Em qualquer lista dos mais equivocados projetos em tramitação no Congresso, um, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), ganharia destaque. E com méritos, porque trata de aumentar o castigo penal do usuário de drogas, na contramão da tendência correta de se descriminalizar o usuário, tratando-o como uma questão de saúde pública e não de polícia.
O projeto estabelece, ainda, a internação compulsória do drogado, contra a opinião de especialistas no mundo todo.
Já aprovada por unanimidade pela Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, a proposta pode ir à votação, em regime de urgência, em fevereiro. Se aprovada, será um sério retrocesso na nova abordagem do problema, seguida, com êxito, em vários países.
No Brasil, a legislação, ainda incompleta, protege o usuário, caracterizado pelo porte de pequenas quantidades de drogas. Mas é pouco.
Os bilhões de dólares gastos, a cada ano, principalmente pelos Estados Unidos, na perseguição planetária ao tráfico, e, internamente, ao usuário não fizeram o consumo e a produção de drogas retrocederem.
Ao contrário. Feita a constatação, um grupo de países passou a se mobilizar para tentar alterar a política da ONU de enfrentamento da droga. Começou uma mobilização mundial para a mudança de enfoque na abordagem da questão. Na América Latina, por exemplo, foi criada uma comissão para atuar com esta finalidade, da qual participam os ex-presidentes FH, Cesar Gavíria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México).
A paquidérmica ONU, influenciada pelos Estados Unidos, defensores da militarização do problema da droga, apesar da legalização em alguns estados americanos, formalmente não se moveu.
Porém, há avanços em andamento. Vários países já descriminalizam o uso de todas as drogas e tratam usuários como dependentes químicos, não como criminosos. E o tratamento só é feito com a concordância do usuário, porque está provado que o sucesso em internações compulsórias ocorre apenas em 2% a 3% dos casos.
Há situações em que não existe alternativa, e a coação serve para proteger o próprio drogado. Mas não pode ser a primeira e única alternativa.
Portugal, um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de drogas. Na Suíça, o tratamento não policial do tema também debelou uma epidemia de Aids, acelerada pelo compartilhamento de seringas por viciados.
Evita-se o contato, nos presídios, de simples viciados com criminosos experientes, e ainda protege-se o usuário do achaque policial. A nova política tem entre outros adeptos a Colômbia e mais recentemente o Uruguai. E o Brasil pode ficar para trás.
O deputado autor do projeto alega propor o endurecimento legal para atender “a sociedade brasileira, que vive o drama das drogas”. Erra porque este não é um tema a ser regulado a partir apenas de boas intenções e da ideia perigosa do “senso comum”. É inconcebível abordar problemas como este sem base no conhecimento científico.
28 de dezembro de 2012
Editorial - O Globo