Desde que o mundo é
mundo, dar más notícias não é bom negócio. Não resolve nada cortar a cabeça do
mensageiro, mas parece que os destinatários das más notícias têm opinião
diversa, principalmente quando são poderosos e a mensagem anuncia algo que
ameaça esse poder.
E isso se estende às
opiniões.
Também desde que o
mundo é mundo, os cortesãos aprendem a evitar dar palpites negativos sobre os
atos dos poderosos de que dependem e é proverbial a recorrência, no folclore de
muitas culturas, de histórias sobre como reis se disfarçavam e assim saíam às
ruas, para tentar ouvir sem intermediários o que falavam seus
súditos.
O portador de más
notícias e opiniões desagradáveis, em nossos dias, é a imprensa, entendida esta
como todos os meios de comunicação. Isso leva a fenômenos interessantes. Na
internet é comum ler que a grande imprensa, por estar mancomunada com o governo
ou com o rabo preso por interesses escusos, não denuncia isso ou aquilo e
distorce os fatos para agradar o poder.
Daí a alguns
cliques de mouse, surge um artigo indignado, argumentando que a imprensa vendida
e golpista é que está por trás, por exemplo, das condenações dos réus do
mensalão. E protestos embravecidos choveram, logo depois das condenações da
última terça-feira, culminando com o comentário de um dos advogados do réu,
segundo o qual jornalista bom é jornalista morto.
O autor da frase
explicou que se tratava de um pilhéria. Certamente foi, embora eu não creia que
achassem muita graça nela os incontáveis jornalistas que, desde os primórdios de
sua profissão, em todo o mundo, foram e são assassinados, torturados,
encarcerados, banidos ou forçados ao silêncio.
Toda ditadura, sem
exceção, tem como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância
rigorosa sobre os fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público. Não há
como aceitar o controle da imprensa pelo Estado e muito menos pelo governo. O
resto é conversa e interesse contrariado, pois em lugar nenhum existe democracia
sem liberdade de imprensa.
É a imprensa, apesar
de todos os defeitos comuns à condição humana, que serve de olho e boca da
coletividade, não pode ser cerceada sem que as liberdades civis também
sejam.
O espirituoso chiste
do advogado, que perdeu a causa e -quem sabe se num ato falho - pode numa piada
ter exposto o que lhe vai no coração, ainda compõe um panorama curioso. Os
condenados e seus aliados parece que não se lembram das barbeiragens que
cometeram desde que chegaram ao poder.
Quem os meteu nessa
camisa de onze varas não foi a imprensa, foram os atos deles
mesmos.
Não enxergaram que
não estamos mais no país dos golpes, rumores de golpes, advertências à nação e
outras práticas enterradas no passado, que as instituições vêm resistindo muito
bem aos trancos por que têm passado, que houve muitas mudanças neste
mundo.
Num aparente acesso
de onipotência, decidiram que sórdidas práticas velhas, como a compra de apoio e
de votos, nas mãos deles de alguma forma não apenas se justificavam, mas quase
se legitimavam. Montaram um esquema cujos riscos não avaliaram e que talvez
desmoronasse inevitavelmente, mesmo que não houvesse sido ruidosamente delatado
- havia gente demais envolvida e buracos demais; o vazamento era sempre uma
possibilidade.
Não me refiro a
deslizes éticos ou ações criminosas, mas a barbeiragens motivadas pelo excesso
de confiança e pelo desdém pela inteligência alheia. Espertos demais, com as
cabeças envoltas pelas nuvens do poder e da glória, erraram nas manobras e não
por culpa da imprensa ou de ninguém, mas da própria inépcia, que redundou em
ações incompetentes. O que previram, naturalmente, também se revelou
errado.
Em certo momento do
desenrolar da história, pareceu até que o ex-presidente Lula achava que os
ministros do Supremo por ele indicados eram ocupantes de cargos em comissão.
Nomeados por ele deviam votar com ele, não foi para isso que os nomeou, onde já
se viu uma aberração dessas? Por que não é possível demiti-los por quebra de
confiança?
Em suma, alçados ao
poder, ainda rodeados da aura ética e ideologicamente definida que publicamente
os caracterizava, consagrados por uma votação expressiva e imersos numa onda de
popularidade incontestável, os novos governantes e estrategistas avaliaram mal a
situação, superestimaram a si mesmos e, paralelamente, subestimaram os
obstáculos que enfrentariam.
Viam-se talvez como
praticantes sagazes e habilidosos de uma eficiente Realpolitik e seus planos
para a obtenção da sempre lembrada governabilidade. Claro que, como disse
Kennedy uma vez, a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Ninguém entre
os atingidos deve desejar ser o pai dessa grande derrota. Mas os pais são eles
mesmos.
Armaram um esquema
cheio de si, acreditaram nos falsos indícios que às vezes entontecem os
poderosos e quebraram a cara. Pois, afinal, as condenações são a demonstração de
que o esquema armado para governar, em vez de sabido, era burro e que os novos
generais engendraram e puseram em ação um plano gravemente equivocado e
desastroso.
A culpa não é da
imprensa, nem de ninguém, a não ser dos autores e agentes da estratégia.
Supondo-se malandros, demonstraram-se otários. Isso certamente é duro de admitir
e talvez nunca o seja de todo.
Até porque vem aí,
depois das sentenças, o processo em que os condenados serão considerados
mártires por seus companheiros, serão objeto de apelos internacionais e, enfim,
serão glorificados como heróis de sua causa, o que lá venha a ser definido como
tal na ocasião.
E a imprensa, com
toda a certeza, vai ser necessária, para que isso tenha repercussão. A imprensa
serve a todos, até mesmo a quem precisa muito de um culpado pelo próprio
fiasco.
João Ubaldo
RibeiroO Estado de S. Paulo
14 ded outubro de 2012