Criado no bairro carioca da Tijuca, André Esteves sonhava comprar um posto de gasolina e ficar rico nos tempos de estudante de matemática na UFRJ. Virou bilionário aos 36 anos — o mais jovem do Brasil, Hoje, aos 44, é dono de um dos maiores bancos do país. o BTG Pactual, mas ambiciona ainda ocupar o topo. "Não seria nada mau multiplicar o patrimônio por dez", diz, no estilo informal do qual não se despe nem mesmo quando é chamado a Brasília para falar com o ministro Guido Mantega. de quem é próximo. De uma agressividade que seus detratores definem como "excessiva" ao fechar negócios. Esteves assumiu, no início do ano, uma das mais espinhosas missões de sua carreira: ajudar Eike Batista a desatar o nó do grupo X.
Depois que a OGX anunciou que abandonaria seu único campo de petróleo, muita gente se perguntou se Eike Batista foi ingênuo, incompetente ou desonesto. Qual é o seu diagnóstico?
O momento da economia era bom. e todo mundo foi tomado por um excesso de otimismo. Não só o Eike. mas analistas de mercado. bancos e investidores subestimaram a capacidade de execução e o capital necessários para pôr tantos mega projetos de pé ao mesmo tempo. Era um desafio difícil, hercúleo. Mas. mesmo com toda a decepção, não dá para acusar Eike de má fé. Ele foi. afinal, quem mais perdeu. No passado, já tinha recebido ótimas ofertas pela empresa. Nunca quis vender porque sempre acreditou naquilo.
Desde o início do ano, a OGX sabia que aquele campo de petróleo era inviável. Por que demorou tanto a dar a notícia ao mercado?
Durante muito tempo, reinaram na OGX uma confiança e um encantamento exagerados, como se todos ali tivessem esquecido quão arriscado é o negócio de exploração de petróleo. Aí começaram a aparecer as dificuldades, mas sempre houve a esperança de que uma perfuração de última hora pudesse salvar a situação. Isso já tinha acontecido com o pré-sal: a Petrobras gastou uma fortuna e amargou alguns fracassos antes de dar a grande tacada. Os executivos da OGX tentaram o que podiam, até alguém decidir que não valia mais a pena insistir. É como um paciente que o médico tenta curar, curar, mas a certa altura percebe que não há mais saída e desliga os aparelhos.
Qual o cenário mais provável para as empresas de Eike? A despeito de uma ou outra que não tem mais jeito, há ativos que podem ser vendidos e dívidas que serão renegociadas. A dúvida hoje é sobre qual será a participação de Eike nessa nova etapa. Seja qual for. ele terá deixado legados importantes. Não fossem as térmicas da MPX. provavelmente o Brasil passaria por um racionamento em um ou dois anos. O Porto Sudeste, por sua vez, está praticamente concluído e será essencial para escoar a produção de minério. Há gente interessada em comprá-lo.
No grupo X, houve quem sugerisse a Eike dar o calote e mandar o próprio dinheiro para o exterior. O senhor soube disso?
Não. O que posso garantir é que o BTG não advoga saídas heterodoxas e respeita credores. Se depender de nós, o Eike sairá da crise pela porta da frente — ainda que com muitos prejuízos para ele e para os investidores.
Como ele anda nos últimos dias? Abatido, claro, mas tentando resolver os problemas de cabeça erguida. Conheço muitos que, no lugar dele. estariam enfiados na cama. sem capacidade de reação.
A crise no grupo X prejudicou muito a imagem do Brasil perante os investidores? É claro que prejudicou, mas não foi o que derrubou as bolsas. A decepção dos investidores não é só com o Eike. É também com a Petrobras. que, mesmo tendo feito uma capitalização recorde, vai mal-, com as empresas de construção civil, que bombaram na bolsa e depois deram uma refluída; e mesmo com a Vale. que teve uma performance fraca por causa da queda nos preços do minério de ferro.
0 que o senhor pensa da política do BNDES de eleger campeões nacionais? Não acho certo o BNDES dar credito barato a empresas que têm como conseguir dinheiro no mercado. O banco é um excelente instrumento para o Brasil. mas está se tornando contraproducente. Não é bom que o país fique tão dependente dele. Trata-se de um claro sinal de que algo está errado. O BNDES é tão bom quanto o antibiótico: foi uma grande invenção da humanidade, só que. se você tomar oito por dia, vai acabar prejudicando a saúde. Se todo mundo ficar pendurado no BNDES, o país perde a competitividade. O banco deveria, isso sim. se concentrar nos grandes projetos de infraestrutura que podem ajudar o Brasil a enfrentar a concorrência global.
A inflação sobe, as contas públicas estão desequilibradas e o investimento está em queda. Como chegamos a esse ponto?
O governo não prestou atenção ao termômetro do mercado. Quando o PT assumiu, em 2003. o momento era de enormes desafios econômicos, e havia uma descrença na capacidade dos petistas em lidar com essa complexidade. O ceticismo fez com que Lula fosse muito disciplinado na condução da economia no primeiro mandato. Graças a isso. consolidamos os pilares da estabilidade. Mas o sucesso trouxe um efeito colateral negativo: o gradual desprezo às críticas do mercado, principalmente a partir de 2008. com a derrocada dos sistemas financeiros na Europa e nos Estados Unidos. Sinais importantes — como o fato de a nossa bolsa estar indo pior do que todas as outras e a perda de credibilidade da política fiscal — foram ignorados. Essa soberba econômica foi um erro. O mercado é um termômetro tão valioso quanto a voz das ruas.
Que semelhanças o senhor vê entre os dois?
Pode não parecer, mas o sentimento difuso que levou as pessoas às ruas para pedir mais educação e saúde, um melhor transporte público e menos corrupção nada mais é do que o clamor por um estado mais eficiente, um dos pilares em que se baseia o mercado. A questão fundamental é que o estado brasileiro se apropria de 36% da renda dos cidadãos e não entrega o correspondente em serviços. Países como Japão e Noruega têm carga tributária alta, e não se vê ali gente na rua protestando. Se aqui há, é porque existe excesso de estado e de ineficiência. Nos últimos anos. a economia se formalizou, mais gente paga imposto e o brasileiro aprendeu a cobrar um retomo disso. A sociedade mostrou que não vai tolerar que a ignorem. Ela pôs os políticos em alerta.
0 senhor foi um dos convocados para uma recente reunião de empresários com o ministro Guido Mantega. 0 que ele queria?
Ouvir nossa opinião sobre a economia e o Brasil, o que é um bom sinal de que está antenado com as insatisfações. Eu insisti muito para a presidente Dilma. que é mais introspectiva, retomar as conversas que costumava ter com os empresários. Não que dessas reuniões vá sair a solução para todos os problemas, mas é bom que o governo não se feche e se mantenha conectado à realidade econômica.
Instrumentos como contabilidade criativa, com o governo inflando o superávit artificialmente, são aceitáveis?
Não são aceitáveis nem necessários. Na minha opinião, não haveria nada de errado se o governo dissesse que precisa gastar mais para dar um empurrão na economia. Mas o país tem feito muita confusão nessa seara. Outro dia mesmo o governo reafirmou o compromisso com o superávit de 2.3% do PIB e deixou todo mundo satisfeito. Dias depois, ficamos sabendo que o Tesouro estava recebendo dividendos do BNDES para cumprir essa meta. Ora. esse tipo de coisa tira toda a credibilidade. Assim fica difícil defender o país perante os investidores.
Os investidores perderam a confiança no Brasil?
Paira uma grande incerteza sobre o rumo que o país está tomando. Nos últimos tempos, o governo lançou pacotes para ferrovias, rodovias e aeroportos que até iam na direção certa, mas resolveu definir ele mesmo a taxa de retorno do investimento — o que, além de despropositado, é tarefa absolutamente inglória. A beleza desse tipo de concorrência está justamente em cada um conseguir maneiras de obter a melhor taxa de retomo do negócio oferecendo um bom preço ao consumidor. Ao tentar tutelar essa variável, o governo afetou diretamente o apetite dos investidores. Depois disso, muita gente pôs o Brasil sob observação. Tenho um cliente, um grande fundo de pensão canadense acostumado a aplicar bilhões aqui. que suspendeu temporariamente os investimentos em infraestrutura até ter mais clareza sobre o futuro. É esse jogo — o das expectativas — que o governo está perdendo. Precisamos de racionalidade e transparência para fazer o dinheiro voltar a fluir. O que me choca é que é tudo muito fácil de resolver. As soluções estão dadas.
Se é tão fácil assim, por que ninguém faz?
Em alguns segmentos do governo, falta capacidade de gestão e, em outros, os diagnósticos estão errados. Tem gente que ainda acha que está abafando.
O que, afinal, precisa ser feito?
Não é segredo para ninguém o que fazer. O Brasil maneja esses instrumentos há décadas. Basta adotar maior disciplina fiscal, com aperto nos juros — tanto quanto for necessário para equilibrar a economia. O Banco Central até tem trabalhado nisso.
Por que ainda não surtiu o efeito desejado?
Porque há outras coisas que estão emperradas. Uma delas é atacar a verdadeira causa da pressão inflacionária e fazer a transição de um modelo de crescimento baseado na expansão do crédito e do consumo interno para outro, calcado no investimento. Daria para começar com pequenas reformas que não dependem de novas leis nem de mecanismos muito complicados, como a redução da burocracia para abrir e fechar uma empresa ou das exigências para a importação de insumos. Parece pouco, mas ajudaria, e muito, a reverter as expectativas negativas.
No mercado, é comum ouvir que o senhor tem muita influência sobre o ministro Guido Mantega. Dizem até que teria informações privilegiadas sobre o movimento dos juros e do câmbio...
É um completo absurdo. Temos o maior departamento de coleta de informações sobre inflação e a maior equipe de análises econômicas do mercado. Por isso, acertamos com uma frequência razoável. As pessoas ficam lançando suspeita sobre nossos acertos, que são uns dois terços das apostas, e deixam de reparar nos erros. Eles são, aliás, bem mais frequentes do que eu gostaria. É o caso de lembrar a frase que o Luiz Cezar Fernandes, um ex-sócio do banco, gostava de citar: "No Brasil, as pessoas perdoam tudo. Só não perdoam o sucesso".
Quando mais jovem, o senhor dizia querer ficar rico para comprar um posto de gasolina. Qual é hoje a sua grande ambição?
Nosso negócio deixou de ser sobre dinheiro há muito tempo. Não vai ser o dividendo deste ano que vai me permitir trocar de carro. Meu objetivo maior é construir uma história de sucesso e propagar um modelo que ajude a empurrar o Brasil para uma economia de mercado de verdade. Se nesse caminho eu conseguir multiplicar o patrimônio do banco por dez. tanto melhor.
O mesmo Luiz Cezar Fernandes declarou uma vez que o senhor seria capaz até de "vender a mãe para ter poder".
Foi um comentário infeliz, e ele se retratou. A agressividade é, sim, uma forte característica da cultura do meu banco. Ela se traduz em agilidade máxima, trabalho duro, foco nos resultados e um respeito quase religioso à meritocracia. Não importa se estamos falando do estagiário ou do sócio do banco, quem tem razão sai ganhando — sempre. A questão é que as pessoas não estão acostumadas a essa maneira de pensar e agir. O Brasil ainda vive os estágios iniciais da criação de uma economia de mercado de fato. daí o preconceito. E, só para deixar bem claro em relação à minha mãe. professora universitária que me ensinou os mais elevados princípios: eu não a venderia por nada neste mundo.
23 de julho de 2013
Revista Veja
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