O alvo dos
questionamentos é a assembleia de 19 de março, na qual Jorge Gerdau e Josué
Gomes da Silva foram eleitos representantes dos minoritários no conselho de
administração da estatal, com o voto decisivo de fundos de pensão, contrariando
indicações feitas por acionistas minoritários.O que a CVM deve investigar é a conduta dos fundos - se
agiram em conflito de interesses, defendendo os seus próprios ou os do
controlador, e não os da companhia. Para isso, terá de ficar provado o vínculo
entre a União, que controla a Petrobras, e a gestão das
fundações
A Petrobras, maior
companhia do mercado acionário brasileiro, é alvo de uma investigação da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e também está na mira de minoritários, que
questionam a empresa na Justiça comum.
A autarquia, vinculada ao
Ministério da Fazenda e responsável pela fiscalização e regulamentação do
mercado, está averiguando a assembleia geral ordinária de 19 de março, na qual
Jorge Gerdau Johannpeter, dono do grupo siderúrgico Gerdau, e Josué Gomes da
Silva, dono da têxtil Coteminas, foram eleitos como representantes dos
minoritários para o conselho de administração da estatal.
Ambos têm
ligações com o governo federal.
O assunto está, desde 30 de julho,
aos cuidados da Superintendência de Processos Sancionadores da CVM, a área que
cuida dos processos abertos pelo regulador. A questão começou a ser analisada em
5 de abril, pela Superintendência Geral.
Agora, deve ter início a
fase em que os participantes do evento serão ouvidos, especialmente aqueles que
estiverem presentes ao encontro.
Se forem verificadas ilegalidades
na investigação, a superintendência distribuirá as acusações, abrindo um
processo. Caso contrário, o assunto será arquivado.
Consultada, a
autarquia não quis comentar o caso específico. A companhia também não comentou o
caso.
Na assembleia em questão, um grupo de minoritários da
Petrobras, liderados pelo fundo estrangeiro BlackRock e pela gestora carioca
Polo Capital, havia indicado para o conselho de administração da estatal os
nomes de Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação Nacional de
Investidores no Mercado de Capitais (Amec)
e ex-presidente do Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
e do gestor internacional
Francisco Carlos Drohojowski.
O primeiro era para a vaga dos minoritários
de ações ordinárias e o segundo, de preferenciais.
A BlackRock
era, então, a maior minoritária da Petrobras, com 5% do capital preferencial,
que na época da assembleia equivaliam a R$ 6,8 bilhões. Atualmente, o fundo está
abaixo desse percentual e, por isso, não é possível saber sua posição exata - só
há obrigação de divulgação a partir de 5%.
Nos documentos de maio, o
fundo estrangeiro já não aparece mais na base acionária da empresa como detentor
dessa participação.
A iniciativa dos minoritários era inédita. A
organização de investidores pulverizados da empresa sempre foi um dilema, dado o
tamanho da companhia, avaliada atualmente em R$ 288 bilhões. Na época da eleição
do conselho, a companhia valia R$ 325 bilhões na
BM&FBovespa.
Entretanto, a tentativa foi frustrada porque os
fundos de pensão Petros, da própria companhia, Previ, dos funcionários do Banco
do Brasil, Funcef, da Caixa Econômica Federal, e ainda BNDES e BNDESPar votaram
nos nomes de Gerdau e Josué, sem que eles tivessem sequer sido indicados
previamente.
Eles já compunham o conselho do ano anterior, mas não
estavam oficialmente concorrendo na eleição deste ano. Por isso, o resultado da
assembleia surpreendeu a chapa dos minoritários e outros investidores da
estatal.
Com isso, ambos foram reconduzidos ao conselho. Gerdau
estava desde a assembleia geral do ano anterior e Josué foi indicado para a vaga
deixada por Fábio Barbosa, após sua renúncia.
Os fundos de pensão
que participaram da votação são de empresas patrocinadoras de controle da União
Federal, tal como a Petrobras. O BNDES, por sua vez, é considerado como
controlador na composição societária - caso contrário, a estatal estaria à beira
de ser uma empresa de controle difuso.
Os nomes Gerdau e Josué
receberam votos de 1,4 bilhão de ações ordinárias e preferenciais - quase R$ 70
bilhões em valor de mercado da época.
Juntos, os minoritários
organizaram 300 milhões de ações de cada espécie, numa soma próxima de R$ 17
bilhões.
A atuação dos fundos de pensão e do BDNES e BNDESPar
gerou protesto dos minoritários organizados e mesmo outros que participavam da
assembleia, que foi registrado por escrito pelos presentes.
Na
ocasião da assembleia, a Petrobras não forneceu as cédulas da votação para que
se verificassem os autores dos votos e das indicações. A conclusão a respeito
dos acionistas veio do elevado número de votos.Josué Gomes da
Silva:
"Todo conselheiro precisa atuar em prol de todos"
O que
a CVM deve investigar é justamente a conduta das fundações, se estavam em
posição de conflito - defendendo interesses próprios ou do controlador e não da
companhia. Para isso, terá de ficar provado o vínculo entre a União, que
controla a Petrobras, e a gestão das fundações.
Os estatutos dos fundos
de pensão e as escolhas de seus gestores serão peça importante dessa
análise.
Além das fundações, também será alvo de análise do
regulador a conduta do presidente da assembleia. A reunião foi conduzida pelo
diretor financeiro e de relações com investidores, Almir Barbassa. A mesa tinha
ainda uma representante da União, Maria Teresa Pereira Lima, e a secretária do
evento, Heloísa de Paula Batista Warken.
A CVM já tem em seus
registros decisões passadas que envolvem situações semelhantes com fundos de
pensão. A autarquia decidiu que fundações não podem votar como minoritárias em
assembleias das patrocinadoras, especialmente, se ficar provado que a companhia
tem influência ou poderes na gestão do fundo.
Além da CVM, a
Petrobras pode se tornar alvo de um debate sobre o mesmo episódio, só que na
Justiça. Pelo menos, no que depender do investidor minoritário Rafael Rodrigues
Alves da Rocha, que tem cerca de R$ 50 mil aplicado na estatal e participou da
assembleia geral ordinária.
O acionista pretende entrar com uma
ação contra a eleição de Gomes da Silva, especificamente, por ser acionista
preferencialista. Ele destaca que a primeira indicação do empresário ao conselho
ocorreu pelos demais membros do colegiado, por conta da renúncia do executivo
Fabio Barbosa.
Assim, Gomes da Silva, na visão de Alves da Rocha, não
seria um "legítimo representante dos minoritários". Ele defende ainda que o
bloco controlador impediu o acesso de um representante dos minoritários
pulverizados com a atuação dos fundos de pensão.
Antes de dar
início à ação, Alves da Rocha precisa das provas de que foram as fundações, o
BNDES e a BNDESPar que votaram em Gerdau e Josué. A Petrobras não forneceu as
cédulas da votação.
Por conta disso, o minoritário iniciou os
trabalhos na Justiça com uma ação cautelar para ter acesso a esses documentos.
Na sexta-feira, a Juíza Márcia Cunha Silvia de Araújo de Carvalho negou a
solicitação. O investidor disse que irá insistir e refazer o pedido, corrigindo
eventuais pontos que possam ter levado à decisão negativa da
juíza.
"Não podemos deixar isso passar em branco, e a Petrobras é
o melhor palanque para brigarmos [pelos direitos os minoritários], pois isso
acontece em diversas estatais", disse Alves da Rocha. "Eu estava na assembleia,
vi o que aconteceu. Os fundos de pensão não tiveram nem coragem de levantar para
dar o voto."
A Petrobras tem sofrido críticas e perdas no mercado
de capitais desde o anúncio da megacapitalização, realizada depois da descoberta
do pré-sal. Diversos investidores têm apresentado queixas de que a interferência
governamental na empresa tem aumentado.
A indicação de Graças Foster à
presidência, contudo, foi bem recebida, por ser ela uma funcionária técnica da
empresa.
A companhia vale hoje 10% menos do
que antes do anúncio da capitalização - mesmo após
adicionar R$ 120 bilhões dentro de seu capital com a oferta de ações
de
2010.
Graziella
Valenti | De São Paulo Valor Econômico
20 de agosto de 2012