos narrados em seu voto (
veja aqui), cabe ainda investigar:
a) O conluio das empreiteiras em licitações evidenciado pela descoberta da PF que traz de volta as suspeitas de que essas empresas, por meio da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) reúnem-se para combinar previamente a divisão de lotes de licitações de órgãos públicos, além de superfaturarem os contratos para financiar campanhas políticas;
b) Os contratos milionários firmados pelos órgãos do Estado do Rio de Janeiro, notadamente pela CEDAE, com a Delta – Construções S.A., e outras empreiteiras, ainda mais considerando que a legislação estadual desobriga o citado órgão de colocar os dados dos contratos no SIAFEM – Rio de Janeiro (sistema análogo ao SIAFI federal). A suspeita sobre a existência de irregularidades acentuou-se pela exclusão do Governador do Rio de Janeiro que não foi convocado por decisão ostensiva dos governistas, empenhados em protegê-lo, a qualquer custo;
c) Os contratos firmados pelos respectivos órgãos estaduais com a Delta – Construções S.A., por razões análogas às citadas acima, os quais constituíram fato determinante para que os governistas se opusessem sistematicamente à convocação dos governadores dos Estados de Mato Grosso, e do Tocantins e levaram a que o Governador do Distrito Federal não fosse indiciado;
d) A rota dos contratos dos medicamentos genéricos produzidos e comercializados pela Vitapan Indústria Farmacêutica Ltda. empresa hoje pertencente à ex-mulher de Cachoeira, firmados com o Sistema Único de Saúde (SUS) em diversos estados da União, notadamente nos locais em que vem sendo contratada com dispensa de licitação. É preciso averiguar a forma como essa empresa sai vencedora dos certames e, se for o caso, encaminhar o assunto à Controladoria Geral da União que, se for o caso, se incumbirá de declarar a sua inidoneidade, como já fez em 12 de junho de 2012, em relação à Delta Construções S.A. (DOU de 13.06.2012);
e) As empresas identificadas no Relatório final como empresas-fantasma ou empresas- laranja, suspeitas de lavagem de dinheiro e de se articularem com o esquema de Carlinhos Cachoeira e principalmente com a empreiteira Delta – Construções S.A. visando ao repasse de recursos financeiros para corromper servidores públicos em todas as esferas do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, além do financiamento espúrio de campanhas eleitorais.
f) Além disso, é preciso rastrear o destino final das remessas de dinheiro da Delta para as empresas-fantasma ou empresas-laranja no país e as remessas para o exterior de vultosas quantias de dinheiro pela quadrilha comandada pelo bicheiro Carlos Augusto Ramos, pela Delta – Construções S.A. e demais pessoas físicas e jurídicas integrantes de seu esquema.
Continuidade das investigações
No final de seu voto, Rubens Bueno diz esperar que os demais órgãos do Estado brasileiro aprofundem a investigação.
“Em respeito à sociedade brasileira que não mais aceita práticas espúrias no trato da coisa pública, esperamos que este Voto em Separado sensibilize as demais esferas de fiscalização, notadamente, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Comissão de Ética Pública, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União, para fins de indiciamento e denúncia à Justiça, com a finalidade de os responsáveis virem a responder, conforme o caso, pelos crimes de Tráfico de Influência, Corrupção, Improbidade Administrativa, Responsabilidade Fiscal, Peculato, Lavagem de Dinheiro, Formação de Quadrilha, assim como pelos crimes tipificados no art. 89 da Lei nº 8.666, de 1993. A investigação por esses órgãos e entidades pode levar a resultados profícuos que não chegaram a ser obtidos em decorrência de todas as falhas verificadas nos trabalhos da Comissão e no Relatório final”, finaliza.